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Lavagem de dinheiro no contexto do mercado de apostas esportivas

O modus operandi do crime de lavagem de capitais por meio de apostas esportivas. As fases de lavagem de capitais e as possibilidades que ocorre o crime de lavagem por meio de apostas.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Atualizado às 11:04

Tradicionalmente, a doutrina divide o processo de lavagem de dinheiro em, ao menos, três fases.

A primeira fase e a ocultação (placement, colocação, conversão), que constitui o movimento inicial para distanciar o valor de sua origem criminosa, havendo o afastamento da prática da infração antecedente.

No ambiente das apostas, uma das estratégias de execução pode ser a realização de múltiplos depósitos de pequenos valores em contas de apostas online, prática conhecida como smurfing, que visa evitar a detecção por parte das autoridades financeiras.

Além disso, indivíduos podem utilizar intermediários ou "laranjas" para abrir contas e realizar apostas, diluindo assim a origem dos fundos. Também é frequente a utilização de dinheiro em espécie em apostas presenciais, especialmente em locais onde a regulamentação é mais permissiva, permitindo a conversão de grandes quantias de dinheiro sujo em aparentes ganhos legítimos.

Avançando para a fase de dissimulação (layering, controle, estratificação), que é caracterizada pelo uso de técnicas para dificultar o rastreamento do capital oculto, isto é, aprofundar o distanciamento de sua origem ou de suas características ilícitas.

Esta etapa pode envolver a dispersão dos fundos através de múltiplas apostas em eventos esportivos, inclusive em diferentes operadoras de apostas e em jurisdições diversas. Tal fragmentação das apostas cria uma rede intrincada de transações que desafia os mecanismos de controle tradicionais.

Além disso, a prática de apostas cruzadas, onde diferentes contas distribuem apostas para garantir que uma delas sempre vença, permite que os capitais sejam "limpos" à medida que os ganhos são transferidos para contas aparentemente legítimas.

Outra possibilidade é a de que depósitos pulverizados são mantidos na conta da operadora de aposta sem que sejam feitas movimentações, em seguida, a conta é encerrada e o montante depositado é devolvido por meio de transferência para uma conta bancária de sua titularidade ou - a depender da (ausência de) regulamentação - para a conta bancária de um terceiro. Dessa forma, o capital ganhará aparência lícita. 

Finalmente, na fase de integração (integration), busca-se a introdução do capital reciclado na economia formal. Nesta etapa, os ativos - já lavados por meio de operações de dissimulação - são reciclados a partir de negócios lícitos, incluindo, por exemplo, a aquisição de imóveis, veículos ou investimentos empresariais e patrocínio de eventos e equipes, ou simplesmente sacam os fundos das contas de apostas justificando-os como ganhos de apostas.

Aliás, o patrocínio esportivo já é uma grande realidade no mundo, tratando-se de modelo de negócio plenamente legal e lícito, quando realizado sob os ditames legais e regulatórios.

No Brasil, em 2024, o setor assumiu o protagonismo e representa aproximadamente 70% dos patrocínios masters dos clubes das séries A, B e C do Campeonato Brasileiro, revolucionando o futebol nacional, com vultuosos e salutares investimentos nas categorias de base, na profissionalização das equipes e com notável geração de empregos e renda, além de estimular negócios correlatos.

Entretanto, é notório que a subregulamentação pode possibilitar que organizações criminosas constituam as suas próprias casas de aposta visando estritamente reciclar dinheiro proveniente de atividades ilícitas. Essas operações podem ser estender além das fronteiras nacionais, utilizando contas em paraísos fiscais e empresas offshore para movimentar os fundos lavados.

Nesse caso, os supostos apostadores (membros da organização) criam as suas contas como um apostador comum e efetuam diversos depósitos em pequenos valores. Ato contínuo, realizam apostas em resultados de dificílimo êxito a fim de que a quantia seja perdida em favor do operador de aposta.

Para a operadora de aposta e o seu proprietário, a quantia será registrada como receita bruta do jogo, uma vez que oriunda de apostas perdidas. Por sua vez, as tais contas simuladas estarão emaranhadas entre contas de apostas legitimas, de usuários efetivamente reais, o que dificulta, ainda mais, que sejam identificadas.

Outrossim, um operador pode atuar de maneira direta como coautor na prática da lavagem de dinheiro, repassando com aparência lícita valores de origem ilícita por meio, por exemplo, de contratos simulados.

Nessa hipótese, o valor de origem ilícita pode ser pulverizado em apostas de dificílimo êxito, a fim de que o dinheiro seja retido pela casa de apostas. A operadora, então, por meio de contratos falsos dissimula a contratação de prestação de serviços de empresas de fachada ligadas à organização criminosa. Assim, no pagamento da nota fiscal simulada, o valor é devolvido aos recicladores com aparência lícita.

A ausência de regulamentação no mercado de apostas fortalece a existência de uma zona cinzenta, na qual inexiste um conjunto de normas que imponham dever de diligência aos operadores. Estes, por não possuírem um dever regulamentado de fiscalização e de comunicação de condutas suspeitas de lavagem de dinheiro, podem optar por ignorar situações de potencial ilicitude.

A lacuna regulatória que operou no Brasil entre 2018 e 2023 acabou criando um ambiente propício para o crescimento vertiginoso e desordenado do mercado, agora sob forte tutela do governo federal, justamento para prevenir que as operações de apostas se tornem um veículo eficiente para a lavagem de dinheiro, especialmente quando somada à ausência de normas rigorosas de prevenção à lavagem de capitais em alguns países considerados paraísos fiscais.

No cenário brasileiro, é importante destacar que apostadores nacionais que recorrem a websites internacionais, sediados em países onde a atividade de apostas é legalizada, não incidem na conduta típica prevista no art. 50, § 2°, da lei das contravenções penais". Com isso, os ganhos provenientes de apostas esportivas realizadas nessas plataformas podem não ser considerados de origem ilícita para o apostador brasileiro.

Esses usuários têm diversas opções para efetuar depósitos em suas contas em casas de apostas virtuais estrangeiras, incluindo o uso de cartões de crédito internacionais, transações bancárias ordinárias como o pagamento de boletos bancários ou depósitos cujos beneficiários finais são pessoas jurídicas brasileiras.

Entretanto, a ausência de uma regulamentação específica e de políticas expressas de prevenção à lavagem de capitais no Brasil resulta em uma fiscalização limitada, ou quase inexistente, sobre a atuação dessas empresas.

Essa situação tem mudado com a recente regulamentação - em desenvolvimento - das apostas esportivas no país, caracterizada pelas leis 13.756/18, 14.790/23, e a portaria SPA/MF 1.143/24, que estabelecem diretrizes para o licenciamento e a operação dessas plataformas.

Fadi Georges Assy

Fadi Georges Assy

Advogado. Especialista em Direito Penal Econômico e Processo Penal.

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