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Avaliação de desempenho no serviço público: Análise jurídico-administrativa

O estudo analisa a interrelação entre avaliação de desempenho e meritocracia na Administração Pública brasileira, examinando seus fundamentos constitucionais na busca pela eficiência administrativa.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Atualizado às 13:48

A busca por uma Administração Pública eficiente, transparente e orientada para resultados tem sido um objetivo constante nas reformas administrativas brasileiras nas últimas décadas.

Nesse contexto, a implementação de sistemas de avaliação de desempenho dos servidores públicos e a valorização da meritocracia surgem como instrumentos fundamentais para modernização da máquina pública e a melhoria dos serviços prestados à sociedade.

A EC 19 de 1998 representou marco significativo nesse processo ao introduzir expressamente o princípio da eficiência no art. 37 da CF/88, bem como a previsão de avaliação periódica de desempenho dos servidores públicos estáveis. Essas inovações buscavam transformar a Administração Pública tradicionalmente burocrática em uma estrutura mais ágil, transparente e focada em resultados, promovendo o uso otimizado dos recursos públicos e a melhoria da qualidade dos serviços prestados à população. Este estudo tem como objetivo analisar os fundamentos jurídico-administrativos da avaliação de desempenho e da meritocracia no serviço público brasileiro, investigando suas potencialidades, limitações e desafios de implementação. Para tanto, propõe-se uma reflexão sobre o alcance e as implicações do princípio constitucional da eficiência, bem como sobre os mecanismos de avaliação de desempenho e sua relação com a valorização do mérito no contexto da Administração Pública.

O princípio da eficiência foi inserido expressamente no rol de princípios da Administração Pública pela EC 19/1998, que promoveu significativa reforma no aparelho estatal brasileiro. Essa reforma tinha como objetivo central transformar a Administração Pública burocrática em uma estrutura mais ágil, transparente e orientada para resultados. A inclusão desse princípio buscava responder às crescentes demandas sociais por serviços públicos de qualidade e pelo uso racional dos recursos públicos.

Segundo literatura especializada, o princípio da eficiência impõe à Administração Pública o dever de atuar com presteza, perfeição e rendimento funcional, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade. Esse princípio representa mudança paradigmática na gestão pública brasileira, que tradicionalmente priorizava aspectos formais e procedimentais da atuação administrativa em detrimento dos resultados alcançados.

Contudo, passados mais de duas décadas desde sua inserção no texto constitucional, estudos indicam que o princípio da eficiência ainda enfrenta dificuldades para se concretizar na prática administrativa cotidiana. Análises críticas apontam que a mera inclusão formal desse princípio não foi suficiente para promover uma transformação efetiva na cultura organizacional da Administração Pública brasileira. Essas dificuldades estão relacionadas, entre outros fatores, à persistência de práticas burocráticas arraigadas e à ausência de mecanismos adequados de avaliação e responsabilização dos agentes públicos.

A avaliação periódica de desempenho dos servidores públicos encontra fundamento constitucional no art. 41, §1º, III da CF/88, que a prevê como uma das hipóteses de perda do cargo pelo servidor estável. Essa previsão foi introduzida também pela EC 19/1998, como parte do conjunto de medidas destinadas a modernizar a Administração Pública e a implementar o princípio da eficiência.

O instituto da avaliação periódica de desempenho representa contraponto ao instituto da estabilidade, buscando equilibrar a necessidade de proteção do servidor contra ingerências políticas indevidas com a exigência de desempenho funcional adequado e comprometido com os objetivos institucionais.

Nesse sentido, a avaliação de desempenho surge como instrumento que visa conciliar a garantia da estabilidade com a busca pela eficiência administrativa. Do ponto de vista jurídico, a avaliação de desempenho deve observar diversos princípios constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa, a impessoalidade e a publicidade. Além disso, para que seja efetiva e legítima, é fundamental que seja realizada com base em critérios objetivos definidos em lei, obedecendo ao princípio da legalidade e minimizando subjetivismos e tendenciosidades que possam comprometer sua validade e eficácia.

Nesse sentido, há experiências interessantes com a utilização de métodos multicritério, que permitem uma análise mais abrangente e equilibrada do desempenho funcional. Essas metodologias buscam superar as limitações dos modelos tradicionais de avaliação, frequentemente criticados por seu caráter meramente formal e por não capturarem adequadamente a complexidade e as especificidades do trabalho no setor público.

A meritocracia pode ser compreendida como um sistema de gestão que valoriza e recompensa o mérito individual, baseando-se na premissa de que o reconhecimento e a progressão funcional devem estar vinculados ao desempenho e às competências demonstradas pelo servidor no exercício de suas atribuições.

No contexto do serviço público, a meritocracia representa um contraponto às práticas de favorecimento pessoal e apadrinhamento político, historicamente presentes na Administração Pública brasileira. Os fundamentos jurídicos da meritocracia no serviço público podem ser encontrados em diversos dispositivos constitucionais, como o art. 37, II, que estabelece o concurso público como forma de ingresso em cargos e empregos públicos, privilegiando o mérito e a igualdade de oportunidades; o art. 37, IV, que trata da acessibilidade aos cargos em comissão e funções de confiança; e o art. 39, §2º, que prevê a manutenção de escolas de governo para formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos. A implementação da meritocracia na Administração Pública exige a adoção de critérios claros e objetivos para mensuração do desempenho funcional, bem como o desenvolvimento de mecanismos de reconhecimento e recompensa que estimulem o comprometimento e a excelência no serviço público.

Ademais, demanda uma mudança cultural profunda, que supere as práticas clientelistas e patrimonialistas ainda presentes em muitas instituições públicas brasileiras.

A avaliação de desempenho representa uma ferramenta fundamental para implementação da meritocracia no serviço público, na medida em que fornece parâmetros objetivos para a mensuração do mérito individual e subsidia decisões relativas à gestão de pessoas, como promoções, progressões funcionais, gratificações e programas de capacitação. Sem um sistema de avaliação eficiente e confiável, a meritocracia torna-se apenas um conceito abstrato, sem aplicabilidade prática no cotidiano da Administração Pública. Para que a avaliação de desempenho cumpra efetivamente esse papel, é essencial que esteja alinhada aos objetivos estratégicos da organização e que seus critérios reflitam as competências e habilidades realmente necessárias para o alcance dos resultados institucionais esperados.

Ademais, é fundamental que o processo avaliativo seja transparente e participativo, envolvendo tanto avaliadores quanto avaliados na definição de metas e na análise dos resultados alcançados. Estudos recentes sobre experiências de avaliação de desempenho em órgãos públicos brasileiros revelam a importância de superar a visão meramente punitiva desse instrumento, frequentemente associado à possibilidade de perda do cargo, para enfatizar seu aspecto construtivo e de desenvolvimento profissional.

Nesse sentido, a avaliação deve ser compreendida não apenas como mecanismo de controle, mas também como oportunidade de aprendizagem e aprimoramento contínuo.

Diferentes metodologias têm sido desenvolvidas e aplicadas para a avaliação de desempenho no setor público, buscando superar as limitações dos modelos tradicionais e adequar-se às especificidades desse contexto.

A incorporação de novas tecnologias, inclusive a IA - inteligência artificial, representa uma fronteira promissora para o aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação de desempenho no setor público. Estudos recentes sugerem que a utilização da IA pode contribuir significativamente para aumentar a objetividade e a eficiência dos processos avaliativos, reduzindo vieses e subjetivismos. A implementação bem-sucedida da IA nos processos de gestão de pessoas pode representar uma transformação na eficiência das ações governamentais, compelindo o administrador a adotá-la diante do imperativo do princípio constitucional da eficiência.

Contudo, essa implementação deve ser conduzida de forma ética e responsável, considerando os potenciais riscos e limitações dessas tecnologias, especialmente no que se refere à privacidade e à transparência algorítmica. Além da inteligência artificial, outras inovações tecnológicas, como sistemas de gestão por competências e análise de big data, também oferecem oportunidades para o aperfeiçoamento dos processos de avaliação de desempenho e para a efetivação da meritocracia no serviço público. Essas ferramentas podem facilitar o monitoramento constante do desempenho, a identificação precoce de problemas e o direcionamento mais preciso das ações de desenvolvimento profissional.

A implementação efetiva de sistemas meritocráticos de avaliação de desempenho tem o potencial de contribuir significativamente para melhoria da eficiência administrativa e da qualidade dos serviços públicos. Ao vincular o reconhecimento e a progressão funcional ao mérito e ao desempenho, esses sistemas criam incentivos para que os servidores desenvolvam continuamente suas competências e se comprometam com os resultados institucionais.

Na área da saúde, por exemplo, estudos demonstram que a adoção de práticas meritocráticas e a avaliação sistemática do desempenho podem contribuir para o enfrentamento dos problemas de desgaste dos serviços essenciais, frequentemente associados à ingerência política e à falta de responsabilização dos gestores públicos. Esses mecanismos favorecem a profissionalização da gestão e a orientação para resultados, aspectos essenciais para a prestação de serviços públicos de qualidade.

Além disso, ao promover a valorização do mérito e do desempenho, esses sistemas tendem a atrair e reter talentos no serviço público, combatendo a percepção negativa frequentemente associada à burocracia estatal e estimulando uma cultura de excelência e comprometimento com o interesse público. Essa mudança cultural é fundamental para construção de uma Administração Pública mais eficiente e orientada para o cidadão.

As escolas de governo, previstas no art. 39, §2º da CF/88, desempenham papel estratégico na promoção da meritocracia e na efetivação do princípio da eficiência na Administração Pública. Essas instituições são responsáveis pela formação e pelo aperfeiçoamento contínuo dos servidores públicos, contribuindo para o desenvolvimento das competências necessárias ao desempenho eficiente de suas atribuições.

A integração entre os processos de avaliação de desempenho e os programas de capacitação oferecidos pelas escolas de governo permite direcionar os investimentos em formação para as áreas e competências que apresentam maior deficiência, maximizando o impacto dessas ações no desempenho individual e organizacional. Essa abordagem sistêmica é essencial para que a avaliação de desempenho não se limite a um diagnóstico, mas efetivamente contribua para o desenvolvimento profissional dos servidores e para a melhoria contínua dos serviços públicos. Além disso, as escolas de governo podem atuar como catalisadoras de uma cultura de inovação e aprendizagem contínua no setor público, estimulando a reflexão crítica sobre as práticas administrativas e a busca por soluções criativas para os desafios enfrentados pela gestão pública contemporânea. Essa cultura é fundamental para a efetivação de uma Administração Pública eficiente e adaptável às crescentes demandas sociais.

A avaliação de desempenho e a meritocracia representam instrumentos fundamentais para a efetivação do princípio constitucional da eficiência na Administração Pública brasileira. Ao promoverem a valorização do mérito e a responsabilização pelos resultados, esses mecanismos contribuem para superação das práticas patrimonialistas e clientelistas historicamente presentes na gestão pública nacional e para a construção de uma cultura organizacional mais profissional e orientada para o interesse público.

Todavia, a implementação efetiva desses instrumentos ainda enfrenta significativos desafios, relacionados tanto a aspectos culturais e institucionais quanto a limitações metodológicas e operacionais. A superação desses obstáculos demanda abordagem sistêmica e contextualizada, que considere as especificidades do setor público e promova o engajamento dos diversos atores envolvidos. Para que a avaliação de desempenho efetivamente contribua para a promoção da meritocracia e da eficiência administrativa, é fundamental que esteja baseada em critérios objetivos e transparentes, adequadamente comunicados e compreendidos por avaliadores e avaliados. Além disso, é essencial que seus resultados sejam efetivamente utilizados para orientar decisões relativas à gestão de pessoas, como promoções, capacitações e reconhecimentos, evitando que o processo avaliativo se torne um mero procedimento burocrático sem impacto real na organização.

A utilização de metodologias avançadas e inovadoras, como a avaliação multicritério e a incorporação de tecnologias como a inteligência artificial, representa uma oportunidade promissora para o aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação de desempenho e para a efetivação da meritocracia no serviço público. No entanto, essas inovações devem ser implementadas de forma ética e responsável, considerando seus potenciais impactos e limitações.  

Por fim, destaca-se a importância da integração entre os processos de avaliação de desempenho, os programas de desenvolvimento profissional e os objetivos estratégicos das organizações públicas. Essa abordagem integrada é essencial para que a avaliação de desempenho e a meritocracia efetivamente contribuam para a construção de um serviço público mais eficiente, profissional e orientado para as necessidades da sociedade brasileira.

Paulo Cosmo de Oliveira Júnior

Paulo Cosmo de Oliveira Júnior

Bacharel em Direito e Advogado, com especialização em Direito Público.

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