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O direito ao silêncio nas CPIs: Garantia constitucional ou risco estratégico

Trata-se de uma escolha delicada para a defesa, sob o ponto de vista estratégico, embora o silêncio jamais possa ser interpretado como confissão.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Atualizado às 10:28

A recente convocação da influenciadora digital Virgínia Fonseca para prestar depoimento à CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito das apostas esportivas reacendeu o debate jurídico sobre os contornos do direito ao silêncio no contexto das investigações parlamentares.

A influenciadora, que firmou contratos publicitários com plataformas de apostas, compareceu à CPI após decisão do STF, proferida pelo ministro Gilmar Mendes, que lhe garantiu o direito de permanecer calada diante de perguntas que pudessem lhe incriminar - mesmo figurando, a princípio, como testemunha e não como investigada.

Trata-se, portanto, de um entendimento já consolidado no âmbito da Suprema Corte, segundo a qual a vedação à autoincriminação se estende a qualquer pessoa, ainda que na condição formal de testemunha, desde que a resposta a determinada indagação possa levá-la a figurar como parte de um processo criminal.

Sendo assim, cria-se um desdobramento da cláusula constitucional da não autoincriminação, prevista no art. 5º, inciso LXIII, da CF/88.

No entanto, a repercussão do caso revela que, embora o direito ao silêncio esteja plenamente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, seu exercício ainda suscita controvérsias - sobretudo quando utilizado fora do âmbito clássico da persecução penal, como em CPIs.

Isso porque, ao optar por silenciar apenas diante de perguntas potencialmente incriminadoras, o depoente pode fornecer, ainda que indiretamente e de modo não intencional, pistas aos investigadores.

Essa seletividade pode funcionar, ainda, como um verdadeiro "mapa de calor", indicando quais temas são mais sensíveis, onde podem residir condutas suspeitas e, em última análise, quais caminhos devem ser aprofundados pelo investigador.

Desse modo, trata-se de uma escolha delicada para a defesa, sob o ponto de vista estratégico, embora o silêncio jamais possa ser interpretado como confissão, o cenário político das CPIs - marcadas por exposições públicas e juízos midiáticos - faz com que o exercício legítimo desse direito nem sempre seja compreendido como deveria.

Em outras palavras, o uso do silêncio, mesmo constitucionalmente amparado, pode gerar ruídos que extrapolam os limites jurídicos, repercutindo na imagem pública do depoente, no direcionamento das investigações e até mesmo na instauração de procedimentos criminais ou administrativos posteriores, para apurar as "áreas de calor" anteriormente destacadas.

Nesse contexto, é imprescindível que a atuação da defesa técnica seja pautada por cautela e estratégia, avaliando detidamente os riscos e benefícios da adoção do silêncio seletivo.

Logo, o direito ao silêncio, ainda que figura central no Estado Democrático de Direito, permanece cercado de dúvidas, conflitos e interpretações concorrentes, estando claro, após o episódio envolvendo a CPI das Bets, que tais tensões não se restringem ao processo penal, se expandindo para outras esferas investigativas, exigindo cuidado de quem atua na defesa de direitos fundamentais em ambientes de exposição pública e risco político.

Leonardo Tajaribe Jr.

VIP Leonardo Tajaribe Jr.

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM).

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