Juiz pode indeferir pedido de medidas protetivas?
Juiz deve indeferir medidas protetivas quando ausente situação de risco real no contexto de violência doméstica.
quarta-feira, 21 de maio de 2025
Atualizado às 14:48
1. Introdução
A lei Maria da Penha (lei 11.340/06) representa um marco na proteção dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Seu objetivo primordial é garantir a integridade física e psicológica da mulher, por meio de mecanismos céleres e eficazes, como as medidas protetivas de urgência. Entretanto, o uso crescente e, por vezes, desvirtuado dessas medidas exige reflexão. Ainda que se reconheça a importância da palavra da vítima e o princípio da precaução, é essencial compreender que as medidas protetivas não são direitos incondicionais ou automáticos. O juiz, como guardião do direito e promotor da Justiça, deve indeferi-las quando ausentes os pressupostos legais. A seguir, examinaremos criticamente os fundamentos que legitimam o indeferimento de tais pedidos.
2. Natureza jurídica das medidas protetivas e seus pressupostos
As medidas protetivas de urgência, previstas no art. 22 da lei Maria da Penha, são providências cautelares destinadas a resguardar a mulher em situação de risco decorrente de violência doméstica ou familiar. Entretanto, a própria lei condiciona sua concessão à existência de um contexto de violência doméstica e familiar e a uma situação atual de risco à integridade da suposta vítima.
Assim, o simples litígio conjugal ou a existência de mágoas recíprocas não se confundem com violência doméstica. Tampouco toda desavença entre casais justifica a intervenção drástica do Judiciário mediante medidas restritivas. Cabe ao magistrado verificar, com base nos elementos apresentados, se a narrativa da requerente está inserida no contexto legal exigido para a concessão das medidas.
2.1 O dever do juiz de indeferir pedidos infundados
O magistrado não só pode como deve indeferir o pedido de medidas protetivas quando ausente a configuração de violência doméstica e familiar ou quando não estiver demonstrado risco iminente à segurança da mulher. A atuação do juiz deve ser técnica e pautada pelo princípio da legalidade.
A palavra da suposta vítima, embora relevante, não tem natureza absoluta. A concessão automática das medidas, sem o devido juízo de plausibilidade e sem a mínima análise fática, pode gerar injustiças profundas e desvirtuar a finalidade da lei. Afinal, como bem alertado, medidas protetivas não são itens disponíveis em prateleiras, acessíveis indiscriminadamente.
2.2 O princípio da precaução e seus limites
O princípio da precaução justifica a concessão de medidas urgentes quando há risco de dano irreparável. No contexto da lei Maria da Penha, esse princípio embasa a concessão de medidas protetivas com base em indícios mínimos, muitas vezes sustentados apenas pela palavra da mulher autodeclarada vítima.
Contudo, mesmo à luz desse princípio, não se pode ignorar que ele deve ser compatibilizado com o dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF/1988) e com os direitos fundamentais do apontado autor do fato. A ausência de qualquer situação de risco atual torna desnecessária e até ilegal a concessão da medida. O excesso de precaução, quando desprovido de base empírica mínima, transforma-se em arbitrariedade.
2.3 O impacto desproporcional das medidas protetivas
Muitos veem as medidas protetivas como meras restrições temporárias. No entanto, a realidade é outra. Tais medidas têm impactos profundos na vida dos homens atingidos: afastamento do lar, perda de contato com filhos, restrições de circulação, proibição de posse ou porte de arma, além do desgaste psicológico e financeiro decorrente da judicialização abrupta da relação.
O caso é especialmente grave para profissionais da segurança pública, como policiais militares e civis, agentes penitenciários e guardas civis, que, ao terem o porte de arma suspenso por decisão liminar, são afastados de suas funções, sofrem cortes salariais, insegurança e marginalização funcional. O dano gerado, muitas vezes, é irreversível, ainda que posteriormente a medida seja revogada.
2.4 Medidas protetivas como desvio de finalidade
É notória, na prática forense, a utilização indevida das medidas protetivas como instrumento estratégico para obtenção de vantagens em processos paralelos, sobretudo nas varas de família. Disputas por guarda de filhos, alimentos e partilha de bens têm sido contaminadas por pedidos infundados de protetivas, cuja função legítima - proteger quem está em risco - é desvirtuada em nome de interesses particulares.
Nesses casos, o Judiciário, ao conceder medidas sem rigor técnico, contribui para a banalização da proteção e para o descrédito do sistema. É dever do magistrado coibir esses abusos, promovendo o indeferimento dos pedidos quando verificar sinais claros de desvio de finalidade ou ausência de risco.
3. Conclusão
O juiz pode e deve indeferir o pedido de medidas protetivas quando não estiverem presentes os pressupostos legais: contexto de violência doméstica e risco atual à integridade da mulher.
As medidas protetivas não são instrumentos automáticos, nem um direito potestativo da requerente. Embora o princípio da precaução justifique a atuação célere e protetiva do Estado, ele não autoriza o uso indiscriminado de restrições que afetam diretamente direitos fundamentais do homem acusado.
É preciso lembrar que o Judiciário tem dupla missão: proteger quem está vulnerável, mas também impedir que a lei seja utilizada para fins distorcidos. A banalização das medidas protetivas, além de gerar injustiças e gastos financeiros desnecessários, compromete a credibilidade do próprio sistema e enfraquece a proteção às vítimas reais.
Portanto, o indeferimento de medidas protetivas sem fundamento legal não é apenas uma faculdade do juiz - é uma exigência de justiça.


