EC 132 frente ao ICMS e ISS: Omissão estratégica ou falha legislativa?
Em movimento que desafia os objetivos de simplificação, a EC 132/23 deixa em aberto a inclusão do IBS/CBS na base de outros tributos, ressuscitando incertezas durante o período de transição.
quinta-feira, 22 de maio de 2025
Atualizado às 13:35
A reforma tributária, inaugurada pela EC 132/23, trouxe mudanças significativas no sistema de impostos sobre o consumo, com a criação do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços. No entanto, uma questão crucial permanece em debate: quanto à inclusão - ou não - do IBS e da CBS nos cálculos do ICMS e do ISS.
A ausência de uma definição clara na legislação tem gerado divergências entre especialistas, aumentando a insegurança jurídica para empresas e contribuintes. Na versão original da PEC 45/19, constavam dispositivos que vedavam expressamente a inclusão do IBS e da CBS nas bases do ICMS (art. 155, II) e do ISS (art. 156, III).
Contudo, durante a tramitação, tais dispositivos foram suprimidos do texto final aprovado, o que reabriu margem para interpretações divergentes e, mais uma vez, para a judicialização da matéria. Assim, na redação atual da EC 132/23, ao dispor que o IBS não integrará sua própria base de cálculo nem a de tributos Federais como o IPI e contribuições sociais (art. 156-A, IX), silencia quanto à sua relação com tributos estaduais e municipais.
Trata-se de uma omissão estratégica ou um lapso técnico? Em qualquer hipótese, o resultado é o mesmo: incerteza normativa e risco de cumulatividade - justamente o fenômeno que a reforma pretendeu eliminar.
Vale destacar que a própria EC 132/23 contém, em outros dispositivos, vedações explícitas quanto à inclusão de tributos na base de cálculo de outros - como se vê, por exemplo, na regra do IS - Imposto Seletivo, conforme art. 417, inciso I. A ausência de regra similar para o IBS e a CBS reforça a necessidade de interpretação restritiva. Afinal, se a intenção fosse permitir sua inclusão, essa autorização deveria constar de forma clara, considerando o impacto direto na carga tributária e na neutralidade do sistema.
Ainda, a LC 87/96, que regulamenta o ICMS, define de forma restritiva quais impostos compõem sua base de cálculo, e qualquer modificação relevante dependeria de alteração legislativa.
O PLP 108/24, ao tratar da regulamentação do IBS, também não contempla a inclusão desses tributos na base de cálculo do ICMS ou do ISS, o que pode ser interpretado como sinal de que tal hipótese não está no radar do legislador complementar - pelo menos por ora.
A tentativa de incluir o IBS e a CBS nas bases do ICMS e do ISS durante a transição comprometeria não afeta apenas a coerência da reforma, mas também sua legitimidade técnica e política.
Do ponto de vista jurídico, tal medida colide com os princípios da simplicidade, da transparência e da não cumulatividade - pilares estruturantes do novo modelo. Do ponto de vista econômico, introduz um custo adicional relevante às empresas em um período que, por si só, já impõe elevados desafios de adaptação.
A ausência de uma vedação expressa na EC 132/23 torna o ambiente propício a litígios fiscais. Empresas podem ser surpreendidas por interpretações divergentes entre entes federativos e serem compelidas a recolher tributos sobre bases alargadas, sem respaldo legal direto. Nesse contexto, a necessidade de provisões contábeis aumenta, o custo de compliance se eleva e o risco de autuações torna-se real e imediato. A promessa de simplificação cede espaço à retomada da complexidade.
Nesse cenário, ganha relevância o PLP 16/25, que propõe excluir expressamente o IBS e a CBS das bases de cálculo do IPI, ICMS e ISS. Caso aprovado, o PLP representará um passo importante para preservar os objetivos da reforma e restabelecer um mínimo de previsibilidade ao ambiente de negócios.
Entretanto, persiste a dúvida: será essa norma suficiente para pacificar a controvérsia, ou estaremos diante de mais um ponto de tensão em uma reforma que, paradoxalmente, nasceu para eliminar incertezas?
O fato é que, em um sistema tributário historicamente marcado pela litigiosidade, não se pode esperar que silêncios legislativos resolvam dúvidas interpretativas. A segurança jurídica exige respostas normativas claras, especialmente em temas que envolvem a composição da base de cálculo de tributos.
A ausência de definição objetiva quanto à (não) inclusão do IBS e da CBS na base de outros tributos é mais do que uma omissão legislativa: é um convite ao contencioso, à instabilidade e à perpetuação da complexidade que se pretendia superar.
Resta, portanto, o alerta: o sucesso da reforma dependerá não apenas do novo modelo estrutural, mas da qualidade da regulamentação que o acompanhará. E, nesse ponto, não deveria haver espaço para ambiguidade.