Uso de garagens em condomínios: Limites legais e convivência
O artigo esclarece de forma prática e técnica as principais dúvidas sobre o uso das garagens, mostrando o que diz a lei, como agir em cada caso e quais medidas podem ser tomadas pelo condomínio.
sexta-feira, 23 de maio de 2025
Atualizado às 11:14
1. Veículos de grande porte: Quando o carro não cabe na vaga
Quem tem caminhonete, SUV, van ou utilitário de grandes dimensões precisa estar atento: nem toda vaga comporta esse tipo de veículo - e forçar essa realidade pode gerar transtornos, reclamações e até penalidades.
É comum que o condômino, ao adquirir seu apartamento, não se atente ao tamanho e à posição da vaga de garagem. No entanto, essa verificação é fundamental, pois o condomínio deve respeitar as faixas de demarcação e os limites físicos do projeto aprovado, sem adaptações posteriores para acomodar veículos maiores do que o espaço permite.
Estacionar além dos limites demarcados pode atrapalhar a circulação dos demais condôminos, bloquear a abertura de portas vizinhas ou causar danos materiais. Ainda que a vaga seja de uso exclusivo, isso não dá ao condômino o direito de comprometer a segurança e a funcionalidade da garagem.
O CC (art. 1.336, IV) determina que todos devem usar suas unidades - o que inclui as vagas de garagem - sem prejudicar os demais moradores. Ou seja, o direito de uso não é absoluto.
Caso haja incompatibilidade entre o veículo e a vaga, o síndico pode - e deve - intervir administrativamente, começando por uma advertência, seguida de multa se a irregularidade persistir. Em situações mais graves, como reincidência ou risco à segurança, o condomínio pode buscar medida judicial para exigir que o morador substitua o veículo ou se adeque.
Por isso, a recomendação é clara: antes de comprar ou trocar de veículo, verifique se ele cabe adequadamente na sua vaga. E mais importante: não espere o problema virar briga de vizinhos ou caso de assembleia - prevenir sempre será a melhor solução.
2. Veículos abandonados: O impasse da inércia
O abandono de veículos nas garagens dos condomínios é uma situação mais comum - e perigosa - do que se imagina. Automóveis parados por meses ou até anos, com pneus murchos, vazamento de óleo, ferrugem exposta e acúmulo de sujeira podem transformar-se não apenas em um problema estético, mas em uma ameaça concreta à saúde pública e à segurança do ambiente condominial.
Além do risco de incêndio, infiltrações e infestação de pragas, como roedores e insetos, esses veículos abandonados frequentemente tornam-se focos de contaminação ambiental, sobretudo quando há derramamento de fluidos automotivos, o que pode, inclusive, configurar infração ambiental. Em casos extremos, já se reconheceu judicialmente que a manutenção de veículo nessas condições viola o princípio da função social da propriedade e afronta o direito coletivo à segurança e salubridade do espaço comum.
Vale lembrar que nem o titular de uma vaga privativa tem liberdade absoluta sobre o espaço. Mesmo as vagas vinculadas à matrícula do imóvel estão submetidas ao dever de uso compatível com os fins condominiais. O art. 1.336, IV, do CC impõe a todos os condôminos o dever de não prejudicar a segurança, o sossego e a salubridade dos demais.
Já nas vagas de uso coletivo (ou rotativas), a situação se agrava ainda mais: o abandono de veículo nesse tipo de vaga impede diretamente o uso por outros moradores, afetando o princípio da igualdade de acesso e violando o uso comum previsto na convenção.
O que pode ser feito?
O condomínio, representado pelo síndico, deve agir com firmeza e respaldo jurídico. O procedimento recomendado é:
- Notificação formal ao condômino, concedendo prazo razoável para retirada ou regularização do veículo;
- Aplicação de multa, nos termos da convenção e do regimento interno, em caso de descumprimento;
- Persistindo a inércia, ajuizamento de ação judicial de obrigação de fazer, com pedido liminar de remoção do veículo, especialmente se comprovado risco à coletividade ou descumprimento reiterado das normas internas.
É essencial que o condomínio documente o estado do veículo, por fotos, atas e relatos, evidenciando os prejuízos causados à coletividade. A atuação deve ser pautada pela razoabilidade, mas com firmeza, pois a omissão pode expor o condomínio a riscos evitáveis e responsabilizações futuras.
Portanto, veículo parado demais pode ser problema de menos para o dono, mas de muito para o condomínio inteiro.
3. Carro e moto na mesma vaga: É permitido ou dá problema?
A cena é comum: o morador possui um carro e uma moto e, para economizar espaço e evitar ocupar vagas de visitantes ou áreas comuns, decide colocar ambos na mesma vaga. Mas afinal: pode ou não pode?
A resposta é: depende - e deve ser analisada com atenção para evitar conflitos desnecessários ou autuações internas. Essa dúvida frequente envolve dois critérios essenciais:
Natureza da vaga:
- Se a vaga é privativa (ou seja, vinculada à matrícula da unidade no registro de imóveis), o condômino tem, em regra, o direito de utilizá-la como melhor lhe convier, desde que respeite os limites físicos da vaga e não prejudique a circulação, a segurança ou os direitos dos demais condôminos.
- Já nas vagas de uso comum ou rotativas, o espaço pertence ao condomínio, e o uso é disciplinado por regulamento interno ou por rodízio aprovado em assembleia. Nesses casos, não é permitido estacionar mais de um veículo por vaga, salvo se houver expressa autorização em convenção ou decisão coletiva formalizada.
Que dizem a convenção e o regimento interno:
- Muitas convenções preveem limitações quanto ao tipo e número de veículos por vaga, especialmente em condomínios com pouco espaço de manobra. Quando não há previsão expressa, prevalece a interpretação razoável da finalidade da vaga (estacionar veículos), desde que não haja prejuízo à coletividade nem risco à segurança.
Atenção: Mesmo em vagas privativas, o direito não é absoluto
É importante reforçar: o fato de a vaga ser privativa não significa que o condômino pode utilizá-la sem limites. Se o estacionamento de dois veículos causar obstrução da circulação, invasão de faixas de rolamento, risco de colisão ou dificuldade de acesso a outras vagas, o síndico pode intervir, aplicar advertências ou multas, com base no dever de zelar pela boa convivência e pela segurança do ambiente condominial.
Diversas decisões judiciais já reconhecem que, mesmo em vaga de uso exclusivo, o direito do condômino deve ser exercido dentro dos limites da razoabilidade e da função do espaço, sendo legítima a restrição imposta pelo condomínio em caso de uso indevido.
O bom senso é a chave!
Se a vaga comporta, com folga, um carro e uma moto sem ultrapassar os limites demarcados e sem prejudicar a manobra de outros veículos, a prática pode ser tolerada - mas, idealmente, deve haver anuência expressa na convenção ou em deliberação assemblear, para evitar futuras contestações.
4. Guarda de objetos na garagem: O que diz a lei quando não se trata de veículo
É cada vez mais comum encontrar, nas vagas de garagem dos condomínios, jet skis, caiaques, pranchas, bicicletas, móveis, eletrodomésticos e até armários - tudo, menos o que a vaga foi projetada para abrigar: um veículo automotor. Mas será que isso é permitido?
Na maioria dos condomínios, a resposta é não.
A grande maioria das convenções e regimentos internos estabelece de forma expressa que a garagem se destina exclusivamente à guarda de veículos automotores, devidamente licenciados e aptos à circulação. Essa restrição encontra respaldo no próprio Código de Trânsito Brasileiro, que define "veículo" como o meio de transporte destinado à circulação viária terrestre (art. 96, CTB). Logo, embarcações, jet skis, caiaques e objetos de lazer ou uso doméstico não se enquadram nessa definição.
Portanto, guardar esses itens na vaga - ainda que esta seja privativa e esteja vinculada à matrícula do imóvel - caracteriza uso desviado do espaço condominial, sujeito a advertência, multa e até ação judicial, caso haja resistência à desocupação.
O direito de propriedade, no condomínio, não é absoluto. O art. 1.336, inciso IV, do CC impõe ao condômino o dever de não utilizar sua unidade de forma prejudicial à segurança, salubridade e sossego dos demais. E isso se aplica integralmente à garagem.
Em casos de vagas de uso comum ou rotativas, o impedimento é ainda mais evidente, já que se trata de espaço coletivo, cujo uso deve observar igualdade, alternância e rotatividade, sendo vedada qualquer forma de apropriação ou personalização da vaga.
Caso o regimento interno não trate expressamente da questão, é possível, por decisão assemblear, deliberar sobre a autorização excepcional para guarda de determinados objetos - desde que isso não comprometa a estética, a segurança ou a circulação. Trata-se de exceção que deve ser formalizada por escrito e não pode contrariar o interesse coletivo.
Conclusão: Regras claras para convivência pacífica
A garagem, embora muitas vezes percebida como um espaço secundário, revela-se um dos principais focos de conflito na vida condominial. Seja pelo tamanho inadequado de veículos, pelo abandono prolongado, pelo uso como depósito ou pela tentativa de multiplicar sua utilidade além da prevista em convenção, o desvirtuamento de sua finalidade compromete a harmonia, a segurança e a funcionalidade do condomínio como um todo.
O que se viu ao longo deste artigo é que, embora existam particularidades em cada situação, a regra geral é clara e bastante sólida: a vaga de garagem destina-se à guarda de veículos automotores, conforme definido pelo Código de Trânsito Brasileiro e reafirmado pela maioria das convenções e regimentos internos. O uso diverso - como o armazenamento de embarcações, objetos domésticos ou itens esportivos - só é possível se houver previsão expressa ou autorização formal da coletividade, por deliberação assemblear com quórum qualificado.
Também se destacou que nem mesmo a titularidade exclusiva da vaga confere liberdade irrestrita de uso, pois o direito do condômino encontra limite no dever de respeitar os demais moradores, conforme impõe o CC. A lógica é simples: em condomínio, o interesse individual deve ceder espaço quando confrontado com o bem-estar coletivo.
Para os síndicos e administradores, o caminho mais eficaz passa por regras claras, fiscalização equilibrada, sanções proporcionais e, quando necessário, respaldo jurídico para coibir abusos. Já para os condôminos, o bom senso, a leitura atenta da convenção e o respeito ao espaço comum são os pilares de uma convivência saudável.
Em síntese, viver em condomínio é, antes de tudo, exercitar o convívio com limites compartilhados - inclusive na garagem. E quando cada um compreende o seu espaço, o conjunto inteiro funciona melhor.


