Responsabilidade da corretora de seguros em negativa de cobertura
Esse artigo analisa e demonstra casos práticos, apontando solução jurídico-processual para isentar a corretora de seguros de responsabilidade.
terça-feira, 27 de maio de 2025
Atualizado às 14:09
O presente artigo pretende trazer à lume uma questão prática enfrentada em nossos tribunais, sobre a qual diversas decisões, com espeque na contextualização dos arts. 7º, parágrafo único, 12, 14, e 25, § 1º, da lei 8.078/90 - CDC, têm condenado a empresa corretora de seguros que intermediou a venda do plano privado de assistência à saúde, solidariamente em relação à operadora de saúde fornecedora do serviço, em caso específico de não cobertura para atendimento médico.
Pois bem!
Primeiro convém conceituar e distinguir corretora de seguros e operadora de saúde.
O conceito de corretor de seguros está no artigo 1º, da Lei nº 4.594, de 29 de dezembro de 1964, e é o seguinte:
Art. 1º O corretor de seguros, seja pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros, admitidos pela legislação vigente, entre as Sociedades de Seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado. (G.N.)
Há, ainda, o conceito de corretor de seguros de vida e de capitalização, conforme o art. 1º, do decreto 56.903, de 24/9/1965, que assim preceitua:
Art 1º O Corretor de seguros de Vida e de Capitalização, anteriormente denominado Agente, quer seja pessoa física quer jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros de vida ou a colocar títulos de capitalização, admitidos pela legislação vigente, entre sociedades de seguros e capitalização e o público em geral. (G.N.)
Já a definição de operadora de saúde (abreviação de operadora de plano de assistência à saúde) está no inciso II, do art. 1º, da lei 9.656, de 3/6/1996 (lei dos planos de saúde), e é a seguinte:
Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade e, simultaneamente, das disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor;
II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo; (G.N.)
Importante frisar, apenas a título de esclarecimento, que não é necessário ser um corretor de seguros para efetuar a venda de um plano privado de assistência à saúde, o que geralmente é efetuado por qualquer pessoa (chamado "corretor livre"). Todavia, é necessário ser corretor de seguros, pessoa física ou jurídica, devidamente cadastrado junto à SUSEP - Superintendência de Seguros Privados, para apresentar a proposta de contrato de plano de saúde junto à operadora, ou seja, a contratação do plano de saúde perante a operadora de saúde só será realizada com a intermediação do corretor(a) habilitado e credenciado.
Em que pese a lei 9.656/96 não fazer qualquer menção ao profissional que intermedia a contratação do plano de saúde, referida norma quando da sua promulgação claramente institui natureza jurídica de "seguro" aos produtos previstos em seu texto (sendo desnecessário para a finalidade desse trabalho adentrar na conceituação de "plano de saúde" e "seguro saúde"), daí porque a contratação deve ser intermediada por um corretor de seguros devidamente habilitado.
Feitas as definições retro, a questão proposta é: a corretora de seguros deve responder judicialmente e ser condenada solidariamente com a operadora de saúde em casos de negativa de cobertura de serviços médicos?
Antes de respondermos à questão, compete ainda tecer breve comentário sobre a legitimidade passiva para o processo.
Com efeito, como ensina o professor Fredie Didier Junior1:
"A legitimidade para agir (ad causam petendi ou agendum) é requisito de admissibilidade que se precisa investigar no elemento subjetivo da demanda: os sujeitos. Não basta que se preencham os "pressupostos processuais" subjetivos para que aparte possa atuar regularmente em juízo. É necessário, ainda, que os sujeitos da demanda estejam em determinada situação jurídica que lhes autorize a conduzir o processo em que se discuta aquela relação jurídica de direito material deduzida em juízo." (Negritei).
Conforme a lição doutrinária, é necessário que os sujeitos da demanda estejam em determinada situação jurídica que lhes autorize a conduzir o processo em que se discuta aquela relação jurídica de direito material (...), ou seja, no caso ora analisado, o sujeito passivo demandado para responder por eventual negativa de cobertura para a realização de serviço médico, deve estar "em determinada situação jurídica" que o "autorize a conduzir o processo" em que se discuta a relação jurídica de direito material.
Reverberando os conceitos legais supra indicados, por questão de lógica se conclui que a corretora de seguros que vendeu o plano, ou seja, tão somente intermediou a contratação entre a operadora de saúde e o beneficiário do serviço, jamais poderá estar "em determinada situação jurídica que a autorize a conduzir o processo" em relação à cobertura contratual para a disponibilização da prestação de serviços de saúde, o que, naturalmente, só pode ser exigido da própria operadora de plano de assistência à saúde.
A hipótese específica avençada no presente artigo (negativa de cobertura para a utilização do plano de saúde) afasta a legitimidade da corretora de seguros, pois sua atuação se resume a intermediar a contratação, logicamente agindo com estrita observância das normas legais e regulamentares, e com total transparência na prestação das informações necessárias para que o consumidor que está adquirindo o plano de saúde não seja lesado quanto à condições contratuais, coberturas e abrangência do serviço ofertado pela operadora de saúde.
Este o ponto!
O caso não se trata de falha na prestação de serviços concernente à corretora de seguros, mas sim no que tange à própria execução do contrato após o exaurimento da sua atuação. A situação jurídica apresentada envolve apenas a operadora de saúde e o seu cliente, o consumidor beneficiário do serviço que fora negado.
Nesse azo, para demonstrar a questão sob o enfoque da jurisprudência, apresentamos os seguintes julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. RESCISÃO UNILATERAL PELA OPERADORA. MENOR DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. ABUSIVIDADE DA RESCISÃO DO CONTRATO DURANTE TRATAMENTO MÉDICO IMPRESCINDÍVEL PARA O DESENVOLVIMENTO DO SEGURADO. ART. 35-C, I E II, DA LEI 9.656/1998. TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DO RESP Nº 1 .846.123/SP E DO RESP 1.842.751/RS, (TEMA 1 .082): A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.". MANUTENÇÃO DA ASSISTÊNCIA MÉDICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA INTERMEDIÁRIA E DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE. EMPRESAS QUE INTEGRAM A MESMA CADEIA DE CONSUMO, AUFERINDO LUCROS DA PARCERIA NEGOCIAL. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, E 14, § 3º, DO CDC. DANO MORAL CARACTERIZADO. TUTELA DE URGÊNCIA QUE NÃO FOI INTEGRALMENTE CUMPRIDA . MENOR QUE NÃO PÔDE SE BENEFICIAR DE TRATAMENTO ESSENCIAL PARA O SEU DESENVOLVIMENTO E QUE AINDA SE ENCONTRA SEM RECEBER TODAS AS TERAPIAS QUE LHE FORAM PRESCRITAS. VERBA COMPENSATÓRIA ARBITRADA EM R$ 6.000,00 (SEIS MIL REAIS) QUE SE MAJORA PARA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS), EM ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE E ÀS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO . SÚMULA 343 TJRJ. PRECEDENTES DA CORTE. PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E AO RECURSO DO AUTOR. RECURSO DA PRIMEIRA RÉ A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 09480078720238190001 2024001115775, Relator.: Des(a). LUIZ ROLDAO DE FREITAS GOMES FILHO, Data de Julgamento: 27/01/2025, NONA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 2ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 29/01/2025) g.n.
A decisão retro reconheceu a responsabilidade solidária da corretora de seguros para indenizar a parte autora devido ao cancelamento unilateral do plano de saúde por parte da operadora, com suspensão dos serviços.
Já a decisão abaixo colacionada, em questão análoga, acolheu preliminar de ilegitimidade passiva "ad causam" suscitada pela corretora de seguros, em caso no qual a operadora de saúde negou a cobertura do plano para a realização de cirurgia do fígado, verbis:
APELAÇÃO - Plano de saúde - Ação de obrigação de fazer a fim de compelir a corré Porto Seguro a custear cirurgia de transplante de fígado - Sentença de parcial procedência - Inconformismo da corré Nova Affinity, que afirma ser mera intermediadora do contrato firmado entre as partes - Corretora de seguros que não atuou para o descumprimento contratual, e nem possui poder de dar cumprimento à obrigação - Ilegitimidade passiva "ad causam" que deve ser reconhecida - Sentença reformada em relação à corré. Recurso provido. (TJ-SP - Apelação Cível: 10775594120228260100 São Paulo, Relator.: Enio Zuliani, Data de Julgamento: 04/07/2024, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/07/2024) g.n.
Assim sendo, considerando a especificidade da questão proposta, temos que a segunda decisão apresentada foi acertada, uma vez que é impossível para a corretora de seguros, conforme os argumentos apresentados neste artigo, dada a sua situação jurídica, responder por serviços cuja cobertura só pode ser disponibilizada pela operadora de saúde.
Conclusão:
Em caso específico de negativa de cobertura por parte da operadora de saúde para a realização de serviços médicos abrangidos pelo plano de saúde contratado, com respeito aos entendimentos contrários, resta demonstrado que a corretora de seguros que tão somente intermediou a contratação - sem falhas concernentes à limitação da sua prestação de serviços - é parte ilegítima para responder à pretensão da parte autora da ação, seja para fins de determinar a obrigação de fazer consistente em disponibilizar a cobertura; seja para declarar a rescisão do contrato de plano de saúde, com as indenizações porventura cabíveis.
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1 Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento", volume 1, 17ª edição, Salvador: Juspodivm, 2015, p. 343.


