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Soberania nacional: Marco Rubio, Trump e a hipocrisia

É inacreditável o governo americano querer intervir na soberania do Brasil. Como se fossem salvar a democracia brasileira. Como se fôssemos sua colônia.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Atualizado às 13:33

Há uma grande hipocrisia dos EUA em se apresentar como defensores da democracia enquanto ignoram suas próprias falhas.

É inacreditável o governo americano querer intervir na soberania do Brasil. Como se fossem salvar a democracia brasileira. 

Não somos a sua colônia. Muito menos uma república de bananas!

Cumpre, em primeiro lugar, dizer que são fundamentos do Estado brasileiro:

  • Soberania
  • Cidadania
  • A dignidade da pessoa humana
  • Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
  • Pluralismo político

 Fica bem claro, então, que a soberania é fundamento do Estado.

Mas o que o Estado?

A propósito, Dalmo de Abreu Dallari1 conceitua o Estado como "a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território".

Observa-se que o grande jurista Dallari deu destaque a finalidade do Estado, vale dizer, o bem comum e ao componente jurídico do Estado, isto é, ordem jurídica soberana, sem esquecer do povo e território.

Uma coisa: se o fim do Estado não for o bem comum de todos, a reflexão de Max, estudada em Sociologia, logo no início do curso de Direito, teria razão: O Estado seria um instrumento de dominação de classe, isto é, um instrumento que é usado pela classe dominante para exercer o seu poder, proteger seus interesses e privilégios e reprimir as classes oprimidas através dos aparelhos estatais: polícia e justiça.  

O que é soberania?

Peço socorro ao mestre de todos nós, o festejado José Afonso da Silva2, que, aliás, recentemente completou 100 anos. O professor ensina que: 

"A soberania não precisa nem ser mencionada, porque ela é fundamento do próprio conceito de Estado. Soberania significa poder político supremo e independente, como observa Marcelo Caetano: supremo porque "não está limitado por nenhum outro na ordem interna", independente porque , na "ordem internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos"

Daí a observação de Alexandre de Moraes3:

"É a capacidade de editar suas próprias normas, sua ordem jurídica (a começar pela lei magna), de tal modo que qualquer regra heterônoma só possa valer nos casos e nos termos admitidos pela própria Constituição"

Por outras palavras, total independência em relação aos outros países (soberania externa), onde, é claro, ninguém mete a colher e soberania interna em face dos outros poderes. Os Estados-membros não dispõem de soberania, mas de autonomia.

Princípios de regência nas relações internacionais

Vale lembrar que, a República Federativa do Brasil, no art. 4º CF, rege-se nas suas relações internacionais, por exemplo, pelos seguintes princípios:

  • Independência nacional;
  • Autodeterminação dos povos;
  • Não-intervenção;
  • Igualdade entre os Estado.

Grave ameaça à soberania brasileira

O secretário de Estado Marco Rubio, no Congresso dos Estados Unidos, confirmou sobre a análise de sanções ao ministro do STF Alexandre Moraes, relator do processo contra a suposta trama golpista, de 8/1/23.

Ao ser perguntado pelo deputado republicano Cory Mills, Rubio falou que a aplicação de sanções está "sob análise neste momento" e que há "uma grande possibilidade de que isso aconteça".

O governo americano usa como base a lei global Magnitsky, que permite punições a autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou graves violações de direitos humanos.

Pois então. E a violação de direitos humanos na Palestina? E os horrores à população na Faixa de Gaza? 

E as imagens de crianças morrendo de fome? Rendição ou morte pela fome? Estão fazendo uma limpeza étnica. O que diz o governo Trump?

Abriram as portas do inferno...

Pois é. O curioso é que os EUA - que se intitulam campeões de democracia -, não se submetem à jurisdição do TPI - Tribunal Penal Internacional, pois não manifestou adesão ao Estatuto de Roma. O Brasil, sim.(art. 5º, LXXIX, § 4º)

Os EUA se acham donos do mundo. Tem bases militares em todas as partes. É a democracia do porrete. (democracy of the stick)

Não se trata de gostar ou não do ministro Moraes. Isso não vem ao caso. Porém, está em jogo a soberania nacional. É uma afronta ao Estado brasileiro e não só ao STF.

É inacreditável o governo americano querer intervir na soberania do Brasil. Como se fossem salvar a democracia brasileira. 

Isso é muito grave! É um desrespeito a nossa soberania! É como se o Brasil fosse a república das bananas.

Trump é um presidente autoritário

Até parece que Trump é um exemplo de democrata. É só ver os seus desmandos nos primeiros 100 dias do governo.

Trump é um presidente autoritário. Isso para falar pouco. Ameaça anexar a Groenlândia, Canadá e o Canal do Panamá.

Faz o "tarifaço" com a guerra comercial, ou seja, o velho protecionismo.

E o livre comércio? Ai, você ouve o presidente da China Xi Jinping falar em multilateralismos e livre comércio. Vai entender a geopolítica...

Mais ainda: Trump deportou ilegalmente Kilmar Abrego Garcia. Fez e faz detenção desumana aos imigrantes. Proíbe Harvard de matricular estrangeiros. 

Trata bem os poderosos das potências nucleares e às ditaduras do Oriente Médio. 

Aliás, Trump, ganhou um avião de presente do Catar, que é governado por uma família. O regime: uma ditadura monarquista.

As violações de direitos humanos no Catar são invisíveis para os EUA. Como, também, na Palestina, onde já morreram mais de 50 mil palestinos. A maioria são crianças e mulheres. 

Expansionismo americano

Peço permissão para fazer uma pausa. É a História se conectando com o Direito. Na verdade, a formação social americana foi construída com o trinômio: industrialização, protecionismo e expansionismo. Milhões de índios foram dizimados com o pretexto de levar à civilização.

Tinha a triste frase do general Philip Hery Sheridan: índio bom é índio morto. Aliás, foi copiada aqui para: bandido bom é bandido morto. 

Nos filmes de faroeste a indústria cultural americana tenta passar a ideia de que tudo era normal. Não, não é normal!

É genocídio!

Várias partes do México foram anexadas pelos EUA na mão grande: Texas, Califórnia, Novo México, Utah, Nevada e partes do Colorado, Oklahoma, Kansas e Wyoming. 

Apoio dos EUA às ditaduras latino-americanas

Os EUA, durante a Guerra Fria, apoiaram diversos regimes ditatoriais na América Latina. Inclusive, tiveram grande protagonismo no golpe de Estado, em 1964, no Brasil.

Pois é: tortura, desaparecimentos e execuções sumárias e prisões arbitrárias eram normais para os EUA; que se sempre se achavam os paladinos da liberdade e democracia.

Há perseguição de políticos pelo Judiciário?

Críticas ao STF, é claro, que são bem-vindas e, podem e devem ser feitas. Eu mesmo faço. Muitas.

Por sinal, a doutrina é para doutrinar. Não pode jamais ficar subserviente ao poder. Ela tem que criar um constrangimento epistemológico.

Quando o Judiciário erra temos que dizer: errou. Assim, também dizer: acertou. 

Agora, falar, sem provas, de que tem políticos sendo perseguidos e que existe uma ditadura no STF, é uma narrativa que não merece prosperar. 

Muito pelo contrário!

Quem está sendo perseguido é o STF. É Alexandre de Moraes. A ideia da extrema-direita é tentar enfraquecer o Supremo com objetivo de deslegitimar o julgamento da tentativa do suposto golpe de Estado, do dia 8 de janeiro.

Um cabo e um soldado

Estão lembrados da expressão "um cabo e um soldado", vale dizer, bastaria enviar "um soldado e um cabo" para fechar o Supremo Tribunal Federal?

Pergunta: fechar o Supremo está no campo democrático? Esse pensamento é típico de político candidato a ditador!                

Estão lembrados da faixa: "intervenção constitucional militar"? Ou seja, volta a ditadura.

As Forças Armadas são instituições essenciais na democracia. Mas, não são poder moderador. A Constituição não prevê isso. Essa ideia foi rejeitada pelo STF.

Violadores de direitos humanos?

Pois então. Falam, agora, em violação de direitos humanos. É uma narrativa fantasiosa. Mentirosa.

Tentam internacionalizar e politizar a questão. "Se Deus quiser, os violadores sistemáticos de direitos humanos vão ser punidos", falou Eduardo Bolsonaro. 

Pau que bate em Chico bate em Francisco...

Ah, para refrescar a memória, quem foi que disse essas frases:

"O erro da ditadura foi torturar e não matar"

"Ele merecia isso: pau-de-arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura"

"A violência só cresce no Brasil porque há uma política equivocada de direitos humanos".

"Se eu chegar lá, não vai ter dinheiro para ONG (Direitos Humanos). Esses inúteis vão ter que trabalhar"

O depoimento do ex-comandante do Exército e do ex-comandante da Aeronáutica, como testemunhas de acusação, foram firmes. Ricos em detalhes dos fatos. Formando, sim, um conjunto probatório. 

Apontam que a minuta do golpe previa a prisão de autoridades, como, por exemplo, Alexandre de Moraes e impedia a posse do presidente Lula da Silva.

Conclusão

As ameaças de Rubio, sim, violam escancaradamente a nossa soberania. É uma afronta ao Estado brasileiro e não só ao STF. 

É inacreditável o governo americano querer intervir na soberania do Brasil. Como se fossem salvar a democracia brasileira. Como se fossêmos a sua colônia.

Trump não é um exemplo de democrata. É autoritário. É só ver os seus desmandos nos primeiros 100 dias do governo.

Críticas ao STF, é claro, que são bem-vindas e, podem e devem ser feitas. Eu mesmo faço. Muitas.

Mas, só não vale mentir. Dizer que há violação de direitos humanos. É uma narrativa fantasiosa.

O fato é que depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica apontam que houve, sim, pressão para a ruptura constitucional. O que desconstrói a narrativa de violação de direitos humanos.

É gravíssima a ameaça à soberania brasileira!

__________

1 DALLARI, Dalmo de Abreu, Teoria Geral do Estado, p.44, 1998

2 DA SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.106, 2017

3 MORAES, Alexandre, Direito Constitucional, p.18, 2017

Renato Otávio da Gama Ferraz

VIP Renato Otávio da Gama Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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