Segurança jurídica e saúde: O direito à continuidade da assistência médica
A decisão judicial garantiu a continuidade do plano de saúde cancelado indevidamente, reforçando os direitos do consumidor e a obrigação das operadoras de transparência e justiça.
quinta-feira, 29 de maio de 2025
Atualizado às 13:45
A proteção à saúde é um direito fundamental assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil, consagrado no art. 6º como Direito Social e reafirmado no art. 196, que impõe ao Estado - e, por extensão, aos entes privados que prestam serviços de assistência médica - o dever de garantir o acesso universal e contínuo às ações e serviços de saúde.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Nesse contexto, as operadoras de planos de saúde estão submetidas não apenas às normas contratuais, mas também aos princípios do CDC, da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa humana.
Nesse ínterim, em caso recente, analisado pela 1ª vara da Comarca de Barra Velha/SC, restou demonstrado que o beneficiário de plano de saúde firmou termo de continuidade de assistência na condição de ex-empregado, assegurando a manutenção do vínculo contratual nos moldes do art. 30 da lei 9.656/1998.
Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
Durante vários meses, os boletos foram emitidos regularmente, o contrato foi cumprido pelas partes e os serviços prestados sem intercorrências.
Contudo, em agosto de 2023, observou-se a emissão irregular do boleto em nome da antiga empresa empregadora, fato que impediu o pagamento.
No mês seguinte, os boletos sequer foram recebidos, e o acesso ao sistema da operadora foi bloqueado, sob a justificativa de que o CPF do titular era "desconhecido".
Somente após insistentes tentativas de contato, a parte descobriu que o plano havia sido cancelado desde 6/9/23, sem qualquer aviso prévio.
O juízo da 1ª vara da Comarca de Barra Velha/SC reconheceu que tal conduta viola frontalmente os deveres de informação e transparência previstos no art. 6º, III, do CDC, além de configurar prática abusiva nos termos do art. 39, inciso V, do mesmo diploma legal.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
[...]
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
De igual modo, ressaltou-se a aplicação da súmula 608 do STJ, segundo a qual o CDC se aplica aos contratos de plano de saúde, ressalvada apenas a hipótese de autogestão, o que não era o caso.
Súmula 608. Aplica-se o CDC aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.
Entendeu-se que a operadora deu causa ao inadimplemento, ao não emitir corretamente os boletos e não os disponibilizar em canais acessíveis.
Mais grave, procedeu ao cancelamento do contrato de forma unilateral e sem qualquer notificação formal, o que contraria a jurisprudência pacífica do STJ - segundo a qual é indevido o cancelamento automático do plano de saúde sem prévia comunicação ao consumidor, ainda que por inadimplemento (AgInt no AREsp 1.832.320/SP).
O magistrado destacou ainda que a rescisão unilateral de contratos coletivos com menos de trinta beneficiários exige justificativa idônea e oferta de alternativas de migração, sob pena de nulidade do ato de cancelamento.
Tal exigência decorre do dever de proteção ao consumidor em situação de vulnerabilidade e da preservação do equilíbrio contratual.
Diante de tais fundamentos, a sentença julgou procedentes os pedidos requeridos pelo autor da ação para determinar o restabelecimento imediato do plano de saúde nos exatos moldes do contrato anterior, sob pena de multa diária.
Além disso, condenar a operadora ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, considerando o abalo psicológico e a aflição gerados pela supressão abrupta e ilegítima de acesso à assistência médica.
A decisão reafirma a função social do contrato e o compromisso do Judiciário com a proteção da dignidade do consumidor, especialmente em relações que envolvem bens jurídicos essenciais como saúde e vida.
Assim, destaca-se a necessidade de que qualquer modificação ou extinção contratual em planos de saúde seja precedida de comunicação eficaz, assegurando o contraditório e preservando os direitos do usuário.


