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Impactos da reforma do Código Civil na habilitação do casamento civil

Juiz de paz e o novo Código Civil: Modernização com inclusão.

terça-feira, 27 de maio de 2025

Atualizado às 11:51

O projeto do novo Código Civil, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, traz mudanças importantes para a forma como o Estado brasileiro lida com as relações privadas - especialmente no Direito de Família. A proposta simplifica e digitaliza procedimentos relacionados ao casamento civil, com o objetivo de torná-lo mais acessível e eficiente. Contudo, essas mudanças também suscitam preocupações legítimas, sobretudo quanto ao futuro da atuação do juiz de paz.

Entre as principais alterações está a substituição do atual processo de habilitação por um procedimento pré-nupcial simplificado. Os noivos poderão se identificar ao cartório presencial ou virtualmente, e o oficial realizará todas as verificações por meio eletrônico - como idade, estado civil e eventuais impedimentos legais. Além disso, o procedimento será gratuito, e os tradicionais proclamas de casamento deixarão de existir.

Outra mudança relevante é a maior flexibilidade na celebração do casamento: a presença de testemunhas deixa de ser obrigatória, e os noivos poderão ser representados por procuradores. Até o uso de sistemas como o Registro Nacional de Embriões passa a ser previsto para evitar uniões incestuosas. A certificação de aptidão ao casamento também terá validade de apenas 30 dias. E, num avanço inclusivo, pessoas com discernimento reduzido poderão contar com apoiadores legais no processo.

Essas alterações demonstram uma tendência clara de modernização do Direito Civil. No entanto, trazem consigo um risco: o esvaziamento da função do juiz de paz. Hoje, somos responsáveis por garantir a legalidade, a transparência e a solenidade do casamento civil. Mais do que uma mera formalidade, nossa presença representa o cuidado do Estado com a formação da família, base da sociedade.

A eliminação das testemunhas, a redução do contato presencial e a virtualização dos atos, embora tragam agilidade, podem despersonalizar o processo e afastar sua dimensão humana. Afinal, o casamento não é apenas um contrato - é também um rito social e jurídico, que deve ser conduzido com sensibilidade e responsabilidade.

Além disso, é justamente nos rincões mais distantes do país que o juiz de paz atua como elo entre o cidadão e seus direitos civis. Substituir essa função por plataformas digitais, sem garantir acesso digital universal e sem políticas públicas que valorizem o papel do juiz de paz, pode significar um retrocesso no acesso à Justiça.

A modernização do CC é bem-vinda. Mas ela precisa vir acompanhada da valorização e da capacitação dos agentes que aplicam o direito na prática - especialmente os juízes de paz, que lidam diretamente com a cidadania real do povo brasileiro. O desafio não é eliminar formalidades apenas por agilidade, mas manter o equilíbrio entre tecnologia, segurança jurídica e dignidade dos atos civis.

Que o novo CC represente não apenas um avanço legislativo, mas também um compromisso renovado com a inclusão e com a justiça acessível para todos.

Rudyard Rios

Rudyard Rios

Juiz de Paz pelo TJ/DFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Formado em Direito e Filosofia, pós em Ciência Politica, Mestrando em Direito pela UNB.

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