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RE 1.476.596: Uma nova possibilidade para a validade do turno de revezamento?

STF reafirma validade de acordos coletivos, mesmo com redução de direitos, desde que respeitados os limites constitucionais e legais.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Atualizado em 2 de junho de 2025 11:23

Com o advento da lei 13.467/17, as convenções e os acordos coletivos de trabalho ganharam prevalência sobre o legislado, especialmente quando tratarem dos temas elencados nos incisos do art. 611-A da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, o que está alinhado à disposição do art. 7º, inciso XXVI, da CFB.

Um caloroso debate se desenvolveu para compreender o potencial alcance dos instrumentos coletivos de trabalho, especialmente quanto a sua validade perante a Justiça do Trabalho. Nesse sentido, o STF, não alheio às discussões travadas, por meio do julgamento do ARE 1.121.633, em 2/6/22, reconheceu repercussão geral existente e fixou a tese do Tema 1.046, consagrando a constitucionalidade das convenções e acordos coletivos que pactuarem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas.

A discussão chegou ao STF após decisão do TST afastar a aplicação de norma coletiva que previa o fornecimento de transporte para deslocamento dos empregados ao trabalho e a supressão do pagamento das horas in itinere.

Ao analisar o caso, o ministro relator Gilmar Mendes fundamentou que há validade na convenção ou acordo coletivo de trabalho que disponha sobre a redução de direitos trabalhistas, desde que os direitos indisponíveis (assegurados constitucionalmente) não sejam violados. A partir dessa visão, firmou-se o entendimento insculpido no Tema 1.046 que considera ser possível dispor, em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ainda que de forma contrária à lei, sobre aspectos relacionados a: (i) remuneração (redutibilidade de salários, prêmios, gratificações, adicionais, férias) e (ii) jornada (compensações de jornadas de trabalho, turnos ininterruptos de revezamento, horas in itinere e jornadas superiores ao limite de 10 horas diárias, excepcionalmente nos padrões de escalas doze por trinta e seis ou semana espanhola).

Logo, a respeito das horas in itinere, o entendimento não poderia ser diferente, já que a questão se vincula diretamente ao salário e à jornada de trabalho, temáticas em relação as quais a CF autoriza a elaboração de normas coletivas de trabalho, nos exatos termos dos incisos XIII e XIV do art. 7° da CFB.

Contudo, quando o objeto da norma convencional se refere às jornadas em turnos ininterruptos de revezamento, isto é, trata da organização de escalas que permitam o revezamento dos empregados, em turnos diurnos e noturnos, aquela regra geral estipulada pelo STF tem sido, muitas vezes, minimizada e não aplicada pela Justiça do Trabalho. Neste sentido, ainda há resistência de certos TRTs e do próprio TST quanto à aplicação do Tema 1.046 por ocasião da análise da validade das cláusulas normativas que tratam dos turnos ininterruptos de revezamento, sob o fundamento de que a prestação de horas extras habituais seria uma forma de descumprimento da cláusula do instrumento coletivo celebrado.

Diante de tal entendimento, novamente tal matéria foi aduzida perante o TST, por meio do julgamento do agravo de instrumento em recurso de revista de 12111-64.2016.5.03.0028, interposto pela FCA Fiat - Fiat Chrysler Automóveis Brasil Ltda., sendo que a 1ª turma do TST negou provimento ao apelo, sob fundamento que o Tema 1.046 não poderia ser aplicado ante a habitualidade de prestação de horas extras, assim como dispõe, data venia, a ultrapassada redação da súmula 85, inciso IV, do C. TST que fora inserida em 20/6/01.

Diante da não aplicação da tese fixada no Tema 1.046, a FCA Fiat interpôs RE ao STF, no intuito de reexaminar a matéria e, ao final, obter a validação da cláusula coletiva que tratava de turno ininterrupto de revezamento, sob a fundamentação que foi dada "interpretação que limita os efeitos de cláusula convencional vigente para a categoria profissional do trabalhador", em afronta aos arts. 5º, XXXVI, e 7º, XXII, XIV e XXVI, todos da CFB.

Ao analisar a admissibilidade do recurso, o ministro vice-presidente Aloysio Corrêa da Veiga do TST entendeu por remeter o apelo ao STF como representativo da controvérsia (RE 1.476.596), no intuito de definir se a prestação de horas extras habituais seria apta de invalidar (ou não) a norma coletiva que trata dos turnos ininterruptos de revezamento. 

Após análise e julgamento de tal recurso pelo plenário, o STF publicou o acórdão, em 18/4/24, o qual determinou a devolução do processo ao TST para que este adotasse o juízo de retratação, eis que fora reconhecido que o acórdão recorrido (proferido pelo TST) divergia do entendimento fixado pelo STF, por meio no Tema 1.046.

Em suma, o ministro relator Luís Roberto Barroso entendeu que "o eventual descumprimento de cláusula de norma coletiva não é, de todo modo, fundamento para a sua invalidade" e, dessa forma, consignou em seu voto que o posicionamento adotado pela Justiça do Trabalho "não se tratou de exame de inadimplemento de cláusula, mas de anulação da negociação coletiva por suposta prevalência do legislado sobre o acordado".

Diante de tal decisão, em 15/10/24, a 1ª turma do TST proferiu acórdão em juízo de retratação, sendo o recurso de revista da FCA Fiat finalmente conhecido, por violação do art. 7º, XXVI, da CFB. E no mérito, foi conferido provimento para pronunciar a validade da norma coletiva que fixou a jornada de trabalho dos turnos ininterruptos de revezamento, excluindo da condenação as horas extras deferidas sob a premissa da invalidade da norma coletiva, ainda que haja a prestação de horas extras habituais.

E neste sentido, é possível notar na decisão algo ainda mais relevante: o acórdão foi expresso em consignar que a súmula 423 do TST, sobre a qual se pautou o fundamento do acórdão regional, deve ter sua orientação mitigada para não confrontar ao quanto exposto no Tema 1.046 da tabela de repercussão geral.

Embora o Tema 1.046 do STF já tratasse da possibilidade de disposição sobre turnos ininterruptos de revezamento por meio de negociações coletivas de trabalho, é certo que a decisão do RE 1.476.596 trouxe impactos sobre toda a prática jurisdicional trabalhista. O negociado ganha relevância e ainda mais robustez para justificar a sua legitimidade perante os tribunais, inclusive para mitigar a interpretação de verbetes sumulados desalinhados ao STF. 

A tese fixada no Tema 1.046 trouxe a validação constitucional esperada para as negociações coletivas após a inclusão do art. 611-A na CLT c/c a disposição do art. 7º, inciso XXVI, da CFB, o que não exigirá a expressa indicação de contrapartidas recíprocas em tais instrumentos coletivos de trabalho, nos termos do parágrafo 2º daquele artigo celetista. 

Por sua vez, o julgamento do RE 1.476.596 trouxe consigo a consagração de cláusulas coletivas que tratam dos turnos ininterruptos de revezamento, que já não podem mais ter a sua invalidade decretada diante da realização de horas extras habituais. A expectativa que se cria para todos os jurisdicionados, principalmente aqueles envolvidos e/ou destinatários das negociações coletivas, compreende a prevalência e ratificação do reconhecimento da validade de tais instrumentos perante as Cortes Trabalhistas, observadas as exceções previstas no art. 611-B da CLT.

Por fim, uma certeza que se consolida (e que efetivamente se espera) é que a prática jurisdicional trabalhista não será mais a mesma, especialmente quanto a aferição da validade das cláusulas de instrumentos coletivas, que deverão ser aplicadas, mas sobretudo respeitadas, sempre de acordo com os parâmetros legais estipulados pelo STF.

Giovana Brentini Zancheta

Giovana Brentini Zancheta

Advogada Trabalhista em Tozzinifreire Advogados.

Leonardo Augusto Padilha Bertanha

Leonardo Augusto Padilha Bertanha

Sócio na área Trabalhista de TozziniFreire.

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