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A investigação defensiva no Tribunal do Júri

A principal conquista da advocacia brasileira, foi a investigação defensiva pelo Conselho Federal da OAB, através de seu provimento 188, de 11 de dezembro de 2018.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Atualizado às 10:15

1. Investigação defensiva - Experiências norte-americana e italiana

No sistema jurídico vivido nos Estados Unidos da América, a gestão das provas cabe unicamente às partes e não ao Juízo.

As partes são responsáveis pela marcha processual e detêm o poder de investigar os fatos e instruir o feito, inquirindo testemunhas, produzindo provas periciais e delimitando os objetos de indagação.

Neste cenário, o Juízo, a fim de não comprometer a sua imparcialidade, mantém-se inerte em relação à atividade probatória.

Todos os elementos de prova colhidos pela defesa para fundamentar suas alegações, devem observar os mesmos requisitos processuais das provas obtidas em Juízo.

Neste Sistema, é muito comum que as partes produzam os elementos de convicção fora do Juízo e, a posteriori, realizem sua introdução nos autos, documentalmente, para a discussão da causa em julgamento.

Inexiste um rito formal previamente estabelecido para o desenvolvimento dos atos investigatórios, que ocorrem a partir das especificidades de cada caso.

A inexistência de um rito formal é característica do sistema jurídico da Common Law, constituído por um conjunto de regras e princípios jurídicos não escritos, advindos dos usos e costumes e da jurisprudência, ao contrário do sistema romano-germânico (adotado no Brasil), em que a fonte mais importante do direito é a lei.

O que há é uma divisão da persecução criminal norte-americana em três fases, sendo elas: investigatória, adjudicatória e judicial (investigatory stage, adjudicatory stage e judicial stage).

A investigatória subdivide-se em duas fases:

Na primeira, ainda não existe a oficialização de uma pessoa como suspeita, portanto, não há direito de defesa, nem tampouco prazo para encerramento de diligências (em especial prescricional) e caracteriza-se pelo completo sigilo dos atos, havendo a reunião dos dados para a determinação dos fatos e individualização de um suspeito, portanto, o foco das investigações é o fato propriamente dito.

Na segunda, ocorre a individualização do suspeito, assumindo, portanto, a forma de uma persecução penal, pois a partir do momento em que uma pessoa é indicada como suspeita pela prática de um crime, nascem os direitos de defesa, não autoincriminação, integridade, intimidade, jurisdicionalização de medidas cautelares (busca e apreensão, quebra dos sigilos das comunicações e de dados, prisões) e etc, sendo esta fase focada no suspeito.

É nesta segunda fase, que nasce a possibilidade de o advogado começar a sua atuação em investigação defensiva.

Muitas vezes, o que se vê atualmente em filmes ou até em seriados norte-americanos que retratam o dia-a-dia do Advogado, corresponde à realidade, pois tanto as promotorias como os grandes escritórios, possuem notários para o auxílio na produção de documentos pré-processuais, em especial provas orais, podendo ser acompanhados pelos advogados da parte ex-adversa e pelos Promotores.

Os meios de prova produzidos pela defesa, na investigação defensiva, podem ser utilizados na fase judicial, porém, dependem de expressa admissão pelo juiz na fase adjudicatória, ou seja, na preparação para a judicialização da causa, em que o Promotor apresenta a acusação e o juiz decide sobre sua admissão e licitude das provas apresentadas.

A investigação defensiva no Direito Norte-Americano, portanto, é plenamente admissível, por ser consequência natural do regime jurídico probatório adotado naquele país, que atribui às partes a responsabilidade e iniciativa investigatória e probatória.

A investigação defensiva, na Itália, por sua vez, denomina-se investigazioni difensive ou indagini difensive e se encontra consagrada na Constituição da República Italiana, em seus arts. 2, 24 e 111, os quais contemplam, em linhas gerais, a possibilidade de que o investigado produza provas em seu favor e que deverá dispor do tempo e das condições necessárias para concretização de sua defesa.

O CPP Italiano também consagra o direito à prova e constitui o pressuposto básico da investigação defensiva, em seu art. 190.

Para os estudiosos do Direito Processual Penal Italiano, a criação do instituto da investigação defensiva tratou-se de um importantíssimo avanço.

Explicamos: nos primórdios, o processo penal italiano possuía característica nitidamente inquisitiva, em que a produção de provas cabia ao juiz, entretanto, com o avanço do tempo e da legislação pertinente, o processo penal italiano passou a ser acusatório, em que o juiz detém menos interferência na produção de provas, que agora, fica a cargo do Ministério Público (que pertence ao Poder Judiciário Italiano) em uma fase judicial pré-processual, podendo ser delegada à Polícia Judiciária.

A investigação defensiva, na Itália, diferentemente do modelo norte-americano, pode ter início até preventivamente, ou seja, antes mesmo de instaurado qualquer procedimento criminal, bem como durante a sua tramitação, após o seu término e, inclusive, durante a execução penal, como supedâneo de uma revisão criminal.

Porém, para agir como verdadeiro investigador, o advogado precisa ter segurança de que seus direitos e prerrogativas não serão violados pelo Estado, por tal razão, a lei Processual Penal italiana conferiu as seguintes garantias ao defensor-investigador, a saber:

  • Proibição da apreensão de documentos em poder do defensor, do investigador privado autorizado (detetive) e do assistente técnico, salvo se constituírem corpo de delito (art. 103, 2, do CPP italiano);
  • Direito à emissão de atestado ao apresentar qualquer informação ao Juízo, inclusive os resultados de sua investigação, bem como de extrair cópia daquilo que depositar (art. 116, 3-bis, do CPP italiano);
  • Não obrigatoriedade, pelo defensor, investigador privado e assistente técnico, de prestar declarações como testemunhas (arts. 197, 1, "d" e 200, 1 "b", do CPP italiano);
  • Possibilidade de indicação de assistente técnico para intervir na formação da prova técnico-científica, desde que autorizado pelo Ministério Público ou pela Autoridade Judiciária (art. 233, 1-bis, do CPP italiano);
  • Vedação de inquirição de pessoas sobre as questões relativas às informações por elas prestadas em investigação defensiva (art. 362, 1, do CPP italiano).

Mas, afinal, quais são, no Direito italiano, os poderes do defensor, durante a condução de uma investigação defensiva? Ei-los:

  • Entrevistar pessoal e informalmente testemunhas (desde que não haja qualquer incompatibilidade com a condição de testemunha da pessoa a ser entrevistada), além de pedir declaração escrita destas a serem documentadas, avisando previamente o depoente sobre a qualidade e da finalidade da oitiva, da faculdade de não responder as indagações, dentre outros aspectos da declaração, além do dever de dizer a verdade, tudo conforme preconizam os arts. 197, 1, "c" e "d", 371-ter e 391-ter, do CPP Italiano;
  • Requisitar documentos à Administração Pública e deles extrair cópias às suas expensas,
  • Acesso a lugares públicos ou aberto ao público, com o fito de verificar estado de lugares e de coisas, descrevê-los e executar exames técnicos, gráficos, planimétricos, fotográficos, etc, e
  • Acesso a lugares privados ou não abertos ao público, desde que haja concordância por parte de quem tem a disponibilidade do lugar.

Frise-se, nos atos acima elencados, é vedada a participação pessoal do acusado, da vítima e de outras partes, a fim de se evitar qualquer tipo de coação.

Discute-se, ainda, a possibilidade de o defensor efetuar atos de investigação não previstos em lei, tais como reconhecimento fotográfico e a acareação, havendo divergência de entendimentos.

Como visto, na Itália, os poderes do defensor-investigador são bastante consistentes, entretanto, em algumas questões, ainda permanece dependente do Ministério Público e do Poder Judiciário, mas sua figura mostra-se de inegável importância para a efetivação de um processo penal mais justo e equilibrado.

2. Investigação defensiva no Brasil - Anteprojeto do novo CPP brasileiro e o provimento 188/18 do Conselho Federal da OAB

2.1. O anteprojeto do novo CPP brasileiro

O CPP brasileiro atual adota o Sistema Acusatório, significando que a função de acusar e julgar são separadas, em que cabe ao Poder Judiciário a missão de julgar e, ao Poder Executivo, por intermédio das Polícias Judiciárias Civil e Federal, a investigar, bem como ao Ministério Público, a promoção da ação penal.

A investigação defensiva, no tocante ao aspecto legislativo, infelizmente, até o presente momento, não teve avanços significativos, inexistindo qualquer dispositivo legal em vigência que regule tal faculdade processual.

O que existe em termos de produção legislativa sobre a temática em referência, é o anteprojeto transformado em PL do Senado 156, de 2009, de reforma do CPP brasileiro.

Em seu art. 14 é trazida de forma bastante tímida e abarca a possibilidade de o advogado realizar investigação defensiva, colhendo meios de prova, inclusive ouvindo testemunhas, no entanto, não estabelece qualquer outra normativa a respeito.

Apesar de tímido, já é um importante avanço e uma sinalização do Estado em reconhecer oficialmente um direito que há muito tempo já deveria existir e assistir ao cidadão alvo do braço forte do Estado.

Em outras palavras, possibilitando o exercício da investigação defensiva através de lei, como meio de prova alternativo e adicional à investigação oficial, o Estado também passa a reconhecer a insuficiência atual de meios para se garantir ao cidadão um devido processo penal justo somente com a investigação oficial através da Polícia Judiciária e do Ministério Público.

Infelizmente, o parco arcabouço legislativo em sede de investigação defensiva abre margem, inclusive, para violação de prerrogativas, posto que a matéria ainda não se encontra devidamente bem delineada.

2.2. - O provimento 188/18 do Conselho Federal da OAB

O provimento 188/18, do Conselho Federal da OAB, tão esperado e festejado, veio conferir ao advogado, essencial à Administração da Justiça (art. 133, da Constituição Federal), novas possibilidades de atuação em prol da tutela do cidadão brasileiro.

A investigação defensiva vem definida no art. 1º do referido provimento como sendo:

Art. 1° [.] o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.

Trata-se, portanto, de importantíssimo instituto que vem em bom momento para auxílio do advogado em atividades que antes eram exclusivas do Órgão Ministerial e Polícia Judiciária.

Com inspiração nas Indagini Difensive, a investigação defensiva brasileira se presta, a princípio, para colheita de elementos de prova em casos da esfera criminal, antes de instaurado inquérito policial, durante seu trâmite, durante a ação penal e inclusive após o seu término.

Também se prestam os elementos de prova colhidos em sede investigação criminal, a fim de instruir acordos de leniência, acordos de colaboração premiada, habeas corpus, revisão criminal e medidas cautelares.

É facultado ao defensor, no exercício deste mister, se valer do auxílio de detetives, peritos, a fim de colher provas como: depoimentos testemunhais, laudos diversos e etc.

Tal mister, entretanto, deve ser exercido de forma absolutamente discreta e sigilosa, preservando-se a intimidade dos envolvidos, não tendo o defensor a obrigação de informar às autoridades a respeito da existência de sua própria investigação, podendo tornar público tal fato, apenas e tão-somente com autorização de seu cliente.

O provimento é apto a estabelecer limites e deveres do defensor no exercício da investigação defensiva, além de prever diligências que podem ser adotadas pelo advogado e onde os resultados da investigação podem surtir seus efeitos.

Verifica-se que as disposições do provimento, evidentemente, são muito mais progressistas do que as estabelecidas no anteprojeto do CPP, tornando evidente a necessidade do aprofundamento do debate para o aperfeiçoamento do quando da positivação do instituto.

Leia o artigo na íntegra.

Charles dos Santos Cabral Rocha

VIP Charles dos Santos Cabral Rocha

Pós-Graduado em Direito Militar pela EPD, Pós-Graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS, Pós-Graduando em Direito Tributário pela PUC/RS, Professor Universitário em São Paulo.

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