Encaminhamento da vítima para abrigo e os reflexos na convivência paterna
O abrigo da vítima de violência doméstica impacta diretamente a convivência do pai com os filhos, exigindo atuação estratégica da defesa.
domingo, 15 de junho de 2025
Atualizado em 13 de junho de 2025 11:42
1. Introdução
A lei Maria da Penha (lei 11.340/06) foi criada para proteger mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Entre as medidas previstas está a possibilidade de o juiz encaminhar a suposta vítima, juntamente com seus filhos, a abrigos especializados - conforme o art. 23, I da referida lei. Embora a medida tenha como principal objetivo garantir a integridade da mulher e seus dependentes, ela também acarreta efeitos práticos complexos, especialmente sobre o direito de convivência paterna. Este ensaio propõe uma análise crítica dos reflexos dessa medida, destacando a necessidade de atuação imediata e estratégica do homem intimado das protetivas, a fim de garantir seu vínculo com os filhos sem violar as restrições impostas judicialmente.
2. O fundamento legal do encaminhamento para abrigo
O art. 23, I da Lei Maria da Penha prevê expressamente que o juiz poderá encaminhar a mulher e seus dependentes para programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, como os abrigos. Essa medida é aplicada, sobretudo, em situações nas quais o afastamento do suposto agressor do lar não é recomendável ou não é suficiente para garantir a segurança da suposta vítima. Os abrigos oferecem acolhimento temporário, proteção física, apoio psicológico, assistência social e orientação jurídica, sendo fundamentais para a reconstrução da autonomia da mulher em situação de violência.
3. Efeitos do encaminhamento ao abrigo na convivência com os filhos
Quando os filhos da vítima também são levados ao abrigo, surge um impasse jurídico: como assegurar a convivência com o pai se este não pode se aproximar da mãe? Ainda que a proibição de contato e aproximação se refira apenas à suposta vítima, a presença dos filhos no mesmo ambiente de proteção gera uma sobreposição de efeitos que, na prática, também impede o exercício do direito à convivência paterno-filial. Essa limitação é agravada pela confidencialidade do endereço do abrigo, o que impede o homem de sequer saber onde os filhos se encontram, mesmo que não haja vedação expressa ao contato com eles.
4. A impossibilidade de discutir visitas nos autos das protetivas
É comum o equívoco de se tentar resolver a questão da convivência com os filhos no próprio processo de medidas protetivas. Contudo, o juízo das protetivas atua em cognição sumária e tem como objetivo exclusivo a proteção da mulher em situação de risco. Por isso, o correto é reconhecer a incompetência material da Vara de Violência Doméstica para tratar da guarda e da visitação de crianças, atribuição que é própria das Varas de Família. Assim, o pai não deve insistir em discutir esse tema nos autos das protetivas, sob pena de ter seus pedidos ignorados ou indeferidos por inadequação da via processual.
5. Estratégia correta: Defesa imediata nas protetivas e ingresso de ação na vara de Família
O homem intimado de medidas protetivas em que a suposta vítima foi encaminhada a abrigo com os filhos deve agir rapidamente em duas frentes. Primeiramente, deve apresentar sua defesa nos autos das protetivas, contratando advogado especializado e trazendo sua versão dos fatos o quanto antes. Paralelamente, deve ingressar com uma ação autônoma de regulamentação de visitas e oferta de alimentos perante a Vara de Família. Essa ação é o meio jurídico adequado para se fixarem os parâmetros da convivência com os filhos, como locais, horários, formas de entrega e retirada das crianças, com observância das limitações impostas pelas protetivas.
6. Prevenção de descumprimento involuntário
Outro ponto crucial é a prevenção do descumprimento não intencional das medidas protetivas. Ao tentar se aproximar dos filhos sem regulamentação judicial, o pai corre o risco de ser acusado de descumprir as medidas protetivas, uma vez que os filhos estão com a mãe em local sigiloso, e o contato com os filhos no mesmo local que a mãe, poderá configurar descumprimento involuntário de medidas protetivas. Esse descumprimento, ainda que sem dolo, pode gerar graves consequências penais e civis. Por isso, o caminho judicial correto protege não apenas o direito de convivência, mas também a segurança jurídica do homem diante de uma situação complexa.
7. Conclusão
O encaminhamento da suposta vítima e seus filhos a abrigo especializado é medida legítima de proteção, mas que repercute diretamente nos direitos do pai. Para compatibilizar o necessário amparo à mulher com o exercício da paternidade, é fundamental que o homem atue de forma estratégica, respeitando os limites das protetivas e buscando a via adequada para regular sua convivência com os filhos. A atuação paralela, com defesa nas protetivas e propositura de ação autônoma na Vara de Família, é a única forma de preservar direitos fundamentais de ambos os lados, mantendo o equilíbrio entre proteção e justiça.


