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Direito reborn?

Estaríamos, afinal, diante de um novo ramo do Direito, o "Direito reborn", aquele cujo objeto de estudo é atinente aos bonecos "reborn", seus proprietários e a relação destes com a sociedade em geral?

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Atualizado às 10:38

O termo "reborn" significa "renascido", sendo utilizado para designar a atividade da criação de bonecos hiper-realistas, com o objetivo de imitar a feição de um bebê humano real.

Trocando em miúdos, trata-se de um boneco, um brinquedo, um simples bem móvel.

O que tem gerado discussão na seara jurídica e acadêmica, é a possibilidade ou não, em certos contextos, da titularidade de direitos por parte do boneco reborn, como se humano fosse e seu detentor ou possuídor.

Há relatos de pessoas que levam seus bonecos a hospitais, a escolas, inclusive, pessoas pleiteando direitos, por exemplo, decorrentes da "paternidade" e da "maternidade" de bonecos "reborn".

Este comportamento revela-se aceitável, juridicamente falando?

Antes de adentrar no aspecto jurídico da questão, é mister explicar o papel social que vem assumindo o boneco "reborn".

Muitas pessoas, principalmente mulheres, que atravessam o luto, traumas ou solidão, têm encontrado nos bonecos "reborn", um verdadeiro suporte emocional para enfrentar situações desafiadoras que a vida lhes apresenta, sendo orientação do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, a cautela que o profissional de psicologia deve ter ao prescrever ou atender quem realiza terapia utilizando-se de bonecos "reborn", a respeito de aspectos clínicos, éticos e socioculturais envolvidos.

É papel do Estado garantir a dignidade humana, conferindo a possibilidade de alguém com um quadro patológico de natureza psíquica realizar tratamentos utilizando-se de toda a tecnologia disponível no mercado.

Todavia, o movimento que se nota na atualidade por parte dos detentores de um boneco em forma de bebê, nos revela que em questão de um curto espaço de tempo, evoluirá para bonecos humanos com silhueta adulta com características realísticas e utilizado para toda e qualquer finalidade, inclusive recreativa.

Louva-se a utilização de tal bem, com a finalidade precípua de tratamento e cura de patologias de fundo emocional.

Por outro lado, revela-se reprovável a figura de proprietários de tais bonecos, que vêm tentando se ver como titulares de direitos atinentes a "humanos reais" através da propriedade dos bonecos.

Não, não estamos diante de um novo ramo do Direito, mas sim, em alguns casos (não todos), de mero oportunismo, uma verdadeira imoralidade, por outro lado, podemos estar diante de alguém adoecido pelas mazelas da vida e que não encontrou outra alternativa para agarrar-se ao "estar vivo", senão com a utilização deste boneco e a partir de então, encontrar algum sentido para sua existência.

Noutra toada, embora possamos visualizar a utilização correta e moralmente aceitável de tais bonecos, temos visto a utilização indevida de assentos preferenciais em transporte público, vagas de estacionamento preferenciais em estabelecimentos privados ou de repartições públicas, lugares em filas preferenciais, acionamento do Poder Judiciário para perseguir benefícios legais, busca de atendimento em hospitais e em postos de saúde, busca por vagas em creches e escolas, havendo aqueles que inclusive já realizaram material pornográfico com tais figuras com a finalidade de auferir lucro ou satisfazer a própria lascívia.

Ora, apenas e tão somente seres humanos podem ser titulares de direitos e representantes legais de outros seres humanos que pessoalmente não possam exercê-los por alguma limitação de qualquer natureza.

O boneco "reborn", em que pese tenha aparência similar a um ser humano, não possui personalidade jurídica, portanto, não podendo ser titular de direito algum, muito menos seu proprietário, que pode, apenas e tão somente, ter o direito de possuí-lo ou cedê-lo de forma gratuita ou onerosa, temporariamente ou definitivamente.

Trata-se, ademais, de coisa alheia móvel que não confere ao seu detentor qualquer benesse legal.

Diante do acima exposto, a sociedade brasileira não carece de normatização sobre a temática "reborn", mas sim, de informação, a fim de se conhecer qual a verdadeira finalidade destes bonecos e qual o modo correto de sua utilização e os riscos e as penalidades por parte de quem deles realizar um uso indevido.

Como visto, a detenção de um boneco com características humanas, se não for devidamente conduzida de forma saudável, através de profissionais habilitados, pode cair em cenários tenebrosos. oportunistas e pervertidos.

Em tempo, o proprietário de um "reborn" somente merece ser punido se se verificar condutas definidas em lei como violação ao nosso pacto social, independentemente de sua natureza (cível, criminal, administrativa e etc), assegurada ampla defesa.

Por fim, muito embora entenda-se não estarmos diante de um novo ramo das ciencias jurídicas, entendemos que o proprietário do bem que exerça a sua posse de forma responsável, não deve ser "demonizado" pela sociedade em razão da escolha de possuir um boneco hiper-realista, devendo, no entanto, encontrar o devido e necessário acolhimento que em algum momento de sua vida, o Ser humano não foi capaz de proporcionar, motivando-se a busca por um boneco.

Charles dos Santos Cabral Rocha

VIP Charles dos Santos Cabral Rocha

Pós-Graduado em Direito Militar pela EPD, Pós-Graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS, Pós-Graduando em Direito Tributário pela PUC/RS, Professor Universitário em São Paulo.

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