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Prescrição intercorrente: Norma clara, prática judicial imprecisa

O artigo analisa a aplicação da prescrição intercorrente na execução civil e critica a resistência judicial em adotar o novo regime do art. 921 do CPC após a lei 14.195/21.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Atualizado às 10:23

A prescrição intercorrente na execução civil ganhou contornos mais definidos com a promulgação da lei 14.195/21, que alterou o art. 921 do CPC e incluiu, entre outros dispositivos, a possibilidade da contagem do prazo prescricional quando verificada a ausência de bens penhoráveis e de atos úteis à efetivação da execução. A alteração tem por objetivo conferir maior previsibilidade e efetividade ao procedimento executivo, impondo limites temporais à estagnação do processo.

A prescrição, como regra geral no ordenamento jurídico brasileiro, constitui limite temporal ao exercício de pretensões, sendo a imprescritibilidade a exceção. Embora o texto legal seja claro, sua aplicação prática ainda enfrenta entraves significativos. A dificuldade de assimilação do novo regime, por parte de diversos órgãos jurisdicionais, tem gerado insegurança jurídica e mantido execuções paralisadas por longos períodos, mesmo após transcorrido o prazo prescricional. A ausência de movimentação útil à execução e a inexistência de bens localizáveis não têm conduzido, como seria de se esperar, à extinção da execução pela prescrição intercorrente, conforme prevê a nova lei.

O art. 921 do CPC deve ser interpretado como um mecanismo de controle da duração da execução, vinculando o início da contagem do prazo prescricional à verificação de inatividade útil. Quando houver crise com a falta de atos efetivos que impulsionem a execução, a contagem deve se iniciar, de acordo com o regime aplicável à obrigação.

Na execução civil, diferentemente da execução fiscal, não há uma padronização do prazo prescricional, pois este varia conforme a natureza da obrigação executada, sendo regido pelos arts. 205 e 206 do CC. Isso impõe uma análise material da pretensão, mas não impede que a fluência da prescrição intercorrente siga o marco processual previsto no art. 921. A dificuldade, portanto, não está em identificar o prazo aplicável à prescrição, mas sim na compreensão adequada da dinâmica entre o impulso processual e o início da contagem do prazo intercorrente.

A ausência de uma cultura jurisdicional consolidada sobre a prescrição intercorrente no âmbito da execução civil contribui para esse cenário de incerteza, reforçado pela escassez de precedentes que enfrentem a matéria com o devido rigor técnico.

Embora não se possa generalizar, observa-se que muitos magistrados ainda não se familiarizaram com as alterações promovidas pela lei 14.195/21. Essa defasagem compromete a efetividade da norma e enfraquece a uniformidade interpretativa necessária ao bom funcionamento do sistema executivo. A dificuldade não reside na má-fé ou descaso, mas na ausência de uma leitura sistemática da reforma, que integre os dispositivos processuais ao modelo civilista da prescrição e ao direito fundamental ao devido processo legal.

A prática que mantém execuções inertes por tempo indefinido, sem qualquer controle judicial da paralisação, compromete não só o direito do executado de ver encerrado o processo no tempo adequado, como também fere o próprio espírito da reforma legislativa. A prescrição intercorrente é, por definição, um instrumento de equilíbrio entre a efetividade da tutela jurisdicional e a estabilidade das relações jurídicas.

A correta aplicação da prescrição intercorrente exige compromisso com a racionalidade processual e com os valores constitucionais do processo justo e eficiente. A perpetuação do litígio, baseada em uma leitura equivocada ou desatualizada da norma, prejudica o jurisdicionado e desvirtua a função garantista da execução. Cabe ao Judiciário, portanto, aprimorar sua leitura da nova sistemática, adotando interpretações que respeitem o texto legal e assegurem a previsibilidade do encerramento da execução.

É fundamental que a doutrina e a jurisprudência se debrucem sobre o novo regime de forma sistemática e técnica, permitindo a construção de uma aplicação uniforme que valorize o equilíbrio entre as partes e a celeridade processual. A modernização legislativa exige também uma atualização interpretativa, sob pena de se esvaziar a eficácia da reforma e se manter um modelo que, ao invés de efetivar a tutela executiva, perpetua sua inefetividade.

A execução civil carece de parâmetros objetivos e de aplicação técnica qualificada da prescrição intercorrente. A resistência em adotar o regime instituído pela lei 14.195/21, demonstra que o processo executivo, muitas vezes, ainda se movimenta por inércia estrutural e não por impulso legal. Revisitar essas práticas é essencial para garantir o cumprimento da promessa constitucional de um processo eficiente, proporcional e justo.

Daniela Poli Vlavianos

VIP Daniela Poli Vlavianos

Advogada civilista com 20 anos de experiência. Pós-graduada em Execução. Atuação em execução cível e proteção patrimonial. Atualmente, integra a equipe do escritório Arman Advocacia

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