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Tema 1.079/STJ: Inconstitucionalidade do "pronunciamento favorável"

Análise da inconstitucionalidade do critério "pronunciamento favorável" no Tema 1.079/STJ, que viola isonomia tributária e segurança jurídica, criticando o STF por não enfrentar o mérito da questão.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Atualizado às 13:34

Introdução

O instituto da modulação de efeitos das decisões judiciais representa um dos mais sensíveis mecanismos de calibração entre segurança jurídica e evolução interpretativa no ordenamento jurídico brasileiro. No âmbito tributário, sua aplicação adquire contornos ainda mais delicados, considerando os impactos econômicos, concorrenciais e orçamentários envolvidos.

Nesse contexto, o julgamento do Tema Repetitivo 1.079 pelo STJ inaugura um capítulo controverso na jurisprudência tributária nacional. Ao apreciar a questão da limitação da base de cálculo das contribuições destinadas ao Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac), a 1ª Seção do STJ não apenas consolidou entendimento desfavorável aos contribuintes, mas também estabeleceu critérios de modulação que suscitam questionamentos de ordem constitucional.

No âmbito dos recursos especiais 1.898.532/CE e 1.905.870/PR, o STJ fixou a tese de que "a partir da vigência do art. 1º, §1º, do decreto-lei 2.318/1986, as contribuições destinadas ao Sesi, ao Senai, ao Sesc e ao Senac não se sujeitam ao limite de vinte salários-mínimos". Contudo, ao modular os efeitos dessa decisão, a Corte estabeleceu requisitos cumulativos para a aplicação retroativa do entendimento:

1. Ter ajuizado ação judicial ou protocolado pedido administrativo até 25/10/23 (data de início do julgamento); e

2. Possuir pronunciamento judicial ou administrativo favorável à tese da limitação antes da publicação do acórdão (2/5/24).

Este artigo propõe-se a analisar criticamente o segundo requisito - a exigência de um "pronunciamento favorável" - sob a ótica constitucional, demonstrando como tal critério, ao criar distinções entre contribuintes em situações fáticas idênticas, viola princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, notadamente a isonomia tributária, a capacidade contributiva, a livre iniciativa, a livre concorrência e a segurança jurídica.

A modulação de efeitos no sistema jurídico brasileiro

A modulação de efeitos encontra fundamento normativo no art. 27 da lei 9.868/1999 (aplicável originalmente ao controle concentrado de constitucionalidade) e no art. 927, §3º, do CPC de 2015 (que estendeu a possibilidade aos precedentes vinculantes).

O instituto foi concebido para preservar a segurança jurídica e o interesse social em situações excepcionais, nas quais a aplicação retroativa de uma nova interpretação judicial poderia gerar consequências desproporcionais ou sistêmicas. A modulação visa a evitar que as decisões dos Tribunais Superiores, ao alterarem entendimentos consolidados, criem vácuos no ordenamento jurídico, gerando incerteza ou mesmo caos jurídico-tributário.

A doutrina e a jurisprudência têm consolidado que a modulação de efeitos deve observar critérios objetivos e constitucionalmente adequados, evitando distinções arbitrárias entre jurisdicionados.

O STF, ao aplicar a modulação em matéria tributária, tem tradicionalmente adotado marcos temporais objetivos, como a data do julgamento ou da publicação do acórdão. Todavia, jamais estabeleceu distinções baseadas em fatores aleatórios (e subjetivos), como a existência de decisões favoráveis em instâncias inferiores (conforme demonstram os precedentes RE 574.706/PR - exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins; e RE 593.849/MG - restituição do ICMS-ST).

Tema 1.079 do STJ: análise crítica da decisão e sua modulação

Para compreender adequadamente a controvérsia, é necessário contextualizar a evolução jurisprudencial sobre a limitação da base de cálculo das contribuições ao Sistema S.

Durante anos, o STJ manteve entendimento favorável à tese dos contribuintes, reconhecendo a aplicabilidade do limite de 20 salários mínimos previsto no art. 4º da lei 6.950/1981. Esta orientação estava consolidada em diversos julgados, exemplificativamente: REsp 1.439.511/SC, AgInt no REsp 1.241.362/SC, AgInt no REsp 1.570.980/SP e AgInt no REsp 1.825.326/SC.

A alteração jurisprudencial ocorreu de forma abrupta e a modulação estabelecida pelo STJ no Tema 1079 adotou dois critérios cumulativos (antes mencionados):

  • Critério temporal: ajuizamento de ação ou protocolo de pedido administrativo até 25/10/23.
  • Critério material: existência de pronunciamento judicial ou administrativo favorável à tese da limitação antes da publicação do acórdão (2/5/24).

Enquanto o primeiro critério mostra-se objetivo e razoável, alinhando-se à prática consolidada especialmente no STF, o segundo critério introduz um elemento de aleatoriedade e discriminação incompatível com os princípios constitucionais que regem o sistema tributário nacional.

Violação ao princípio da isonomia tributária (art. 5º, caput e art. 150, II, da CF/88)

O princípio da isonomia tributária, expressamente previsto no art. 150, II, da Constituição Federal, veda o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Este princípio constitui desdobramento específico do princípio geral da igualdade (art. 5º, caput) e representa um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

No caso da modulação do Tema 1079, a exigência de um "pronunciamento favorável" cria uma discriminação arbitrária entre contribuintes que se encontram em idêntica situação fática e jurídica. Dois contribuintes que ajuizaram ações idênticas, no mesmo dia, com os mesmos fundamentos, podem receber tratamentos tributários radicalmente distintos em função de fatores alheios ao mérito da questão, como:

  • A distribuição aleatória do processo para diferentes juízos;
  • A celeridade processual de cada vara ou tribunal;
  • As diferentes interpretações adotadas por magistrados de primeira instância;
  • A concessão ou não de tutelas provisórias.

Exemplo: Duas empresas do setor industrial, com faturamento e número de funcionários semelhantes, ajuizaram ações idênticas em 15/01/2023, questionando a limitação da base de cálculo das contribuições ao Sistema S. A empresa "A" teve seu processo distribuído para a Xª Vara Federal, onde obteve liminar favorável em fevereiro/2023. A empresa "B", por sua vez, teve seu processo distribuído para a Yª Vara Federal, onde o juiz, adotando interpretação diversa, indeferiu o pedido liminar. Pela modulação estabelecida no Tema 1079, apenas a empresa "A" teria direito à restituição dos valores pagos indevidamente, enquanto a empresa "B", em idêntica situação fática e jurídica, seria privada desse direito.

Esta distinção (arbitrária) viola frontalmente o princípio da isonomia tributária, criando uma discriminação injustificável entre contribuintes que se encontram na mesma situação. Afinal, o princípio republicano em análise exige que a lei tributária trate de modo uniforme os contribuintes que se encontrem em situações equivalentes.

Violação ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF/88)

O princípio da capacidade contributiva, consagrado no art. 145, §1º, da Constituição Federal, determina que os tributos sejam graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Este princípio visa assegurar que a carga tributária seja distribuída de forma justa e equitativa, considerando a real capacidade de cada contribuinte para suportar o ônus fiscal.

A modulação estabelecida pelo STJ, ao condicionar o direito à restituição à existência de um "pronunciamento favorável", desconsidera por completo a capacidade contributiva dos contribuintes. Empresas com idêntica capacidade econômica podem estar sujeitas a cargas tributárias substancialmente diferentes, não em função de sua capacidade de contribuir para o financiamento do Estado, mas em razão de fatores processuais aleatórios.

Exemplo: Uma empresa de médio porte do setor de serviços, com recursos limitados para investir em assessoria jurídica especializada, ajuizou ação questionando a limitação da base de cálculo das contribuições ao Sistema S em março/2023, mas não obteve decisão liminar favorável. Uma grande corporação do mesmo setor, com robusta estrutura jurídica e maior poder econômico, ajuizou ação idêntica no mesmo período e obteve tutela provisória favorável. Pela modulação do Tema 1079, a grande corporação terá direito à restituição dos valores pagos indevidamente, enquanto a empresa de médio porte, com menor capacidade contributiva, será obrigada a arcar com a totalidade da carga tributária.

Esta situação representa uma inversão completa da lógica do princípio da capacidade contributiva, beneficiando os contribuintes com maior poder econômico, que possuem melhores condições de obter decisões favoráveis em instâncias inferiores.

Violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (art. 170, caput e IV da CF/88)

Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, consagrados no art. 170 da Constituição Federal, são pilares fundamentais da ordem econômica brasileira. Estes princípios visam assegurar a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica e a competição justa e equilibrada no mercado.

A modulação estabelecida pelo STJ, ao criar tratamentos tributários distintos para empresas concorrentes, introduz uma distorção artificial no mercado, comprometendo a livre concorrência. Empresas que obtiveram decisões favoráveis terão uma vantagem competitiva significativa em relação às suas concorrentes que, embora tenham questionado a mesma exação tributária no mesmo período, não lograram obter pronunciamentos favoráveis.

Exemplo: Duas empresas concorrentes no setor de tecnologia ajuizaram ações questionando a limitação da base de cálculo das contribuições ao Sistema S em janeiro/2023. A empresa "A" obteve liminar favorável, enquanto a empresa "B" teve seu pedido indeferido. Como resultado da modulação do Tema 1079, a empresa "A" terá direito à restituição dos valores pagos indevidamente, reduzindo significativamente seus custos operacionais. Esta vantagem tributária artificial permitirá que a empresa "B" pratique preços mais competitivos, aumente seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento, ou amplie sua margem de lucro, criando uma distorção concorrencial não baseada em eficiência operacional ou mérito empresarial, mas em fatores processuais aleatórios.

Esta situação viola frontalmente os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, criando barreiras artificiais à competição justa e equilibrada no mercado.

Violação ao princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI da CF/88)

O princípio da segurança jurídica, implícito no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal (que protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada), é um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito. Este princípio visa assegurar a estabilidade, a previsibilidade e a confiabilidade do ordenamento jurídico, permitindo que os cidadãos e as empresas possam planejar suas atividades com base nas normas vigentes e na interpretação consolidada dessas normas pelos tribunais.

Paradoxalmente, a modulação de efeitos, instrumento concebido para preservar a segurança jurídica em situações excepcionais, acaba por comprometê-la no caso do Tema 1079. Ao estabelecer o critério do "pronunciamento favorável", o STJ frustra a legítima expectativa dos contribuintes que, confiando na jurisprudência consolidada da própria Corte, ajuizaram ações questionando a limitação da base de cálculo das contribuições ao Sistema S.

Exemplo: Uma empresa do setor de comércio, baseando-se na jurisprudência consolidada do STJ, ajuizou ação em fevereiro/2023 questionando a limitação da base de cálculo das contribuições ao Sistema S. Embora tenha agido tempestivamente, confiando na orientação jurisprudencial vigente, a empresa não obteve decisão liminar favorável devido à sobrecarga do juízo ou à adoção de entendimento divergente pelo magistrado. Com a modulação estabelecida no Tema 1079, esta empresa vê frustrada sua legítima expectativa, sendo privada do direito à restituição dos valores pagos indevidamente, apesar de ter agido em conformidade com a jurisprudência dominante à época.

Esta situação compromete gravemente a segurança jurídica, minando a confiança dos jurisdicionados no Poder Judiciário e criando um ambiente de incerteza e imprevisibilidade. Ora, é consabido que o princípio em questão tem por finalidade preservar a confiança nos atos do Estado, inclusive e especialmente aqueles de natureza interpretativa.

Desdobramentos processuais - Embargos de divergência pela PGFN (EREsp 1905870/PR)

A PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em movimento estratégico, opôs Embargos de Divergência contra o acórdão do Tema 1079, sustentando a inexistência de jurisprudência dominante que pudesse justificar a modulação de efeitos em benefício dos contribuintes.

Todavia, este recurso foi liminarmente indeferido pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Presidente da Corte Especial do STJ, que não identificou divergência jurisprudencial entre o acórdão embargado e os precedentes invocados pela Fazenda Nacional.

Paralelamente, aguarda-se o julgamento do RE interposto nos próprios autos do leading case, o qual representará punctum pressionis para que o STF se manifeste sobre a constitucionalidade do controverso critério adotado na modulação do Tema 1079.

Recurso extraordinário pelos contribuintes: Perspectivas no STF

É evidente que as flagrantes inconstitucionalidades do critério do "pronunciamento favorável" adotado pelo STJ, acima resumidamente evidenciadas, motivaram os contribuintes a manejarem seus recursos ao STF com fundamento no art. 102, III, "a", da Constituição Federal. Tais recursos extraordinários encontram sustentação, essencialmente, na violação direta a princípios constitucionais estruturantes do sistema tributário nacional: a isonomia tributária (art. 150, II), a capacidade contributiva (art. 145, §1º), a livre iniciativa e livre concorrência (art. 170, caput e IV), além da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI).

Não por outras razões, portanto, e antes mesmo da interposição do Recurso Extraordinário nos próprios autos do leading case, o STF foi provocado a se debruçar sobre o critério do "pronunciamento favorável".

Contudo, as decisões da Suprema Corte têm revelado um cenário preocupante. Contribuintes que buscaram a tutela constitucional contra a modulação discriminatória do Tema 1079 têm encontrado uma barreira processual significativa: o não conhecimento de seus recursos extraordinários, sob o fundamento de que se trataria de violação indireta às normas constitucionais, conforme evidenciado nos precedentes ARE 1.537.782/SC, ARE 1.533.896/SP e ARE 1.533.656/PR

Esta postura é particularmente desconcertante quando se evidencia que o objeto de controle é precisamente a modulação estabelecida pelo STJ e os parâmetros invocados são, em sua maioria, os princípios constitucionais da isonomia, capacidade contributiva, livre concorrência e segurança jurídica. Mesmo diante de Agravos Internos (ARE 1.537.782/SC, ARE 1.533.896/SP e ARE 1533656/PR) que reforçam a natureza constitucional da controvérsia, o STF tem se mantido irredutível, não reconhecendo o que parece evidente: a inconstitucionalidade do critério discriminatório adotado na modulação.

Conclusão

A análise constitucional do critério do "pronunciamento favorável" adotado pelo STJ na modulação de efeitos do Tema 1079 revela incompatibilidades estruturais com princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro. A exigência cumulativa deste requisito para a aplicação retroativa do entendimento consolidado viola, de forma direta e imediata, os princípios constitucionais da isonomia tributária (art. 150, II, CF), da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF), da livre iniciativa e livre concorrência (art. 170, caput e IV, CF), além da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF).

O tratamento discriminatório entre contribuintes que se encontram em idêntica situação fática e jurídica, diferenciados apenas por circunstâncias processuais aleatórias, representa uma ruptura com a lógica constitucional tributária e concorrencial, criando distorções artificiais no mercado e comprometendo a confiabilidade do sistema jurídico.

Paradoxalmente, o STF, em decisões recentes (ARE 1.537.782/SC, ARE 1.533.896/SP e ARE 1.533.656/PR), tem adotado postura processual refratária ao enfrentamento do mérito constitucional da questão, inadmitindo recursos extraordinários sob o fundamento de que a violação constitucional seria meramente reflexa ou indireta. Esta jurisprudência defensiva persiste mesmo quando os agravos internos (ARE 1.537.782/SC, ARE 1.533.896/SP e ARE 1.533.656/PR) demonstram claramente que o objeto de controle é precisamente o critério de modulação e os parâmetros invocados são inequívoca e diretamente constitucionais.

Tal posicionamento do STF suscita questionamentos sobre a efetividade do controle de constitucionalidade em matéria de modulação de efeitos, especialmente quando esta provém de decisões do STJ. A aparente deferência institucional não pode sobrepor-se à missão constitucional do STF como guardião último da Constituição Federal, especialmente quando estão em jogo princípios estruturantes do sistema tributário nacional.

O cenário atual impõe aos contribuintes e à comunidade jurídica o desafio de persistir na busca pela análise substantiva da questão pelo Supremo, demonstrando que a inconstitucionalidade do critério do "pronunciamento favorável" não representa mera divergência interpretativa, mas verdadeira ruptura com o núcleo essencial de princípios constitucionais que regem as relações tributárias no Estado Democrático de Direito brasileiro.

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ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019.

DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2009.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

Jose Marcello Monteiro Gurgel

VIP Jose Marcello Monteiro Gurgel

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sócio do Marins Bertoldi Advogados.

Guilherme Félix

Guilherme Félix

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná. Estagiário no Marins Bertoldi Advogados.

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