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O papel das prerrogativas para a advocacia plena

O artigo analisa as prerrogativas dos advogados segundo a CF/88 e o Estatuto da Advocacia, tratando-as como garantias essenciais ao exercício ético, pleno e independente da advocacia.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Atualizado às 13:28

1. Fundamentos constitucionais das prerrogativas da advocacia

A advocacia ocupa posição de destaque na ordem constitucional brasileira, sendo reconhecida como função essencial à administração da justiça, nos termos do art. 133 da Constituição Federal de 1988. Esse dispositivo dispõe que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

Tal enunciado inaugura o regime jurídico das prerrogativas profissionais, compreendidas como garantias objetivas destinadas à preservação da liberdade, independência e responsabilidade no desempenho da função advocatícia.

Essas prerrogativas não têm natureza de privilégios pessoais ou corporativistas, mas representam instrumentos fundamentais à realização da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Sua violação, portanto, atinge não apenas o profissional da advocacia, mas compromete a própria integridade do sistema de justiça e o equilíbrio entre as funções estatais.

A interpretação doutrinária e jurisprudencial do art. 133 deixa claro que a inviolabilidade do advogado está condicionada ao exercício legítimo da atividade e deve ser compatível com os princípios éticos e legais que regem a profissão. Trata-se de um manto protetivo que garante a regularidade do processo jurisdicional e a própria efetividade da democracia constitucional.

2. As prerrogativas profissionais segundo o estatuto da OAB

O Estatuto da Advocacia e da OAB (lei 8.906/1994) dispõe, em seu art. 7º, sobre as principais prerrogativas do advogado. Dentre elas, destacam-se:

  • A inviolabilidade do local de trabalho e de suas comunicações (art. 7º, II);
  • O direito de comunicar-se com o cliente preso, mesmo sem procuração (art. 7º, III);
  • A presença de representante da OAB em caso de prisão em flagrante (art. 7º, IV);
  • O ingresso livre em repartições públicas, mesmo fora do expediente (art. 7º, VI);
  • A imunidade por manifestações no exercício da profissão (art. 7º, §2º);
  • O direito de examinar autos, inclusive sem procuração, exceto nos casos sigilosos (art. 7º, XIII e XV).

Essas prerrogativas constituem verdadeiras garantias institucionais voltadas à proteção da atuação independente do advogado, considerando sua função pública de tutela de direitos perante o Estado. Ademais, o desrespeito a essas garantias compromete a credibilidade das instituições e vulnera os fundamentos do próprio Estado de Direito.

Nesse contexto, o professor e advogado Paulo Machado, em sua obra "Dez em Ética", adverte que, embora o Estatuto utilize as expressões "direitos" e "prerrogativas" como sinônimos, é necessário estabelecer um esclarecimento técnico entre ambas: enquanto o "direito" diz respeito a algo conferido a todos, as "prerrogativas" devem ser compreendidas como direitos exclusivos de determinadas profissões, atribuídos com o propósito de garantir o pleno exercício de suas funções.

Machado também destaca o papel central da OAB, tanto no âmbito das seccionais quanto no Conselho Federal, na salvaguarda dessas prerrogativas, inclusive por meio do desagravo público, mecanismo de reparação simbólica da honra do profissional injustamente ofendido no exercício da advocacia.

Dessa forma, o art. 7º do Estatuto deve ser interpretado como uma expressão inequívoca do compromisso do ordenamento jurídico com a democracia e com a advocacia enquanto instrumento essencial de contenção de abusos estatais.

3. Atuação da OAB na defesa das prerrogativas e limites ético-lurídicos

A OAB, prevista no art. 44 da lei 8.906/1994, é legitimada para agir judicial e extrajudicialmente na defesa das prerrogativas, conforme o art. 49 do mesmo diploma. Atua por meio de suas Comissões de Defesa das Prerrogativas, com plantões e canais de atendimento direto aos advogados, além da proposição de ações como habeas corpus, mandados de segurança e ADIs.

A jurisprudência brasileira tem reconhecido a importância dessas garantias. O STF, na ADI 1127/DF, reafirmou a constitucionalidade da inviolabilidade do escritório do advogado, desde que respeitada a possibilidade de relativização por decisão judicial fundamentada. O STJ, no RHC 89.374/RS, declarou ilegais diligências realizadas sem observância das formalidades legais e reforçou a necessidade de participação da OAB.

Ainda que essenciais, as prerrogativas não são absolutas. Elas devem ser exercidas com responsabilidade e em conformidade com a ética profissional, sob pena de responsabilização administrativa, civil ou penal, nos termos dos arts. 32 e seguintes do Estatuto.

Portanto, a defesa das prerrogativas deve andar lado a lado com a preservação dos valores republicanos, o respeito às instituições e o compromisso ético que fundamenta a advocacia como instrumento de promoção da justiça.

4. Conclusão

As prerrogativas da advocacia representam um pilar essencial na arquitetura do Estado Democrático de Direito. Longe de serem privilégios, constituem garantias voltadas à concretização da ampla defesa e da proteção dos direitos fundamentais.

O respeito a essas prerrogativas fortalece a confiança social na advocacia e assegura o regular funcionamento do sistema de justiça. A atuação firme e vigilante da OAB, associada à jurisprudência dos tribunais superiores, revela-se indispensável à efetividade dessas garantias.

Entretanto, é igualmente imprescindível que os profissionais atuem com responsabilidade, ética e fidelidade aos princípios constitucionais. Afinal, a advocacia não é apenas uma profissão, é missão pública voltada à defesa da justiça e da cidadania.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e da OAB.

BRASIL. Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. Lei de Abuso de Autoridade.

CONSELHO FEDERAL DA OAB. Código de Ética e Disciplina da OAB.

MACHADO, Paulo. Dez em Ética: Teorias e Questões Comentadas. 10. ed. São Paulo: Armador, 2023.

STF. ADI 1127/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, DJ 09/03/2001.

STJ. RHC 89.374/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 18/06/2018.

André Luiz de Oliveira Pereira da Silva

André Luiz de Oliveira Pereira da Silva

Advogado, bacharel em Direito pela UCAM - Universidade Candido Mendes e pós-graduando em Auditoria Tributária pela FACC - Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ.

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