Marco temporal para a rescisão de transação tributária
A PGFN interpreta que o prazo de impedimento de dois anos para nova transação tributária conta-se da rescisão formal. Entenda como este posicionamento encontra-se equivocado!
quinta-feira, 5 de junho de 2025
Atualizado às 10:18
A lei 13.988/20, conhecida como lei do contribuinte legal, representou um avanço significativo nas relações entre fisco e contribuintes ao regulamentar o instituto da transação tributária, previsto há décadas no art. 171 do CTN.
Contudo, como toda inovação legislativa, sua aplicação prática tem revelado controvérsias interpretativas, notadamente em relação ao marco inicial do prazo bienal de impedimento para uma nova adesão após sua rescisão.
A questão central reside em determinar se tal lapso temporal deve ser computado a partir da data da rescisão formalmente declarada pela autoridade fazendária ou do momento da inadimplência material que configura a causa rescisória.
A lei 13.988/20 estabelece em seu art. 4º, §8º, que "aos contribuintes com transação rescindida é vedada, pelo prazo de 2 (dois) anos, contado da data de rescisão, a formalização de nova transação, ainda que relativa a débitos distintos". Esse dispositivo foi regulamentado pela portaria PGFN 6.757/22, que em seu art. 18 reproduz a mesma redação.
A controvérsia surge porque a lei não especifica expressamente se a "data de rescisão" refere-se ao ato administrativo formal que declara a rescisão ou ao momento em que se configura materialmente a causa rescisória - tipicamente, o não pagamento de três parcelas consecutivas, conforme previsto no art. 19, II, da portaria PGFN 14.402/20.
Uma análise sistemática e teleológica do instituto da transação tributária revela que o marco temporal mais adequado é o da rescisão material. Tal entendimento fundamenta-se nos seguintes pilares:
- A rescisão formal tem natureza meramente declaratória, reconhecendo uma situação jurídica já consolidada pelo inadimplemento;
- O próprio art. 19, II, da portaria PGFN 14.402/20 estabelece que "o não pagamento de três parcelas consecutivas ou alternadas do saldo devedor negociado implica rescisão da transação", ou seja, a rescisão ocorre pelo fato objetivo do inadimplemento, não pelo ato administrativo posterior;
- A finalidade da quarentena é evitar o uso abusivo e reiterado do instituto da transação, não prolongar indevidamente uma sanção ao contribuinte já em dificuldades financeiras.
A jurisprudência recente tem se inclinado a favor dessa interpretação. Em decisão paradigmática de maio de 2025, o ilustre juiz Marco Aurelio de Mello Castrianni, da 1ª vara Cível Federal de São Paulo, ao julgar o processo 5006974-05.2025.4.03.6100, asseverou categoricamente que "o entendimento da PGFN, segundo o qual o prazo de dois anos de impedimento deveria ser contabilizado a partir da data de rescisão formal, acaba por distorcer o real prazo de impedimento, prolongando indevidamente a sanção legal e prejudicando contribuintes".
Assim, a interpretação que privilegia a rescisão formal como marco temporal viola diversos princípios basilares do Direito Tributário, como da estrita legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, eficiência administrativa e capacidade contributiva.
Cumpre-se mencionar que a interpretação adotada pela PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional impacta diretamente milhares de empresas em recuperação financeira. Dados da própria Procuradoria indicam que aproximadamente 30% das transações são rescindidas por inadimplência, afetando principalmente pequenas e médias empresas que representam cerca de 65% dos acordos firmados.
O impacto econômico é substancial, isso porque, considerando um prazo médio de 6 meses entre a inadimplência e a formalização da rescisão, a interpretação da PGFN prolonga em 25% o período de impedimento, resultando em aproximadamente R$ 15 bilhões em débitos que poderiam ser regularizados mais cedo através de novas transações.
Para ilustrar: uma empresa com dívida de R$ 1 milhão que inadimpliu em janeiro de 2023, tendo a rescisão formalizada apenas em julho de 2023, ficaria impedida de nova transação até julho de 2025 pela interpretação da PGFN, quando poderia regularizar sua situação já em janeiro de 2025 caso o marco temporal fosse a inadimplência material.
A interpretação que considera a data da inadimplência material como marco temporal para a contagem do prazo de impedimento de dois anos é a que melhor se coaduna com a finalidade do instituto da transação tributária, sendo que a postura da PGFN, ao insistir na data da rescisão formal, revela uma visão ainda arrecadatória e punitiva, que contradiz o espírito conciliatório da lei 13.988/20.


