Mediação em casos de violência doméstica
Reflexão crítica sobre a violência doméstica, suas raízes estruturais, avanços legais e o papel controverso da mediação em tais conflitos.
quinta-feira, 5 de junho de 2025
Atualizado às 09:28
A violência doméstica contra a mulher é tema de suma importância tanto no tocante ao combate e prevenção, quanto no que se refere à necessidade de compreender os fatores que propiciam as crescentes ocorrências.
Ao longo da história os modelos sociais destinados ao corpo feminino sempre mantiveram a mulher à margem da sociedade. Ao contrário do homem a quem é atribuído poder, patrimônio e controle das estruturas socioeconômicas, a mulher esteve relegada às funções de cuidado e maternidade, afastada dos ambientes de decisão e muitas vezes, deixou de ser enxergada como sujeito de direitos.
Essas desigualdades estruturais se refletem nas diversas esferas da sociedade contemporânea desde a sub representatividade política, a disparidade salarial em prejuízo da mulher que desempenha funções idênticas as do homem. A faceta mais cruel dessa relação desigual é sem dúvida a violência contra a mulher.
Desde o fim da segunda guerra mundial, as nações envidaram esforços no sentido impedir reiteração do genocídio que assolou a Europa. Para tanto, foram assinados diversos tratados internacionais que buscavam garantir os direitos humanos.
Esses instrumentos uniram os diversos países em prol de uma política de respeito aos direitos fundamentais e individuais, com reflexos no bem comum e paz mundial. Alguns dos instrumentos foram específicos em garantir a observância dos direitos de grupos especialmente vulneráveis como mulheres, imigrantes, pessoas com deficiência e com marcadores relacionados a fatores raciais.
Inobstante previsões das convenções internacionais e das legislações internas as desigualdades persistem e o desafio é neutralizá-las.
Na mesma esteira estão as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos que procuram lançar luz sobre os invisíveis socialmente buscando condenar violações de direitos e estabelecer o instituto da reparação integral aos Estados que vêm descumprindo os acordos vinculantes firmados internacionalmente.
Resultado de uma condenação internacional, a lei Maria da Penha representa valioso diploma no combate, prevenção e punição aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.
Essa lei também representou resultado da advocacy feminista conferindo eficácia prática a artigos da CF/88 que já previam a premente realidade de erradicar a violência contra a mulher do panorama nacional.
Foi inspirada na lei espanhola contra a violência de gênero, embora essa última abarque tão somente a violência decorrente de relacionamentos íntimos de afeto, berço mais incidente da violência contra a mulher. A lei brasileira engloba também a violência contra a mulher decorrente de coabitação e relacionamentos familiares sendo, portanto, mais abrangente.
No que toca a mediação1, modalidade de solução de conflitos através do consenso e da comunicação não violenta, existem posicionamentos inclinados a sua inaplicabilidade na seara da violência contra a mulher, seja pelo caráter da relação de poder x submissão incidente na violência doméstica, seja porque essas condutas, na grande maioria encontram-se tipificadas e equiparadas a crimes contra os direitos humanos (art. 6° da lei Maria da Penha), o que não se mostraria compatível com aplicação de soluções consensuais.
No entanto, a mediação1 vem sendo utilizada com sucesso em conflitos subjacentes aos casos que geraram a situação de violência doméstica, como desavenças familiares e as que envolvem guarda de filhos, desde que seja do interesse das partes em questão.
Importante trazer à tona essa discussão expondo os argumentos pró e contra a aplicação da mediação nos conflitos envolvendo a matéria da violência doméstica contra a mulher de modo a robustecer o posicionamento a ser tomado para que esteja em concordância com os princípios internacionais e para que produza os resultados esperados: constituição de uma sociedade mais justa e equânime.
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1 GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Mediação - técnicas de condução de sessões e postura do mediador. São Paulo: Método, 2016
Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme
Sócio do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados.
Luciana Fiala de Siqueira Carvalho
Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro há 23 anos. Titular do V Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Membra do Conselho Estadual da Mulher em Situação de Violência e do FONAVID - Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CNJ). Conferencista e professora da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e da Escola Superior de Administração Judiciária. Integra o Centro de Estudos do TJ-RJ nas áreas de segurança pública e violência doméstica.




