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Fui incluído na reabilitação profissional, mas sigo incapacitado. O que fazer?

O INSS pode impor reabilitação profissional indevidamente, afetando segurados ainda incapacitados. Judicialmente, é possível contestar e buscar suspensão ou cancelamento.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Atualizado às 11:46

Imagine a seguinte situação: você está doente, aguardando uma cirurgia essencial ou sequer consegue retornar ao trabalho devido à sua condição de saúde. E, de repente, é surpreendido pelo INSS, que, ignorando sua realidade, decide que você deve participar de um programa de reabilitação profissional - como se já estivesse pronto para voltar ao mercado de trabalho. Infelizmente, essa não é uma situação incomum.

E, nesses casos, é possível sim recorrer ao Poder Judiciário para pedir a suspensão ou até mesmo o cancelamento dessa obrigação, seja por meio de uma ação judicial comum ou, quando houver direito líquido e certo, por meio de um mandado de segurança. Cada caso, porém, precisa ser analisado de forma individual, levando em conta não apenas os laudos médicos, mas também eventuais decisões judiciais anteriores que garantam a manutenção do benefício por incapacidade.

Mas, afinal, você sabe exatamente o que é o programa de reabilitação profissional e qual o seu objetivo? 

O programa de reabilitação profissional é um serviço oferecido pelo INSS aos segurados que, em razão de doença ou acidente, ficaram incapacitados para exercer sua atividade habitual, mas que ainda possuem condições de serem readaptados para o desempenho de outra atividade compatível com suas limitações. 

O objetivo desse programa é promover a reinserção do segurado no mercado de trabalho, oferecendo, quando necessário, acompanhamento, cursos, treinamentos e, em alguns casos, até fornecimento de próteses, órteses ou instrumentos que viabilizem o exercício de nova função. 

O programa de reabilitação profissional está previsto no art. 89 da lei 8.213/19911 e é regulado por normativas específicas do INSS, que estabelecem os critérios para a inclusão e exclusão do segurado, bem como as etapas do processo de reabilitação. 

Contudo, é fundamental entender que a reabilitação profissional só deve ser aplicada quando o segurado está apto a desenvolver alguma atividade laboral, ainda que diferente da sua ocupação anterior. Ou seja, não pode ser imposta a quem permanece totalmente incapacitado para qualquer trabalho, especialmente quando há indicação de tratamento médico, reabilitação física ou até cirurgia pendente. 

A inclusão do segurado no programa de reabilitação é indevida, por exemplo, quando: 

  • O segurado ainda se encontra incapacitado para qualquer atividade, aguardando tratamento médico ou procedimento cirúrgico; 
  • Há decisão judicial que garante a manutenção do benefício por incapacidade até a efetiva recuperação do segurado; 
  • Os próprios laudos médicos da perícia ou documentos médicos particulares comprovam que não há, no momento, condições de retorno ao trabalho, nem mesmo em atividades distintas. 

A inclusão indevida no programa pode acarretar sérias consequências para o segurado, como a suspensão ou cessação do benefício previdenciário, pressão para retorno precoce ao trabalho, além de prejuízos físicos, emocionais e financeiros, agravando a condição de saúde do beneficiário. 

Nessas hipóteses, a inclusão forçada no programa de reabilitação configura ato ilegal da Administração, pois não observa os critérios exigidos pela legislação previdenciária, além de desconsiderar as condições de saúde do segurado. 

Dessa forma, o segurado pode buscar a via judicial para requerer o cancelamento ou a suspensão do programa de reabilitação profissional, sobretudo quando essa medida se revela abusiva, desnecessária ou prematura. 

Em casos que envolvam direito líquido e certo, como, por exemplo, quando já há decisão judicial vigente garantindo o benefício por incapacidade, é possível a impetração de mandado de segurança, com pedido liminar, visando proteger o direito do segurado de não ser submetido ao programa de forma indevida.

Esse entendimento, inclusive, já foi reconhecido judicialmente em diversas situações. Em um caso concreto (processo 5001159-68.2025.4.04.7209)2, um segurado que estava com benefício de auxílio por incapacidade temporária restabelecido por ordem judicial - justamente até a realização de uma cirurgia no SUS - foi, ainda assim, incluído de forma indevida no programa de reabilitação profissional pelo INSS. 

O segurado havia ajuizado ação anterior (processo 5000896-98.2023.8.24.00363) na qual foi reconhecida sua condição de incapacidade, com laudo pericial que confirmou a necessidade da cirurgia nos dedos da mão esquerda. A sentença, à época, determinou expressamente que o benefício deveria ser mantido até a efetiva realização do procedimento cirúrgico. 

Mesmo assim, o INSS desconsiderou a decisão judicial e incluiu o segurado na reabilitação profissional, o que não apenas afrontava a sentença anterior, como também ignorava a realidade clínica do segurado, que seguia impossibilitado de retornar ao trabalho. 

Diante disso, foi impetrado mandado de segurança, no qual a Justiça Federal reconheceu que, embora não haja impedimento absoluto para o encaminhamento à reabilitação profissional, no caso específico, a cessação do benefício só poderia ocorrer após a realização da cirurgia, como já havia sido determinado na sentença anterior. Assim, a decisão destacou que: 

"Seria ineficaz o encaminhamento da parte para o processo de reabilitação enquanto está no aguardo de ser chamada para a realização da cirurgia, condição indispensável para a avaliação de sua capacidade laborativa. (...) A parte não pode ser penalizada pela morosidade do Estado na realização das cirurgias que, por determinação legal, está incumbida." 

No caso específico citado acima, é importante destacar que a decisão, embora favorável ao segurado, ainda é passível de recurso por parte da autarquia previdenciária. Contudo, evidencia-se que o entendimento firmado pelo juízo não apenas observa a legislação aplicável, mas também reflete os princípios constitucionais que norteiam a proteção social e a dignidade da pessoa humana.

Com efeito, a reabilitação profissional é, sem dúvida, um importante instrumento de proteção social, que visa reinserir o segurado no mercado de trabalho. No entanto, tal medida não pode ser desvirtuada, tampouco utilizada como mecanismo para antecipar a cessação de benefícios, especialmente quando o segurado ainda não reúne condições clínicas que possibilitem o efetivo processo de reabilitação.

Portanto, impor o início da reabilitação profissional em contexto no qual o segurado depende da realização de cirurgia para recuperar sua capacidade laborativa - ou se encontra em qualquer outra condição que o impossibilite de retornar ao trabalho - configura afronta não apenas à legislação, mas também aos próprios fundamentos da proteção social previdenciária.

Nessas situações, é dever do Estado assegurar que o trabalhador tenha preservado seu direito ao benefício até que haja efetiva possibilidade de retorno ao trabalho.

_________

1 Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re) educação e de (re) adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.

2  Processo nº 5001234-56.2020.4.03.6100, 2ª Vara Federal de Jaraguá do Sul/SC

3 Processo nº 5000896-98.2023.8.24.0036, Juízo da Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da Comarca de Jaraguá do Sul/SC

Marcos Roberto Hasse

Marcos Roberto Hasse

Advogado (OAB/SC 10.623) com 30 anos de experiência, sócio da Hasse Advocacia e Consultoria, com atuação ampla e estratégica em diversas áreas jurídicas.

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