Embargos de declaração: Por que os tribunais não cumprem o art. 489 do CPC?
O juiz e o tribunal têm, sim, a obrigação de enfrentar os argumentos das partes, mesmo que seja para dizer que não concorda.
segunda-feira, 16 de junho de 2025
Atualizado às 14:08
Comento aqui, no Migalhas, uma decisão novíssima, do TRF-2, nos embargos de declaração.
Está em jogo o devido processo legal!
Como se sabe, os embargos são o meio de impugnação de decisão judicial previsto no art. 994 do CPC, ou seja, está no rol dos recursos.
Logo, é de uma obviedade óbvia, de que os embargos de declaração devem, sim, ser respeitados como recurso.
Não é nenhum favor do magistrado analisar os argumentos das partes de: omissão, contradição ou obscuridade nas decisões. (art. 1022, CPC)
Por isso, precisamos falar dos embargos de declaração. Eles são muito importantes, pois pelo art. 494, II, do CPC/15, por exemplo, podem alterar uma sentença após publicada.
Ocorre que, os tribunais, infelizmente, em regra, não gostam dos embargos de declaração.
Não é questão de gostar ou não gostar. Mas de respeito à Constituição e ao CPC.
É óbvio de que tribunais não podem deixar de aplicar leis. Só se fizerem jurisdição constitucional. Não existe a opção "não concordo com o legislador".
O caso
A embargante alega omissões no acórdão, por exemplo, de que a suposta dívida cobrada é oriunda do aditivo contratual.
Porém, que esse instrumento não foi juntado aos autos pela autora.
A CEF - Caixa Econômica Federal fala que não localizou o aditivo contratual firmado em 2019.
Pois é. E agora?
Pondera a embargante de que aditivo contratual é fundamental para o deslinde da questão, a fim de saber qual o negócio jurídico, acordado entre as partes.
Pois sem ele, não se pode, por exemplo, avaliar a extensão do que está sendo cobrado, vez que não se tem notícia do teor das cláusulas pactuadas.
Isto é, a taxa de juros efetiva mensal, a taxa efetiva anual, o custo efetivo mensal, o custo efetivo anual, forma de capitalização dos juros.
Argumenta a embargante: que a petição inicial deve ser instruída com a documentação hábil a comprovar a veracidade dos fatos alegados, nos termos do art. 319, inciso VI, do CPC.
E que cabe ao autor comprovar os fatos constitutivos de seu direito, conforme preceitua o art. 373, I, do CPC. (ônus da prova)
Aduz de que a CEF, somente, somente, limitou-se a trazer: uma planilha dizendo que era o extrato com o suposto débito.
E, somente, apresentou uma tela sistêmica, isto é, documentos produzidos unilateralmente, os quais não são aptos a comprovar o negócio jurídico realizado.
Por fim, defendeu a embargante de que inépcia da inicial pode ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição.
Assim, acarretando, após a contestação, a extinção do feito ante a inépcia da inicial, sem resolução do mérito, conforme o art.485, inciso IV, do CPC.
Não obstante, na prática jurídica a teoria é outra: decido primeiro, fundamento depois. Quem não gostar que recorra...
Tribunal finge que prestou jurisdição
Uma pausa: raramente uma decisão, sentença ou acórdão é modificada por embargos. Os que advogam, nos fóruns da vida, sabem muito bem do que eu estou falando, não é?
E, pior: São opostos embargos de declaração fundamentado nas omissões, contradições e obscuridades.
A "decisão" que rejeita vem, às vezes, em duas ou três linhas. Aí, o causídico entra com outro aclaratórios falando das omissões acerca das omissões.
Olhem a resposta:
"Nada a esclarecer. Nada a declarar. Mantenho a decisão por seus próprios fundamentos"
"A parte está pretendendo rediscutir a prova os embargos de declaração não são a via hábil para a discussão do mérito da matéria impugnada"
"Não se contempla nenhuma das hipóteses de seu cabimento, insertas nos incisos do art. 1.022 do CPC/15"
Triste. O tribunal fica mudo e omisso. Finge que prestou jurisdição. Aliás, infelizmente, à moda é "copiar e colar".
Não há o debate de argumentos. Não há contraditório substancial. Dialeticidade: A tese. Antítese. A síntese.
E o devido processo legal?
Os advogados, em regra, nunca têm razão nos embargos de declaração
Fantástico: os advogados, em regra, nunca têm razão nos embargos de declaração.
Nunca apontam vícios do arti. 1.022 do NPCP, sustentam erro judiciando, querem modificar a convicção do julgador, o intuito é "manifestamente" protelatório, violam a boa-fé objetiva etc.
Somente a razão está com "tribunal da verdade"...
Alguns magistrados, infelizmente, veem os embargos de declaração como um chute na canela.
Levam para o lado pessoal. É como se os advogados fossem privados de lógica em suas argumentações.
Ocorre que o juiz e o tribunal têm, sim, a obrigação de enfrentar os argumentos das partes, mesmo que seja para dizer que não concorda.
Se embargar pode multar
Até ameaçam multar quem embargar. Vejam um exemplo que não é ponto fora da curva:
"Advirto, desde já, que embargos declaratórios não se prestam à revisão de fatos e provas, nem à impugnação da justiça da decisão, cabendo sua interposição nos estreitos limites previstos no art. 1.022 do CPC. A interposição de embargos declaratórios meramente protelatórios ensejará a aplicação de multa, nos termos do art. 1.026, § 2.º, do CPC" (Processo 0865350-54.2024.8.19.0001, 24ª vara Cível da Comarca da Capital - TJ/RJ)
Ora, a parte embargante pode e deve, sim, usar mecanismos processuais previstos no CPC para defesa de seu direito.
Resposta padrão
Prosseguimos. Vem sempre uma resposta padrão, como no caso em questão, pela do TRF-2. Observem:
"Verifica-se que a embargante não indica, objetivamente, qualquer omissão, obscuridade, contradição ou erro a justificar o manejo dos aclaratórios, na forma do art. 1.022 do CPC, mas apenas discorda dos fundamentos do voto. Pretende, à evidência, rediscutir temas amplamente enfrentados na decisão guerreada"
"Os embargos de declaração revelam mero inconformismo com o julgado e pretendem rediscutir a matéria sob outros argumentos, o que, a toda evidência, não pode ocorrer pela via eleita".
O relatório da sentença não registrou uma importante ocorrência
Por sinal, o próprio relatório do acórdão do TRF-2, diz que:
"A parte embargante alega, em síntese, omissão no acórdão embargado. Argumenta que o acórdão teria deixado de analisar: a) a ausência de preclusão no que se refere à alegada inépcia da inicial; b) a inexistência de documentação hábil para a comprovação da dívida, diante da ausência do aditivo contratual; c) que o demonstrativo do extrato da conta bancária e as telas do sistema da CEF não seriam suficientes para indicar a existência do negócio jurídico; d) a falta de fundamentação para a multa aplicada."
Em consequência, fica bem claro à luz do relatório, que é a síntese do processo, de que a embargante, objetivamente, apontou, sim, as omissões.
Contudo, vale destacar que, a síntese do relatório- não registrou uma principal ocorrência, havendo omissão, nos termos do art. 489, I, do CPC, que diz:
"O relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo."
Ocorre que, apesar das muitas jurisprudências do TRF-2 apresentadas pela embargante. Houve omissão no julgamento, vale dizer, negativa de prestação jurisdicional.
O acórdão ficou silente, conforme se nota na sua fundamentação.
Por outras palavras, o tribunal não analisou jurisprudência invocada pela embargante e se aplicariam ao caso. Caso não se aplicasse deveria fazer a distinção (distinguishing), consoante art. art. 489, VI, do CPC:
"Deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento."
Jurisprudências não analisadas no acórdão
A embargante argumentou que:
"A autora CEF somente, limitou-se a trazer: uma planilha dizendo que era o extrato e apresentou uma tela sistêmica, isto é, documentos produzidos unilateralmente, os quais não são aptos a comprovar o negócio jurídico realizado."
Vamos a seguir rememorar as jurisprudências invocadas pela embargante, sem o acórdão demonstrar a existência de distinguishing no caso em julgamento ou a superação do entendido.
Apelação cível, 0049523- 38.2016.4.02.5105, sendo relator o professor titular de processo civil, da UFF - Universidade Federal Fluminense e desembargador federal Ricardo Perlingeiro:
"Compulsados os autos, verifica-se que a parte demandante não juntou cópia do contrato em questão ou qualquer outro documento apto a demonstrar a celebração do negócio com o réu, bem como os critérios de apuração de eventual saldo devedor. Observa-se, nesse diapasão, que a ora recorrente limitou-se a trazer extratos bancários (fls. 44/104), demonstrativo de débito (fl. 9/22), sendo que, tais documentos, produzidos unilateralmente pela credora, não são aptos a comprovar a contratação do contrato em testilha. Resta, portanto, impossível a declaração de "existência e validade das dívidas contraídas mediante os contratos em análise" conforme pretendido na inicial (fl. 3, item 2).
Nessa perspectiva, o precedente do E. TRF-2, na AC 0061273- 78.2018.4.02.5101, sendo relator o desembargador Alcides Martins:
"Conforme fundamentado na sentença, a CEF não trouxe aos autos os contratos que teriam originado a presente demanda, apresentando documentos que foram produzidos unilateralmente (fls. 25/26 e 47/48), não sendo hábeis a demonstrar a existência da relação jurídica."
Livre convencimento
O fantasma do livre convencimento voltou em 2025, na fundamentação do acórdão combatido do TRF-2:
"O julgador não está obrigado a se manifestar sobre todos os dispositivos legais invocados, mas apenas sobre aqueles necessários à resolução da controvérsia, conforme o princípio do livre convencimento motivado." (TRF2, AgInt 5004125-88.2024.4.02.0000, Relator: Desembargador federal Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, 8ª turma especializada, DJ: 10/2/2025."
A luta do direito sempre foi contra a arbitrariedade, o subjetivismo e discricionaridade da decisão judicial: "decido primeiro, fundamento depois", que tem como desculpa o "livre convencimento" para negar direitos fundamentais.
Livre convencimento? Como assim? Pode uma decisão ser "fundamentada" no livre convencimento?
O órgão judicante não é obrigado a manifestar-se sobre todos os argumentos das partes?
Na fundamentação do acordão guerreado do TRF-2, foi colacionada uma jurisprudência do ministro Cristino Zanin, julgamento em 6-11-2024:
"Jurisprudência firme do STF "no sentido de que o órgão judicante não é obrigado a se manifestar sobre todos os argumentos das partes, bastando que explicite as razões suficientes para a formação de seu convencimento, conforme o art. 93, IX, da Constituição Federal." (Rcl 70083 AgR-ED, Relator(a): Cristiano Zanin, primeira turma, julgado em 6/11/2024, DJe-s/n 8/11/2024"
Com todo o respeito, cordialidade e consideração ao ministro Zanin: essa jurisprudência é escancaradamente contrária ao art. 98, IX, da CF, art.11 c/c 1022 c/c art. 489 do CPC.
Ocorre que o juiz e o tribunal têm, sim, a obrigação de enfrentar os argumentos das partes, mesmo que seja para dizer que não concorda.
Vejamos o que ensina, com brilhantismo, o mestre e desembargador Alexandre Freitas Câmara.1
"De outro lado, porém, se a parte deduz vários argumentos e um deles é rejeitado impõe-se o ao órgão julgador o dever de examinar os demais fundamentos que, em tese, poderiam caso acolhidos, levar a conclusão diferente. É que só é legitimo decidir contrariamente ao interesse de uma das partes se todos os seus argumentos forem rejeitados."
Mas, incrível: até parece que a CF é uma folha de papel e que o Novo CPC não entrou em vigor.
Em uma palavra final: há uma crise no sistema judicial. É fato.
Os embargos de declaração são verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal: direito ao contraditório e à ampla defesa.
Temos que levar o Direito a sério. Está escrito na CF e lei o dever de fundamentação das decisões judiciais. Simples assim!
O arbítrio judicial ainda está aqui!
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1 CÂMARA, Alexandre Freitas, Manual de Direito Processual Civil, 2ª edição, p.69, Gen/Atlas, 2023


