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Os desdobramentos jurídicos da iminente dupla vacância no Executivo RJ

Análise das implicações jurídicas da dupla vacância no Executivo do RJ, abordando cenários eleitorais e não eleitorais e suas consequências políticas.

terça-feira, 17 de junho de 2025

Atualizado às 11:46

Introdução

A estabilidade e a continuidade do Poder Executivo são pilares fundamentais para a governabilidade de qualquer ente federativo. No Brasil, a CF/88 e as Constituições Estaduais estabelecem um arcabouço jurídico para lidar com situações de vacância nos cargos de chefia, visando a garantir a transição e o preenchimento das lacunas de poder de forma ordenada e democrática. No Estado do Rio de Janeiro, a possibilidade de dupla vacância nos cargos de governador e vice-governador, seja por renúncia, impedimento ou cassação, suscita uma série de questionamentos jurídicos complexos, especialmente no que tange à sucessão provisória e à modalidade das eleições para o "mandato-tampão".

Este artigo se propõe a analisar esses desdobramentos jurídicos, considerando as disposições da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e a jurisprudência do TSE e do STF. Serão abordados dois cenários distintos: a dupla vacância por razões não eleitorais, geralmente decorrente de renúncia ou impedimento, e a dupla vacância por razões eleitorais, resultante de cassação de mandato. A distinção entre esses cenários é crucial, pois as regras para a sucessão e a realização de novas eleições diferem significativamente, impactando a dinâmica política e a representatividade do mandato subsequente. A análise será pautada no referencial jurídico pertinente e nas projeções decorrentes da atual conjuntura.

1. Dupla vacância por razões não eleitorais

A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seus arts. 141 e 1421, espelha a ratio legis dos arts. 80 e 81 da CF/88, delineando o procedimento em caso de impedimento ou vacância dos cargos de governador e vice-governador. No cenário de renúncia de ambos os chefes do Poder Executivo, o processo de sucessão é claramente definido.

Conforme o art. 141 da Constituição Estadual, em caso de impedimento ou vacância do governador e do vice-governador, a chefia do Poder Executivo será assumida sucessivamente pelo presidente da Assembleia Legislativa e, na sua impossibilidade, pelo presidente do Tribunal de Justiça. Essa sucessão é de caráter provisório, visando a manter a continuidade administrativa até que novas eleições sejam realizadas para o preenchimento definitivo dos cargos.

A duração do "mandato-tampão" e a modalidade das eleições subsequentes dependem do momento em que a dupla vacância ocorre em relação ao período do mandato. O art. 142 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro estabelece que, se a vacância dos cargos de governador e vice-governador ocorrer nos dois primeiros anos do período governamental, uma eleição direta deverá ser realizada noventa dias após a abertura da última vaga. Nesse caso, o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Rodrigo Bacellar, assumiria interinamente a chefia do Executivo, convocaria eleições diretas em até 90 dias para a população eleger novos governador e vice-governador para completar o restante do mandato.

Por outro lado, se a dupla vacância ocorrer nos últimos dois anos do mandato, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga (in casu, a renúncia do governador, pois o vice-governador renunciou em 21/5/252), pela Assembleia Legislativa. Isso significa que a eleição para o "mandato-tampão" será indireta, conduzida pelos deputados estaduais da ALERJ. Em ambos os cenários, os eleitos deverão completar o período remanescente dos seus antecessores.

É crucial destacar que o STF tem se debruçado sobre a interpretação dessas normas, especialmente no que tange à autonomia dos entes subnacionais. Em 2022, no julgamento das ADIns 7.137 e 7.142, o STF reafirmou sua jurisprudência no sentido de que os entes subnacionais não estão obrigados a seguir o modelo Federal, que prevê eleições indiretas na hipótese de dupla vacância no último biênio do mandato. Contudo, essa margem de discricionariedade encontra limites objetivos na própria CF/88, em razão do modelo brasileiro de democracia representativa, em que o poder é exercido pelos representantes eleitos3.

Mais recentemente, em 2025, no julgamento das ADIns 7.085 e 7.138, o STF declarou a inconstitucionalidade de dispositivos das Constituições dos Estados do Rio Grande do Sul e do Rio Grande do Norte. Esses dispositivos determinavam que, em caso de vacância dos cargos de governador e de vice no último ano do mandato, a chefia do Executivo deveria ser exercida no período restante, sucessivamente, pelos presidentes da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça4.

No acórdão, o ministro relator Cristiano Zanin consignou em seu voto que, embora o art. 81, § 1º, da CF não seja considerado cláusula de reprodução obrigatória pelos entes subnacionais, a jurisprudência do STF é firme sobre a imprescindibilidade da realização de novas eleições, diretas ou indiretas, em caso de dupla vacância dos cargos de chefia do Poder Executivo nos últimos dois anos do mandato5.

Portanto, em caso de renúncia do governador (Cláudio Castro) no último biênio do mandato, diante da renúncia do vice-governador (Thiago Pampolha), o presidente da ALERJ (Rodrigo Bacellar) assumiria a chefia do Executivo e, em 30 dias, convocaria eleições indiretas a serem realizadas pela ALERJ para o término do mandato-tampão. Este cenário, todavia, aplica-se estritamente quando as razões da renúncia ou impedimento não tiverem natureza eleitoral.

2. Dupla vacância por razões eleitorais

A complexidade dos desdobramentos jurídicos da dupla vacância se intensifica quando a causa reside em razões eleitorais, mais especificamente, na cassação de mandatos. No Estado do Rio de Janeiro, a pendência de julgamento de um recurso no TSE referente à Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE 0606576-54.2022.6.19.0000 adiciona uma camada de incerteza ao cenário político atual.

A referida AIJE, interposta pela Procuradoria Regional Eleitoral, questiona o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro que, por maioria, julgou improcedente o pedido de cassação em relação ao governador, vice-governador e presidente da ALERJ, por suposto abuso de poder político e econômico em contratações alegadamente irregulares na CEPERJ e UERJ6. O recurso ordinário eleitoral, sob relatoria da ministra Isabel Gallotti, tem julgamento previsto para o corrente ano no TSE7.

Caso o recurso seja provido, a condenação dos recorridos ensejará a cassação dos respectivos mandatos, o que alterará substancialmente o "tabuleiro político" do Executivo Estadual. Nesse cenário, a assunção da chefia do Executivo pelo presidente do TJ/RJ seria o primeiro desdobramento, seguido pela realização de novas eleições.

A distinção fundamental, nesse caso, reside na aplicação do Código Eleitoral, que inverte a regra das eleições diretas e indiretas para o "mandato-tampão" em situações de impedimento ou vacância por razões eleitorais. O art. 224 do Código Eleitoral8, em seus parágrafos 3º e 4º, estabelece que a decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

O § 4º do mesmo artigo detalha as modalidades de eleição: será indireta se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; e direta nos demais casos. Isso significa que, diferentemente da dupla vacância por renúncia, onde a regra geral é a eleição direta nos primeiros dois anos e indireta nos últimos dois, em caso de cassação de mandato a eleição será direta, salvo se a cassação ocorrer no último semestre do mandato do titular.

3. Projeções e cenários

Considerando as premissas estabelecidas, é possível delinear quatro cenários em caso de provimento do recurso no TSE e consequente cassação dos mandatos do governador, vice-governador e presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro:

  • Cenário 1): Desprovimento do recurso pelo TSE, renúncia do governador: O presidente da ALERJ assumirá a chefia do Poder Executivo e, por se tratar do último biênio do mandato, em 30 (trinta) dias, determinará eleições indiretas para o "mandato-tampão", a serem realizadas pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
  • Cenário 2): Absolvição do presidente da ALERJ, e cassação dos mandatos do governador e vice-governador até 30/6/26 (últimos seis meses do mandato): Se a decisão do TSE pela cassação dos mandatos da eleição majoritária ocorrer até essa data, o presidente da ALERJ assumirá a chefia do Poder Executivo. As eleições subsequentes para o "mandato-tampão" serão indiretas, a serem realizadas pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
  • Cenário 3): Cassação dos mandatos do governador, vice-governador e presidente da ALERJ até 30/5/26 (últimos seis meses do mandato): Se a decisão do TSE pela cassação dos mandatos ocorrer até essa data, o presidente do TJ/RJ assumirá a chefia do Poder Executivo. As eleições subsequentes para o "mandato-tampão" serão indiretas, a serem realizadas pela ALERJ, sem a participação do deputado Rodrigo Bacellar, que estaria inelegível (art. 22, XIV, LC 64/90). Este cenário se enquadra na exceção prevista no art. 224, § 4º, inciso I, do Código Eleitoral.
  • Cenário 4): Cassação dos mandatos após 1/7/26: Se a cassação dos mandatos ocorrer a partir dessa data, as eleições para os cargos de governador e vice-governador serão diretas. Isso se deve ao fato de que a vacância ocorreria fora do período de seis meses que antecede o término do mandato, conforme o art. 224, § 4º, inciso II, do Código Eleitoral. Nesse caso, a população do Estado do Rio de Janeiro seria chamada às urnas para eleger seus novos representantes para o restante do período de mandato.

A concretização de um desses cenários dependerá intrinsecamente do "timing" do julgamento do recurso pelo TSE e do momento da possível renúncia do governador para fins de desincompatibilização. A repercussão política e social de cada um desses desdobramentos é considerável, impactando a legitimidade do processo sucessório e a percepção da sociedade sobre a estabilidade institucional.

Considerações finais

A dupla vacância na chefia do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro representa um ponto crítico para a governabilidade e a estabilidade democrática. A legislação vigente, em consonância com a jurisprudência do STF, estabelece um roteiro claro para a sucessão provisória e a realização de eleições para o preenchimento dos cargos vagos. Contudo, a distinção fundamental entre vacância por razões não eleitorais e vacância por cassação de mandato eleva a complexidade da análise, alterando as regras para as eleições subsequentes.

A pendência do julgamento no TSE adiciona um elemento de imprevisibilidade ao panorama político fluminense. A decisão do Tribunal, seja ela pela manutenção ou pela cassação dos mandatos, terá repercussões diretas sobre quem assumirá o comando do Estado e como o restante do mandato será preenchido. A transparência e a celeridade dos processos judiciais, nesse contexto, são cruciais para a segurança jurídica e a confiança da população nas instituições.

Por derradeiro, a análise aprofundada da dupla vacância no Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro sublinha a importância de um sistema jurídico robusto e de uma interpretação coerente das normas constitucionais e eleitorais. A garantia de uma transição ordenada e democrática, independentemente das circunstâncias que levem à vacância, é essencial para a República e para a efetividade do modelo de democracia representativa.

_______________

1 RIO DE JANEIRO. Constituição do Estado do Rio de Janeiro, de 05 de outubro de 1989. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constest.nsf/PageConsEst?OpenPage (Acesso em 12/06/2025).

"Art. 141. Em caso de impedimento do Governador e do Vice-Governador, ou de vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da chefia do Poder Executivo o Presidente da Assembleia Legislativa e o Presidente do Tribunal de Justiça."

"Art. 142. Vagando os cargos de Governador e de Vice-Governador do Estado, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período governamental, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pela Assembleia Legislativa, na forma da lei.

§ 2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores."

2 Deputados aprovam, em plenário, indicação de Thiago Pampolha para Conselheiro do TCE-RJ. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ. Publicações. Notícias. 21/05/2025. Disponível em: https://www.alerj.rj.gov.br/Visualizar/Noticia/76016 (Acesso em 12/06/2025).

3 STF invalida regras sobre vacância de cargos de governador e vice-governador nos últimos anos de mandato. Supremo Tribunal Federal. Mais notícias. 25/08/2022. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-invalida-regras-sobre-vacancia-de-cargos-de-governador-e-vice-nos-ultimos-anos-de-mandato/ (Acesso em 12/06/2025)

4 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. ADI 7085, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Tribunal Pleno, julgado em 24-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-03-2025 PUBLIC 06-03-2025. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur524117/false (Acesso em 12/06/2025).

5 Idem.

6 TRE-RJ julga improcedente pedido de cassação do governador Cláudio Castro. Notícias. 27/05/2024. Disponível em: https://www.tre-rj.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Maio/tre-rj-julga-improcedente-pedido-de-cassacao-do-governador-claudio-castro (Acesso em 12/06/2025).

7 BRASÍLIA. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta Pública Unificada. Processo 0606576-54.2022.6.19.0000. Relatoria da Min. Isabel Gallotti. Disponível em: https://consultaunificadapje.tse.jus.br/#/public/resultado/0606576-54.2022.6.19.0000 (Acesso em 12/06/2025).

8 BRASIL. Código Eleitoral. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Disponível em: https://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/codigo-eleitoral-1/codigo-eleitoral-lei-nb0-4.737-de-15-de-julho-de-1965 (Acesso em 12/06/2025):

"Art. 224. (...)

§ 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

§ 4o A eleição a que se refere o § 3o correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:

I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato;

II - direta, nos demais casos"(destacamos)

Gabriel Rangel

Gabriel Rangel

Doutorando em Direito (UFF), Mestre em Direito (UNESA), Pós-graduado em Direito Público e Privado (EMERJ), e Eleitoral (IDP), advogado público e privado. e-mail: [email protected]

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