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Agentes públicos podem ser afastados de suas funções pelos TCEs?

Os Tribunais de Contas podem afastar cautelarmente agentes públicos de suas funções administrativas para resguardar o interesse público?

terça-feira, 17 de junho de 2025

Atualizado às 11:48

Reportagem veiculada no programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, do último domingo dia 8/6/25 abordando a precariedade das condições de ensino numa escola rural na comunidade "Limoeiro" situada no município de Bujari/Acre desperta e reacende um importante debate jurídico frente a um relevante questionamento: Agentes públicos podem ser afastados cautelarmente de suas funções administrativas pelo Tribunal de Contas? Decerto que sim, pois a legislação Federal, aplicada de forma supletiva nos âmbitos estaduais, assim o permite, seja (primeiramente) para assegurar a preservação da ordem pública e da instrução processual seja (posteriormente) para garantir aplicabilidade e eficácia prática às decisões exaradas pelas Cortes de Contas.

Interpretando-se os arts. 44, 60 e 61 da lei Federal 8.443/92 (lei orgânica do TCU - Tribunal de Contas da União), denota-se que há autorização legislativa que confere competência expressa ao TCU e, por analogia e em extensão, também aos TCEs - Tribunais de Contas dos Estados para que tais Cortes - por intermédio do exercício de um «poder geral de cautela» aplicável em específicos e excepcionalíssimos casos concretos - possam impor afastamentos cautelares imediatos de agentes públicos com o propósito de proteger bens jurídicos tutelados dos administrados/jurisdicionados que estejam sob a guarida e responsabilidade constitucional de plena efetivação e concretização por parte da Administração Pública em sentido lato sensu, em especial em situações que busquem evitar práticas que causem danos ao erário (efetivos ou potenciais e iminentes).

A jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem como a do próprio TCU confirmam, através de inúmeros precedentes (cf. v.g. STF: MSs 24.510/DF e 33.092, SS 5658/CE, ARE: 1306779/RJ; STJ: RMS: 56007/RJ, RE nos EDcl no RMS: 59078/RJ; TCU: acórdãos 81/22, 3172/20, 27/18), esse amparo, essa legitimidade e habilitação das Cortes de Contas de aplicarem, após provocação do Ministério Público de Contas ou mesmo de ofício, algumas das possíveis medidas cautelares excepcionais no cumprimento de seu mister constitucional de tutela do patrimônio e das finanças públicas quando presentes cumulativamente grave risco, urgência e necessidade de preservar a integridade da coisa pública (res publica), a fruição mínima de direitos coletivos/difusos amparados em políticas públicas efetivadas e/ou em curso, como também a eficácia de suas próprias decisões, sem implicar em substituição da função judiciária jurisdicional.

Isso porque é função precípua e finalística dos Tribunais de Contas, no espectro de suas competências e atribuições constitucionais, atuar no sentido (preventivo e corretivo) de evitar a consumação de possíveis ilegalidades detectadas em contratos e na execução de recursos vinculados a efetivação e materialização de direitos através de programas governamentais e demais diretrizes normativas voltadas a concretização de políticas públicas (cf. teoria do poder implícito - art. 71 CF/88).

A despeito dos posicionamentos jurídicos e políticos que legitimamente possam advir do embate técnico, institucional e meritório quanto à (i)legalidade, à (i)legitimidade e sobre eventuais excessos de poder oriundos dos efeitos dessas medidas cautelares administrativas impostas pelos TCEs, a questão é que, no plano de fundo (não jurídico), no mundo real das circunstâncias e situações do cotidiano social, tais medidas extremas por parte do órgão auxiliar de controle externo do Poder Legislativo, quando responsavelmente utilizadas segundo os critérios legais admissíveis, não apresentam-se, a meu sentir, como afrontas interinstitucionais ou disputas inerentes a um mero "jogo de poder".

Pelo contrário, afiguram-se (no mais das vezes) como fatos geradores de uma necessária e oportuna cooperação dialógica que deve surgir e imperar entre as autoridades e poderes constituídos na busca da realização do bem comum e dos interesses públicos a partir dos acontecimentos retratados.

Ao invés de uma malsinada ruptura e aparente afronta por conta da defesa de posições técnicas, políticas e administrativas confrontantes, porém ao mesmo tempo respeitáveis e legítimas, tais situações excepcionais geram (em verdade) a necessidade de uma pronta união de esforços e desígnios para uma atuação conjunta, cooperada e sinérgica voltada à mudança de uma realidade nua e crua que emerge do "tecido social" - no caso: a precariedade de condições de funcionamento de uma escola rural pública num rincão da Amazônia - e que acaba, não raro, por fim, espelhando um problema que deve ser corrigido, evitado e extirpado, por inaceitável.

Uma Administração consertada e dialógica fundada na parceria e no compromisso mútuo dos atores públicos e sociais (stakeholders) para a resolução da problemática deve prevalecer frente a uma infrutífera e incabível "queda de braços" entre autoridades públicas que, acaso continuem a atuar em disruptura e dissenso público fundado na mera convicção de defesa pura e simples de suas bases e piquetes, em nada contribuem para transformar os contextos econômicos-sociais da sociedade e, sobretudo, daqueles que mais precisam.

Oxalá essas crianças estudantes e sonhadoras do "Limoeiro" (e outras tantas na mesma situação) tenham um futuro melhor e promissor propiciados pelo esforço conjunto de todos, a começar pela Administração Pública, órgãos fiscalizadores e por nossas autoridades constituídas. É isso que o povo e o Brasil esperam!

Hilário de Castro Melo Júnior

VIP Hilário de Castro Melo Júnior

Advogado, Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca, MBA em Governança Pública e Gestão Administrativa, Professor Adjunto UFAC, Desembargador Eleitoral TRE/AC (jurista), Consultor jurídico.

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