Caso da tentativa de golpe de Estado: Garantias democráticas aos acusados?
Análise crítica do julgamento e da audiência no caso do núcleo 1 da tentativa de golpe de Estado à luz do processo penal constitucional.
segunda-feira, 30 de junho de 2025
Atualizado às 08:40
Na última semana, o Brasil parou para assistir ao julgamento do núcleo 1 da tentativa de golpe que culminou no fatídico Dia 8 de Janeiro, sessão em que foram ouvidas as testemunhas de acusação, de defesa e colhidos os interrogatórios dos réus.
Por ter contornos políticos muito claros e bem definidos, a maioria das pessoas externou suas impressões acerca do julgamento a partir de suas próprias convicções ideológicas.
Para além de todas as questões que adentram na seara política, enquanto advogados e defensores intransigentes do devido processo legal, direitos e garantias fundamentais de todo investigado e acusado, base do Estado Democrático de Direito, não é possível conceber um julgamento que deixe de lado as regras processuais e de dogmática penal mais basilares em nome do pretenso combate a um mal maior.
O respeito às normas processuais e procedimentais, a certeza de que o rito previsto para o julgamento de cada réu foi observado, de que há uma separação entre a figura do acusador e do juiz, de que houve o efetivo exercício da defesa substancial e combativa, de que a ela foi dada a oportunidade de influenciar de fato o resultado final do processo é o que, em última análise, legitima o sistema de justiça criminal e a pena de prisão.
Sem o exercício regular do direito à defesa e o respeito às regras do jogo, o Direito Penal vira mero arbítrio, instrumento de vingança privada e mecanismo de manifestação de poder a serviço de interesses pessoais.
Além de todo debate há anos travados acerca da competência esponja do STF, da (i)legalidade na instauração de inquérito policial de ofício, da (im)parcialidade do ministro relator Alexandre de Moraes e de alguns outros ministros da Corte, da (im)possibilidade de um magistrado ser paradoxalmente vítima "mediata" de um crime e julgador do seu algoz, da violação ao sistema acusatório pela centralização da produção probatória nas mãos do juiz, que o conduz à figura de protagonista e juiz-ator, o que vimos nos últimos dias foi um completo desvirtuamento dos preceitos básicos e fundantes do processo penal constitucional.
Sem retomar a discussão das diversas ilegalidades já tão debatidas, no momento em que o STF, guardião da CF/88, na figura de seus ministros, determina que 1) todas as perguntas deverão ser dirigidas ao juiz e 2) vai insistir em realizar perguntas a um réu que optou por exercer o Direito constitucional ao silêncio, o magistrado da nossa Suprema Corte deixa a condição de mero julgador espectador e passa a ocupar o lugar de protagonista, de juiz-inquisidor-ator, que busca apenas confirmar a verdade já preestabelecida na sua mente. Perde lugar e esvazia-se por completo o papel da defesa de antítese, de contraposição à tese da acusação.
Não por outra razão a lei de abuso de autoridade proíbe a atuação do juiz como se acusador-inquisidor fosse quando prossegue com o interrogatório de réu que decidiu exercer o direito constitucional ao silêncio, sob pena de responder pelo crime de abuso de autoridade na sua modalidade equiparada, previsto no art. 15-A da lei 13.869/19. Sem dúvidas, essa forma de agir já tem sido objeto de críticas e acalorados debates.
Diferentemente da Lava-Jato em que as arbitrariedades e ilegalidades foram revisadas em segunda instância e nos tribunais superiores, quando o próprio STF viola os mais comezinhos princípios do processo penal democrático - colidindo com entendimento pacífico do STJ e até mesmo do Supremo no julgamento reclamação 39.449/RJ -, essa postura deságua do topo da pirâmide para baixo, inclusive no 1º grau, criando um precedente perigoso e trazendo consequências desastrosas para o direito de defesa.
Os reflexos das arbitrariedades no julgamento da tentativa de golpe de Estado não se limitam a uma meia dúzia de conspiradores, mas abrem a possibilidade e probabilidade para que os mesmos expedientes sejam utilizados contra todos aqueles sujeitos ao sistema de justiça criminal.
Como sempre nos lembra Aury Lopes Jr., as regras do jogo valem para quem a gente gosta, mas principalmente para quem a gente não gosta. E o preço de defender o respeito às regras do jogo democrático não é outro senão a coerência.


