Regular plataformas digitais ameaça a liberdade?
Regular plataformas digitais é a solução para problemas virtuais?
sábado, 21 de junho de 2025
Atualizado em 20 de junho de 2025 13:27
As plataformas digitais transformaram-se na ágora do século XXI, um espaço sem precedentes para o debate público e a disseminação de informações. Contudo, essa mesma arquitetura que democratizou a comunicação revelou-se um terreno fértil para a proliferação de desinformação, discursos de ódio e ataques coordenados às instituições democráticas. Diante desse cenário, surge um dos mais intrincados dilemas jurídicos e políticos da atualidade: a necessidade de regular tais ambientes para proteger a sociedade e a democracia, sem, contudo, violar o direito fundamental à liberdade de expressão.
O argumento em favor da regulação se ampara no dever do Estado de zelar pela estabilidade democrática, pela saúde pública e pela proteção da honra e da imagem dos cidadãos, direitos igualmente com estatura constitucional. Seus defensores sustentam que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e não pode servir de escudo para a prática de crimes, como a calúnia, a difamação, a incitação à violência ou a orquestração de campanhas de desinformação que visam corroer a confiança no processo eleitoral. A ausência de regras claras, argumenta-se, cria um vácuo de responsabilidade onde as plataformas, movidas por lógicas de engajamento, lucram com a viralização de conteúdos nocivos sem arcar com as externalidades negativas de seus modelos de negócio.
Por outro lado, a perspectiva de uma regulação estatal sobre o que pode ou não ser dito acende um forte alerta sobre o risco de censura e de coibição do dissenso político. Críticos de uma legislação mais incisiva temem que a criação de mecanismos para controlar a "desinformação" possa ser instrumentalizada por governos para silenciar opositores, jornalistas e cidadãos, criando um perigoso "efeito silenciador" (chilling effect), onde o medo da punição inibe o debate livre. A dificuldade em se definir objetivamente o que é "desinformação", sem incorrer na criação de um "ministério da verdade", é o ponto mais sensível e perigoso dessa discussão.
A solução para este impasse não parece residir em uma escolha binária entre a anomia digital e o controle estatal do conteúdo, mas na construção de um marco regulatório que foque nas responsabilidades procedimentais das plataformas, e não na avaliação do mérito de cada publicação. Propostas nessa linha sugerem a imposição de deveres de transparência sobre algoritmos de recomendação e moderação, a exigência de políticas claras e de um devido processo para o usuário (notificação, direito de recurso), e a responsabilização civil das empresas por falhas em remover conteúdos manifestamente ilegais após notificação judicial. Essa abordagem, em tese, fortalece a accountability das plataformas sem transformar o Estado em árbitro da verdade.
Conclui-se que a questão não é "se" as plataformas digitais devem ser reguladas, mas "como" fazê-lo de forma compatível com os preceitos de uma sociedade democrática. A inércia é insustentável, mas uma regulação apressada ou mal formulada pode ser ainda mais danosa. O desafio do legislador é criar um arcabouço normativo que mitigue os riscos sistêmicos da desinformação e do ódio, aumentando a transparência e a responsabilidade das plataformas, ao mesmo tempo em que erige salvaguardas robustas para proteger o núcleo essencial da liberdade de expressão, pilar indispensável de qualquer democracia digna desse nome.


