Reforma tributária 29: SAF e o dono da bola
O artigo aborda a SAF é sua tributação no Brasil.
segunda-feira, 30 de junho de 2025
Atualizado às 08:43
Recentemente, a programação televisiva da TV aberta transmitiu o Mundial de Clubes de Futebol com o objetivo de popularizar o esporte em um dos poucos países que ainda oferecem certa resistência ao esporte: os Estados Unidos.
O futebol, que há décadas movimenta milhões, deixou de ser uma mera diversão das massas para se transformar num negócio bilionário, é por isso também passou a ter um tratamento tributário especial. Na reforma tributária brasileira e um pouco antes, pela legislação da SAF - Sociedade Anônima de Futebol, as operações dos clubes em seu formato novo, passaram a ser tributadas.
Além das partidas em si, o setor movimenta fortunas por meio de patrocínios, direitos de transmissão e, mais recentemente, das apostas esportivas. O foco deste artigo é a SAF, sem adentrar novamente no debate sobre a tributação das apostas, tema já abordado em artigos anteriores.
1. O que é a SAF?
A SAF foi criada pela lei 14.193/21, sancionada em 6 de agosto de 2021. Trata-se de um novo regime jurídico que permite aos clubes de futebol se transformarem em empresas, com o objetivo de atrair investimentos, profissionalizar a gestão e modernizar a administração dos clubes brasileiros.
Principais aspectos da lei 14.193/21:
- Criação da SAF: Institui a Sociedade Anônima do Futebol como um tipo específico de empresa, com regras próprias;
- Transformação: Estabelece os procedimentos para que clubes associativos migrem para o modelo de SAF;
- Governança e transparência: Regras de compliance, prestação de contas e governança corporativa passam a ser obrigatórias;
- Tratamento dos passivos: Permite a reestruturação de dívidas, inclusive as de natureza trabalhista e previdenciária;
- Regime tributário específico: Criação de um modelo fiscal diferenciado para incentivar a adesão ao novo formato.
2. Tributação incidente sobre a SAF
A SAF, quando regularmente constituída nos termos da lei 14.193/21, está sujeita ao regime de TEF - Tributação Específica do Futebol, que incide sobre:
I - IRPJ - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas;
II - Contribuição para o PIS/Pasep;
III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);
IV - Cofins;
V - Contribuições Previdenciárias (art. 22 da lei 8.212/1991)
A contribuição previdenciária da associação desportiva que mantém equipe de futebol profissional corresponde a 5% da receita bruta, considerando receitas de espetáculos desportivos, patrocínios, licenciamento de marcas, publicidade, propaganda e direitos de transmissão.
Além disso, pela sua natureza empresarial, a SAF também está sujeita a outros tributos incidentes sobre o mercado financeiro e de capitais:
- IOF - Imposto sobre Operações Financeiras;
- Imposto de Renda sobre aplicações financeiras (fixa ou variável);
- Imposto de Renda sobre ganho de capital em alienações de bens;
- FGTS;
- Imposto de Renda Retido na Fonte sobre pagamentos a pessoas físicas;
- Demais contribuições sociais sobre a folha, inclusive para o Sistema S (conforme art. 240 da CF/88).
Historicamente, os clubes brasileiros acumularam dívidas milionárias, muitas de natureza trabalhista e previdenciária. A criação da SAF buscou criar um ambiente mais transparente e atrativo para investidores, além de viabilizar a captação de recursos por meio da emissão de títulos.
Os seguintes estados têm SAF:
- AM: Amazonas e Sete FC;
- BA: Bahia e Fluminense de Feira
- CEF: Fortaleza e Tirol
- DF: Brasiliense e Capital
- ES: Nova Venécia e Rio Branco
- GO: Atlético-GO, Centro Oeste e Grêmio Anápolis
- MT: Cuiabá
- MG: América-MG, Athletic Club, Atlético-MG, Boston City FC, Coimbra, Cruzeiro, Ipatinga, Itabirito e Pouso Alegre
- PB: CSP
- PR: Araucária, Azuriz, Cianorte, Coritiba, Foz do Iguaçu, Galo Maringá, Londrina, Maringá, Paranavaí e PSTC
- PE: Flamengo de Arcoverde (encerrou as atividades em 2024)
- RJ: Boavista, Botafogo e Vasco
- RN: América-RN, Clube Laguna, Quinho e Rio Grande
- RS: Futebol com Vidai
- RR: Monte Roraima
- SC: Figueirense, Hercílio Luz e Tubarão
- SP: América-SP, Botafogo-SP, Capivariano, EC São Bernardo, Ferroviária, Inter de Limeira, Ituano, Linense, Monte Azul, Novorizontino, Primavera, São Bento, São Bernardo e São José EC
- SE: Falcon
- TO: Capital FC
Além dos times já estruturados, outros estão em processo de adoção da SAF, como o Santa Cruz em Pernambucano com proposta de 1 bilhão. O Náutico pode seguir o mesmo caminho.
3. A tributação da SAF na LC 214/25
A LC 214/25, que regulamenta aspectos da reforma tributária, aborda a tributação das SAFs a partir do art. 292.
Segundo o art. 293, §3º, a base de cálculo do pagamento mensal unificado dos tributos inclui a totalidade das receitas mensais, abrangendo, entre outras:
I - Prêmios e programas de sócio-torcedor;
II - Cessão dos direitos desportivos dos atletas;
III - Cessão de direitos de imagem;
IV - Transferências de atletas para outras entidades desportivas.
As alíquotas do Regime Unificado são:
- 4% para os tributos federais unificados;
- 1,5% para a CBS;
- 3% para o IBS, sendo dividido igualmente entre Estado e município (1,5% para cada).
A SAF poderá apropriar e utilizar créditos de IBS e CBS apenas nas operações de aquisição de direitos desportivos de atletas. Por outro lado, os adquirentes de bens e serviços fornecidos pela SAF não poderão apropriar créditos desses tributos, salvo na aquisição desses direitos desportivos.
O valor recolhido no pagamento mensal unificado será distribuído internamente entre os tributos federais da seguinte forma:
- 43,5% para o IRPJ;
- 18,6% para a CSLL;
- 37,9% para as contribuições previdenciárias (art. 22 da lei 8.212/1991).
Alguns pontos da nova legislação chamam atenção:
- Importação de direitos desportivos de atletas: Incidirá IBS e CBS.
- Exportação de direitos desportivos: Quando cedidos a residentes no exterior, será considerada exportação para fins de imunidade do IBS e CBS, conforme prevê a Constituição.
4. Conclusão
A SAF representa um marco na profissionalização da gestão dos clubes de futebol no Brasil. Desde a profissionalização do futebol, no século XX, já se percebia que o esporte extrapolava a esfera da mera recreação. Hoje, o futebol é uma verdadeira indústria de entretenimento e negócios, com impactos relevantes sobre o mercado de trabalho, a mídia e o setor financeiro.
Para os interessados na história da transformação do futebol de um esporte elitizado para um fenômeno global de massas, uma boa dica é a série "O Jogo Inglês", que retrata a profissionalização do futebol na Inglaterra no século XIX.
A reforma tributária brasileira, ao criar regimes específicos como o SAF e prever tratamento diferenciado na LC 214/25, reconhece essa realidade, buscando equilibrar a arrecadação fiscal com a necessidade de sustentabilidade financeira do setor.
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BRASIL. Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. Institui a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e dispõe sobre normas de constituição e governança. Diário Oficial da União, Brasília, 2021.
BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 2025. Regulamenta o IBS, a CBS e estabelece o regime especial de tributação para clubes de futebol organizados como SAF. Diário Oficial da União, Brasília, 2025.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
CASTRO, Eduardo. Tributação do Futebol no Brasil: Regimes e Reformas. Revista Brasileira de Direito Tributário, v. 47, 2024.
Série Netflix: "O Jogo Inglês" (The English Game). Direção: Julian Fellowes. 2020.


