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Reforma tributária 32: Medicamentos, itens médicos e outros

O artigo aborda os itens de saúde com redução de alíquotas e alíquotas zero.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Atualizado às 13:37

1. Sistemática das previsões com redutores de alíquotas

Os serviços médicos e demais serviços de atendimento à saúde, constantes no anexo III da LC 214/25, possuem redução de 60% sobre a soma das alíquotas do IBS municipal, do IBS estadual e da CBS. Estão incluídos nessa previsão serviços odontológicos, fisioterapias, terapias ocupacionais, exames laboratoriais, exames de imagem, entre outros.

Além dos serviços, os dispositivos médicos também possuem redução de alíquotas, podendo ser de 60% ou de 100% (alíquota zero), a depender do anexo em que estão listados. O anexo IV da LC 214/25 prevê a redução de 60% para itens como cateteres, marca-passos, grampos cirúrgicos, aparelhos para hemodiálise, bolsas de drenagem e outros insumos médicos. Já o anexo XII contempla os dispositivos com alíquota zero, como aparelhos de raio laser, ultrassonografia e tomografia computadorizada - equipamentos de uso prolongado e que muitas vezes integram o ativo imobilizado de estabelecimentos de saúde.

Equipamentos de acessibilidade também são contemplados com alíquota zero, conforme o Anexo XIII. Entre os exemplos, destacam-se aparelhos auditivos, cadeiras de rodas e outros acessórios. Ressalta-se que, por força do princípio da legalidade tributária, as aquisições devem observar estritamente os itens listados, visto que os redutores de alíquotas devem ser interpretados de forma restritiva.

Ainda no campo da saúde, a alimentação enteral e parenteral, bem como alimentos destinados a pessoas com erros inatos do metabolismo - como fórmulas para intolerância alimentar - estão incluídos entre os itens com redução de 60%, conforme o anexo VI. Uma parte considerável de vitaminas e suplementos também integra essa listagem.

A lista de medicamentos, por sua vez, está estruturada com base nos princípios ativos, prevista no anexo XIV, com 383 descrições. Nota-se que o NCM/SH contempla diversas hipóteses do código 3004, incluindo também as vacinas classificadas no 3002. O legislador da LC 214/25 optou por um detalhamento técnico preciso, incluindo a classificação fiscal dos itens.

2. Como devemos interpretar essas listas?

A principal questão é de ordem interpretativa. A princípio, as deduções devem ser interpretadas de forma restritiva, nos termos do art. 111 do CTN, que exige interpretação literal para isenções, suspensões, exclusões do crédito tributário e benefícios fiscais.

Contudo, é possível que o Poder Judiciário adote interpretação teleológica e sistemática, considerando a finalidade da norma. Seria recomendável que o detalhamento técnico das listas fosse realizado por meio de decreto do Poder Executivo ou portaria da ANVISA, evitando a necessidade de revisão da LC 214/25 - que exige quórum qualificado - para alterações pontuais, como a inclusão de uma substância ou equipamento.

A técnica legislativa adotada - com excesso de normas com status de lei complementar - gera insegurança jurídica. Exemplo disso é a recepção parcial do CTN pela Constituição de 1988, que manteve parte de seus dispositivos como norma de lei complementar e outros como ordinária, dependendo da matéria tratada.

3. Novo entendimento do STF sobre medicamentos fora da lista do SUS

O STF, ao julgar o Tema 6, entendeu ser possível a concessão judicial de medicamentos ainda não autorizados pela ANVISA. No Tema 1234 (RE 1.366.243), foi firmado um acordo estrutural entre União, Estados e municípios, com o objetivo de criar uma plataforma nacional para a gestão dos pedidos de medicamentos, com vistas à eficiência, padronização e à redução da judicialização.

Essa plataforma estabelece critérios para concessão excepcional de medicamentos, mediante comprovação cumulativa de que:

  • O remédio foi negado pelo órgão público competente;
  • A decisão da Conitec pela não inclusão do medicamento nas listas do SUS seja ilegal, inexistente ou excessivamente demorada;
  • Não haja medicamento substituto disponível no SUS;
  • Exista evidência científica de segurança e eficácia;
  • O medicamento seja indispensável ao tratamento;
  • O solicitante não tenha condições financeiras de arcar com o custo.

4. O que fica de fora

Fica claro que o intuito do legislador foi conferir transparência e objetividade às hipóteses de redução de alíquota, restringindo a competência normativa dos entes subnacionais. A EC 132/25 centraliza o poder de legislar sobre essas hipóteses na esfera federal, retirando, na prática, a autonomia dos Estados e municípios nesse aspecto.

Com isso, as longas listas devem ser interpretadas como taxativas, e alterações nelas só deveriam ocorrer por meio de lei complementar. Contudo, isso não impede o Judiciário de se manifestar, como demonstra a ADI 7790, proposta pela ANAPCD - Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência, que questiona as restrições da LC 214/25 quanto à aquisição de veículos por PCD - pessoas com deficiência.

Portanto, embora o Judiciário deva, a princípio, respeitar a literalidade das listas, a judicialização permanece possível, em especial nas hipóteses de omissão ou desproporcionalidade.

Conclusão

  • As longas listas de procedimentos, medicamentos e itens constantes nos anexos da LC 214/25 têm natureza taxativa;
  • Devem ser interpretadas como restrições a outras hipóteses não previstas, exigindo norma de lei complementar para inclusão de novos benefícios;
  • A EC 132/25 ampliou o escopo de regulamentação via leis complementares, restringindo a possibilidade de uso de normas ordinárias ou portarias para regular essas matérias;
  • O STF terá papel central ao decidir a ADI 7790, definindo se o sistema de benefícios será fechado (taxativo) ou aberto (interpretativo).

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 out. 1966.

BRASIL. Emenda Constitucional n.º 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 20 dez. 2023.

BRASIL. Lei Complementar n.º 214, de 2025. Regulamenta o art. 9.º da Emenda Constitucional n.º 132/2023, dispondo sobre o IBS, a CBS e a estrutura de alíquotas. (publicação fictícia para fins acadêmicos).

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Recurso Extraordinário (RE) n.º 1366243 - Tema 1234. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 28 jun. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 7790. Proposta pela Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência - ANAPCD. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 28 jun. 2025.

Rosa Freitas

VIP Rosa Freitas

Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, advogada, professora universitária, Servidora pública, , palestrante e autora do livros "A nova Dogmática da tributação.dos Serviços no Brasil" e outros.

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