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Cuidados na negociação de contratos de construção de infra-estrutura

Júlio César Bueno title=Júlio César Bueno e Leonardo Miranda da Silva

A partir de meados da década de 90, a atividade econômica nos mercados emergentes passou a ser orientada, em grande parte, a projetos de infra-estrutura, que poderiam otimizar o escoamento de produção agrícola, melhorar a malha viária das grandes cidades, beneficiar a atividade exportadora, etc.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Atualizado em 9 de agosto de 2007 09:34


 

Cuidados na negociação de contratos de construção de infra-estrutura

Júlio César Bueno*

Leonardo Miranda da Silva*

 

1. Introdução

A partir de meados da década de 90, a atividade econômica nos mercados emergentes passou a ser orientada, em grande parte, a projetos de infra-estrutura, que poderiam otimizar o escoamento de produção agrícola, melhorar a malha viária das grandes cidades, beneficiar a atividade exportadora, etc.

Nesse sentido, diversos novos arranjos jurídicos passaram a ser discutidos e regulamentados, sendo que, no âmbito dos projetos de infra-estrutura, notadamente nas obras de maior porte, provavelmente o melhor exemplo são as chamadas parcerias público-privadas ou "PPPs".

Esses projetos, seja via discussão de PPPs ou na atividade exclusivamente privada, deram ainda mais escala a uma modalidade contratual bastante tradicional - a empreitada global - que, por força de diversas adaptações e sofisticações por influência do mercado internacional, passou a atender pela sigla "EPC", que significa Engineering, Procurement and Construction. Essa modalidade é normalmente utilizada em caso de obras de maior vulto, e nelas se regula também, de modo geral, as disposições que evidenciam a aplicação da maior parte dos recursos obtidos via financiamento de projeto1.

Por essa e outras razões, a boa negociação dos contratos de construção - em especial dos EPCs - deve ser considerada como essencial ao sucesso do projeto, posto que qualquer problema na fase de construção que não possa ser rapidamente remediado, traz riscos à continuidade do projeto e às perspectivas de fluxos de caixa com a operação do projeto. Algumas das cláusulas essenciais ao bom andamento do contrato de construção são indicadas a seguir, numa visão bastante sintética.

2. Escopo

A primeira precaução a ser tomada pelas partes é o correto delineamento do escopo contratual. Nesse sentido, vale destacar que o Código Civil (clique aqui) estabelece, por exemplo, que a obrigação do empreiteiro de fornecer materiais deve estar expressa em contrato - ou prevista em lei -, sob pena de não poder ser exigido pelo dono da obra esse fornecimento (art. 610 §1º).

Similarmente, se as partes pretendem contratar o projeto da obra e a sua execução - ou design and build -, devem cuidar para que esse escopo esteja claro no contrato, pois de outra forma o dono da obra não poderá exigir do projetista da obra a sua execução. O mesmo se aplica no caso das partes desejarem que o projetista da obra supervisione a sua execução.

Por outro lado, se o projeto for concebido pelo dono da obra ou por terceiro, as partes devem discutir se o empreiteiro deverá rever o projeto e identificar quaisquer irregularidades ou pontos que mereçam esclarecimentos - conhecidos como consistency checks - e, neste caso, renunciar - expressa ou implicitamente - ao direito de imputar qualquer falha no cumprimento do contrato a erros de projeto.2 Ainda, se o empreiteiro deve executar a obra tomando o projeto como lhe for entregue, normalmente chamado como as it is.

A definição precisa do escopo determinará, ainda, o alcance do direito do dono da obra de rejeitá-la, por estar em desacordo com as especificações acordadas (art. 615).

3. Garantias pela solidez e segurança da obra

No campo específico do direito da construção, além das regras gerais de responsabilidade por culpa e das disposições contratuais individuais aplicáveis, porque aceitas entre as partes, o Código Civil de 2002, no seu artigo 618, parágrafo único, estabeleceu um prazo de garantia para as hipóteses de solidez e segurança da obra, que representa um critério quasi objetivo de responsabilização do empreiteiro "durante o prazo irredutível de cinco anos". Nesse caso, presume-se a responsabilidade do empreiteiro em questões de solidez e segurança da construção durante o prazo previsto, de cinco (5) anos a contar da sua entrega. A partir desse prazo o ônus da prova transfere-se ao contratante. In verbis:

"Artigo 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro, empreiteiro de materiais e execução, responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito."

Vale dizer que o artigo 618 do Código Civil de 2002 baseia-se no artigo 1.245 do antigo Código Civil de 1916. In verbis:

"Artigo 1.245. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra."

Numa comparação entre os dois artigos, observamos que o artigo 618 do Código Civil de 2002 aumentou, de forma significativa, a responsabilidade do empreiteiro, ao tornar irredutível o prazo da garantia qüinqüenal, antes passível de ajuste contratual segundo entendimento dominante, e ao suprimir a ressalva legal quanto às condições do solo, que poderia eximir a responsabilidade do empreiteiro que as denunciasse. Assim, com o novo Código Civil de 2002, o empreiteiro não mais se exime da responsabilidade quanto ao solo, ainda que tenha advertido o dono da obra, podendo, se for o caso, até mesmo recusar-se a executá-la.

Dessa maneira, pelo regime da responsabilidade presumida ou quasi objetiva estabelecida no Código Civil de 2002 o empreiteiro deverá provar, a fim de eximir-se do pagamento da indenização pelos danos sofridos pelo dono da obra, a existência das chamadas excludentes de antijuridicidade, classificadas em: caso fortuito, força maior, culpa exclusiva do adquirente e fato de terceiro. Citem-se como exemplos de excludentes de antijuridicidade os acontecimentos inesperados da natureza (tempestades, enchentes, etc.), danos causados pelo próprio proprietário ou terceiro, desgaste natural do imóvel, etc. Nos casos em que o empreiteiro não for capaz de provar alguma excludente de antijuridicidade, ele responderá pela indenização aos danos sofridos pelo proprietário-adquirente ocorridos em função da ausência de solidez, segurança e inadequação da habitabilidade do imóvel.

No entanto, a despeito da orientação nitidamente protecionista que inspirou as alterações ao artigo 618 do Código Civil de 2002, não se pode perder de vista que a norma legal estabelece uma responsabilidade excepcional, e, como tal, aplicável somente às situações que conjuguem os requisitos específicos previstos em lei, a saber: ao contrato de empreitada com fornecimento simultâneo de materiais e mão-de-obra; nas construções de grande vulto; e quando o defeito ou falha da construção ameaçar a solidez e segurança da obra.

4. Aceitação dos trabalhos

Os contratos de construção, mormente os de maior projeção, normalmente contêm cláusula regulando o mecanismo pelo qual o dono da obra aceitará os trabalhos executados. A relevância dessa cláusula está relacionada, dentre outros fatores, à transmissão da propriedade do evento medido3 e aceito pelo dono da obra, o que, via de conseqüência, normalmente inicia a contagem dos períodos de garantia, contratual e legal.

Em geral, os contratos estabelecem um mecanismo de "aceitação provisória" - provisional acceptance - do trabalho. A aceitação provisória possibilita a operação do empreendimento pelo dono da obra, quando, então, eventuais não conformidades devem ser corrigidas pelo empreiteiro. Após esse período de aceitação provisória, tendo sido contornadas as pendências apontadas na aceitação provisória, o dono da obra deve emitir o chamado "certificado de aceitação final".

Vale destacar, ainda, que no tocante à medição/aceitação, as partes devem atentar para a novidade introduzida no Código Civil com a sua reforma em 2002, que passou a determinar que, havendo medição, o dono da obra deve denunciar quaisquer irregularidades no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena do item medido ser considerado como verificado pelo dono da obra (art. 614, §2º).

5. Pagamento

No âmbito da negociação sobre o pagamento pelos trabalhos, uma das questões mais importantes que as partes deverão estabelecer, é quando será devido o pagamento ao empreiteiro. É bastante comum haver fases de testes, pré-comissionamento e comissionamento, referidas acima, das instalações construídas, somente após as quais o dono da obra - ou empresas especializadas - emite um certificado de aprovação e aceitação das instalações, conforme comentado no item anterior. Nesse sentido, o que as partes deverão acordar é em que momento o pagamento será devido.

Relaciona-se ao pagamento, ainda, a forma de contratação em face da natureza da obra, ou seja, se em partes distintas ou como um conjunto único. A maior dificuldade está no primeiro caso, pois as partes deverão atentar para o fato de que o Código Civil estabelece que as partes da obra que tiverem sido pagas serão presumidas como verificadas pelo dono da obra. E no caso de contratação por medidas parciais - chamadas de milestones nos contratos anglo-saxões -, se as partes concordarem que haverá pagamento por cada milestone cumprido, deverão considerar que, uma vez pago, o milestone será considerado como verificado pelo dono da obra (art. 614, §1º).

Outrossim, conforme destacamos anteriormente, as partes devem atentar para o fato de que, havendo medição, o dono deve denunciar quaisquer irregularidades no prazo máximo de 30 dias, sob pena do item da obra ser considerado verificado pelo dono da obra (art. 614, §2º).

6. Outras disposições relevantes

Por fim, outras disposições igualmente relevantes que as partes deverão negociar dizem respeito, por exemplo: (i) ao prazo para completar os trabalhos - ou completion -, incluindo as hipóteses de suspensão dos trabalhos, alterações de projeto, mudanças de lei, etc.; (ii) à garantia de performance - ou performance bond -; (iii) às multas moratórias e compensatórias - ou penalties -; e (iv) à estimativa sobre perdas e danos - ou liquidated damages -, onde as partes deverão considerar se, além da limitação de valor, desejam estabelecer alguma limitação temporal para a vigência da responsabilidade (normalmente do empreiteiro) por perdas e danos, por atraso e/ou compensatórios.

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1 Nas obras de infra-estrutura de grande porte, com financiamentos em geral obtidos via sindicatos de bancos, a maior porção dos recursos costuma ser direcionada à construção do projeto, seguido da sua operação e manutenção.

2 Essas cláusulas normalmente estabelecem um prazo para que o empreiteiro possa apontar erros no projeto. Passado esse prazo, quaisquer erros identificados no projeto normalmente são remediados à custa do empreiteiro.

3 Em alguns casos, em que há aquisição de materiais para posterior montagem (assembly) mediante pagamento antecipado pelo dono da obra, o contrato prevê a transferência da propriedade dos próprios materiais, ao dono da obra.

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*Respectivamente, sócio e associado de Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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