Alguns apontamentos sobre os cadastros do imóvel rural na retificação de matrícula
Comentários sobre os cadastros do imóvel rural para procedimento de retificação da matrícula e a averbação do georreferenciamento.
quinta-feira, 3 de julho de 2025
Atualizado em 2 de julho de 2025 13:18
1. Introdução
Em breve, a partir de 21 de novembro de 2025, todos os imóveis rurais deverão ser georreferenciados, com certificação do Incra; as matrículas deverão ser retificadas no tocante à descrição, sob pena de ficarem vedados desmembramentos, parcelamentos, remembramentos e quaisquer transferências de imóvel rural.1
Os documentos exigidos para a retificação da matrícula do imóvel rural estão previstos no § 5º do art. 9º do decreto 4.449, de 2002, e são: 1. requerimento; 2. CCIR - Certificado de Cadastro do Imóvel Rural; 3. declaração do ITR - Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e a respectiva CND - Certidão Negativa de Débitos; 4. planta e memorial descritivos do perímetro do imóvel rural certificados pelo Incra; 5. ART - Anotação de Responsabilidade Técnica; 6. declaração de responsabilidade do requerente de que respeitou os limites e as confrontações, nos termos do §13 do art. 176, da lei 6.015, de 1973. Além desses documentos, é necessário o 7. recibo de inscrição no CAR - Cadastro Ambiental Rural e o respectivo Demonstrativo da Situação das Informações Declaradas no CAR.
O presente artigo visa analisar os cadastros do imóvel rural necessários para a retificação da matrícula no cartório de registro de imóveis competente.
Futuramente, em um próximo artigo, faremos alguns apontamentos sobre planta e memorial descritivos do perímetro do imóvel rural certificados pelo Sistema de Gestão Fundiária do Incra.
2. Apontamentos
2.1 CCIR - Certificado de cadastro de imóvel rural
O cadastro do imóvel rural, emitido pelo SNCR - Sistema Nacional de Cadastro Rural2, popularmente conhecido por CCIR - certificado de cadastro de imóvel rural, foi criado pelo Estatuto da Terra (lei 4.504, de 1964) e regulamentado pela IN Incra 82/15.
O CCIR é obrigatório para todos os imóveis rurais e para a realização de atos de registro no cartório de registro de imóveis3. Tê-lo vigente e atualizado é, ainda, necessário para certificação do georreferenciamento no Sigef - Sistema de Gestão Fundiária do Incra.
O imóvel rural, a ser cadastrado no Sistema Nacional de Cadastro Rural para a emissão do CCIR, deve ser aquele de área contígua, de mesma titularidade e com destinação agrária, mesmo que ele seja objeto de mais de uma matrícula4, nos termos da lei 8.629/1993.
O CCIR visa comprovar a regularidade cadastral e a classificação fundiária do imóvel rural no Incra. A classificação fundiária pode ser: pequena, média ou grande propriedade, de acordo com o número de módulos fiscais, e a propriedade pode ser: produtiva e improdutiva, nos termos da lei 8.629/1993 e IN Incra 11/13. A propriedade rural classificada como improdutiva pode ser objeto de desapropriação para fins de reforma agrária. Dessa forma, deve-se atentar no CCIR quanto a classificação fundiária do imóvel rural, independentemente da regularidade cadastral do imóvel.
As informações declaradas no CCIR são exclusivamente cadastrais e, portanto, não fazem prova de propriedade, conforme preceitua o parágrafo único do art. 3º da lei 5.868/1972.
Atualmente, a emissão do CCIR é anual, a partir de junho, mediante o pagamento de uma Taxa de Serviços Cadastrais, no sítio do Incra ou pelo aplicativo5. O CCIR vigente e quitado substitui o CCIR anterior.
A atualização do CCIR pode ser feita de forma eletrônica, via DCR - Declaração para Cadastro Rural no SNCR, no sítio do Incra ou presencialmente nas UMC - Unidades Municipais de Cadastramento, vinculadas às prefeituras municipais, nas Unidades Avançadas do Incra e nas Salas da Cidadania das Superintendências Regionais do Incra.
2.2 ITR - Imposto sobre a propriedade territorial rural
O ITR - Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural tem como fundamento legal na lei 9.393/1996, e foi posteriormente regulamentada pelo decreto 4.382/02 e disciplinada pela IN SRF 256/02.
O ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel rural (art. 1º da lei 9.393/1996). É obrigatória a inscrição do imóvel rural no Cafir - Cadastro de Imóveis Rurais, pelo contribuinte, para que seja atribuído um código específico, atualmente denominado CIB - Cadastro Imobiliário Brasileiro6 (IN RFB 2203/24). É por meio do CIB que o contribuinte poderá apresentar, anualmente, a DITR - Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural7, e recolher o devido imposto.
Apesar da declaração do ITR não ser expressamente exigida na legislação pertinente para a retificação do registro imobiliário, ela se constitui indispensável documento para a retificação, pois é utilizada para o cálculo dos emolumentos pelo Oficial de Registro de Imóveis.
Por fim, é importante ressaltar que há necessidade de vinculação de imóveis inscritos no SNCR - Sistema Nacional de Cadastro Rural e no Cafir - Cadastro de Imóveis Rurais para fins de estruturação do CNIR - Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, sob pena de inibição do CCIR e do CIB do imóvel rural, nos termos da instrução normativa conjunta RFB / Incra 1968/20.
2.3 CAR - Cadastro ambiental rural
A exigência da apresentação do recibo de inscrição do imóvel rural no CAR está prevista no item 123.3, Cap. XX, Tomo II, das NSCGJ - Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, conflita com a facultatividade da averbação da Área de Reserva Legal à margem da matrícula do imóvel rural e da indeterminação do prazo para inscrição do imóvel ou posse rural no CAR, conforme o art. 18, § 4º, do Código Florestal8. A exigência da inscrição no CAR para a prática de atos registrários trata-se, portanto de exigência ilegal, não prevista na lei.9
O recibo de inscrição do imóvel rural no CAR deverá constar a especialização da Área da Reserva Legal exigida no art. 12, I e II, do Código Florestal (lei 12.651, de 2012), sob pena de indeferimento do pedido de retificação do registro imobiliário pelo Registrador de Imóveis, nos termos do item 123.6. Cap. XX, NSCGJ.
A despeito da exigência do item 123.6. Cap. XX, NSCGJ, não há exigência nas NSCGJ de que seja declarada no CAR o percentual da área de Reserva Legal exigida no art. 12 do Código Florestal; tampouco há exigência nas NSCGJ de que a área de Reserva Legal seja aprovada, exceto nos casos dos arts. 67 e 68 do Código Florestal (Cap. XX, item 123.7, Tomo II, NSCGJ).10
Em relação às hipóteses dos arts. 67 e 68 do Código Florestal, que relativizaram a obrigação de manutenção de percentual da área de Reserva Legal, previsto nos incisos I e II do art. 12 do Código Florestal, a Corregedoria Geral de Justiça publicou o provimento 25/23, no qual condicionou a qualificação positiva do registro a aprovação do cadastro ambiental rural, nos casos de área de Reserva Legal de imóveis rurais com até 4 módulos fiscais (art. 67) e de proprietários de imóveis rurais que suprimiram a vegetação nativa respeitando os percentuais da área de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão (art. 68).11
A ausência da apresentação do recibo do CAR aprovado nas hipóteses dos arts. 67 e 68 do Código Florestal ensejará a qualificação negativa do título pelo Oficial de Registro de Imóveis. Trata-se, porém, de uma arbitrariedade da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, pois, como é notório, o CAR ainda não está totalmente implementado e há um percentual baixo de aprovação, até o momento, e depois de já transcorridos mais de 13 anos de criação pelo Código Florestal.12
Considerações finais
Em resumo, os documentos cadastrais necessários para a retificação da matrícula são: CCIR - Certificado de Cadastro do Imóvel Rural; declaração do ITR - Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e a respectiva CND - Certidão Negativa de Débitos; recibo de inscrição no CAR - Cadastro Ambiental Rural, e, o respectivo Demonstrativo da Situação das Informações Declaradas no CAR.
O CCIR, ITR e o CAR se utilizam do conceito de imóvel rural (área contínua, de mesma titularidade e com destinação agrária) para os seus respectivos cadastros.
A legislação pertinente não exige que os citados cadastros estejam atualizados para que seja a realizada a retificação da matrícula. Tratam-se de documentos cadastrais que não atesta a titularidade do imóvel rural. Portanto, para a retificação da matrícula do imóvel rural basta que o cadastro seja vigente e quitado com a indicação do imóvel rural retificando. Não obstante, o Incra passou a exigir, em 2025, que o CCIR esteja atualizado para fins de certificação do perímetro do imóvel no Sigef - Sistema de Gestação Fundiária do Incra.
Por fim, os cadastros e as respectivas atualizações deverão ser averbados na matrícula do imóvel rural, para atender o Princípio da Especialidade, previsto no art. 176 da lei de registros públicos.
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1 LOBO JUNIOR, Helio; ORLANDI NETO, Narciso; GRUPPI, Bruno D. Alguns apontamentos sobre retificação da matrícula e o georreferenciamento de imóvel rural. Migalhas, 10 abr. 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/428041/apontamento-sobre-retificacao-da-matricula-e-georreferenciamento-rural. Acesso em 15 jun. 25.
2 O Sistema Nacional de Cadastro Rural foi instituído pela lei n. 5.868/1972.
3 Por força do art. 22 da Lei n. 4.947, de 1966.
4 Pode ser inscrito no CCIR o imóvel rural, mesmo que o detentor não tenha ainda a sua propriedade, mas apenas a posse a justo título ou posse por simples ocupação, conforme art. 22, III, a, do Decreto no 72.106, de 1973.
5 ELIAN SANCHEZ ADVOGADOS. CCIR 2025. Disponível em: https://www.linkedin.com/posts/elian-sanchez-advogados_ccir-georreferenciamento-sigef-activity-7338929729669898242-GhlH?utm_source=share&utm_medium=member_desktop&rcm=ACoAACftywMBWNB1UXUU2hOBXd4yQ9th7IPsRlg. Acesso em 15 jun. 25.
6 O código CIB substitui o Número do Imóvel na Receita Federal (Nirf) atribuído aos imóveis rurais, por força da IN RFB n. 2030/2021.
7 Em 2024, a Instrução Normativa que dispôs sobre a apresentação da Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - DITR, referente ao exercício de 2024, foi a IN RFB n. 2206/2024.
8 GRUPPI, Bruno D.; ABBÁ, Laura. A repercussão da legislação ambiental vigente nos registros imobiliários e atos notariais. In: ROCHA, Mauro A.; STALDER, Marc. (Coords.). Direito Notarial e Registros Públicos: o futuro da advocacia atualizações e inovações. São Paulo: Editorial Lepanto, 2019. p. 185-206.
9 GRUPPI, Bruno D.; SUPPIA, Manuela C. As exigências ilegais do cadastro ambiental rural nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça - NSCGJ. Migalhas, 1º de abril de 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/362879/as-exigencias-ilegais-do-cadastro-ambiental-rural-nas-nscgj. Acesso em 23 abr. 25
10 LOBO JUNIOR, Helio; ORLANDI NETO, Narciso; GRUPPI, Bruno D. Alguns apontamentos sobre a retificação da matrícula e o georreferenciamento de imóvel rural. Migalhas, 10 de abril de 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/428041/apontamento-sobre-retificacao-da-matricula-e-georreferenciamento-rural. Acesso em 23 abr. 2025.
11 GRUPPI, Bruno D.; ABBÁ, Laura. Novas regras ambientais para imóveis rurais impostas pela Corregedoria Geral de Justiça - Provimento 25/23. Migalhas, 1º de abril de 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/402603/regras-ambientais-para-imoveis-rurais-impostas-pela-cgj. Acesso em: 25 abr. 25.
12 Apenas 36,9% dos cadastros foram aprovados pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo (atualizado em 15 de maio de 2025): SAA. Painel de Regularização Ambiental. Relatório CAR - Boletins Informativos. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiY2NiNmUyMGEtMjM1ZC00YmQwLWFmYjctZjA4YzNkN2VhZWE4IiwidCI6IjNhNzhiMGNkLTdjOGUtNDkyOS04M2Q1LTE5MGE2Y2MwMTM2NSJ9. Acesso em 15 jun. 25.
Bruno Drumond Gruppi
Advogado e geógrafo. Especialista em direito ambiental, agrário, registral e notarial. Coordenador da Adnotare, associado do Ibradim e membro das comissões de meio ambiente e agrário da OAB/SP.

Rodrigo Elian Sanchez
Advogado. Bacharel em direito (USP) e em relações internacionais (PUC/SP). Especialista (FGV-SP) e Mestre (USP) em Direito Processual. Membro do Ibradim.