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O aumento do IOF para os mais ricos

Apesar das boas intenções de Justiça fiscal, as limitações orçamentárias e cortes de despesas podem prejudicar políticas sociais imprescindíveis.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Atualizado às 15:46

Inconstitucionalidade material do decreto legislativo que sustou os decretos presidenciais que aumentaram o IOF para os mais ricos.

Na semana passada, no apagar das luzes e de afogadilho, o Congresso Nacional aprovou o decreto legislativo 214/25, que sustou os decretos presidenciais 12.466, 12.467 e 12.499, todos deste ano, que aumentaram o IOF para as pessoas de maior poder aquisitivo.

O IOF é um imposto que incide, basicamente, sobre operações financeiras, inclusive transações internacionais. Ele está regulado pelas leis 5.143/1996 e 8.894/1994, bem assim pelo decreto-lei 1.783/1980. Possui natureza extrafiscal visando regular e proteger a economia do país.

Pois bem. O art. 153, & 1º, da Constituição estabelece a competência exclusiva do Presidente da República para alterar as alíquotas do IOF. Assim, o decreto legislativo 214/25 invadiu e usurpou a competência do executivo nesse particular, na medida em que restabeleceu as alíquotas do IOF vigentes anteriormente aos citados decretos  presidenciais. Viola desse modo, a mais não poder, a competência do Poder Executivo, malferindo o princípio constitucional da separação dos poderes.

De seu turno, o art. 49, V, da CF prescreve, dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional,  a de sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

Ora, como cediço, os decretos do executivo são de dois tipos: autônomos e regulamentares. O primeiro, em hipóteses excepcionais previstas no texto constitucional, inova a ordem jurídica interferindo legitimamente na competência do Legislativo. Já o segundo se destina à regulamentação da lei, dentro dos seus limites. Os citados decretos presidenciais são regulamentares, pois estão vocacionados, com esteio no art. 153, & 1º, da CF, para regulamentar as aludidas leis que disciplinam o IOF, podendo alterar as suas alíquotas, como sói acontecer na hipótese vertente.

Segundo noticiado na imprensa, o PSOL e a Advocacia Geral da União ingressaram no STF, respectivamente com ações de inconstitucionalidade do citado decreto legislativo e constitucionalidade dos aludidos decretos presidenciais. Não se sabe, ainda, qual será a posição da Suprema Corte. O que se pode depreender é que tal postura dos autores dessas ações diretas já estão provocando reações contrárias no Congresso. Isso pode sim gerar instabilidades institucionais. Melhor seria que o governo tivesse poder para convocar a sociedade nessa cruzada pela tributação progressiva, vale dizer, quem ganha mais paga mais e quem ganha menos paga menos, como ocorre em todos os países de primeiro mundo. O que se infere desse campo de batalha é que o Congresso está tentando, com essas e outras medidas, inviabilizar o governo para o próximo pleito eleitoral em 2026.

De fora parte a questão jurídica acima, em breve nota alinhavada, é importante também tecer algumas considerações derredor dos aspectos políticos, econômicos e socias que circundam o assunto em tela.

Com efeito, não há dúvidas de que tributar os mais ricos e desonerar os mais pobres e a classe média  é uma medida de justiça tributária, que ocorre em todo o mundo civilizado. Efetivamente, a nossa tributação é regressiva, incidindo, com maior peso, sobre o consumo e deixando de lado as grandes fortunas, as heranças, os lucros e dividendos e quejandos.

Todavia, é preciso considerar que não basta a tributação progressiva. É preciso também que haja o gasto público para prover políticas públicas, como saúde, educação, moradia, saneamento básico etc. Ocorre que, inobstante a tributação dos mais ricos seja recomendável, o governo, mesmo com o aumento do IOF, está amarrado pelo novo teto de gastos (arcabouço fiscal), que prevê que o gasto não poderá ultrapassar 70% da arrecadação e 2,5% do PIB. Disso resulta a conclusão de que não sobrará, mesmo com o aumento do IOF, recursos para prover despesas primárias, o que é lamentável, mas foi o próprio governo que encetou o novo teto de gastos.

Destarte, o Congresso e as elites dominantes vão prosseguir com o seu intento de cortar mais  despesas primárias, prejudicando os mais pobres, a exemplo dos cortes do Bolsa Família, BPC, universidades, ciência e tecnologia etc, etc, atacando, e parece ser esse o novo passo, até mesmo o teto constitucional da saúde e educação. Isso é um rematado absurdo, pois se sabe que os juros da dívida pública, hoje na casa de 1 trilhão, nem tampouco as emendas parlamentares, sofrem limitações do novo teto de gastos.

Inobstante, mesmo que o aumento do IOF, caso possa vingar, não terá muitas consequências práticas no gasto público, ele será útil para fazer valer as propostas governamentais de isenção do IR para quem ganha até cinco salários mínimos e, até sete salários mínimos, redução proporcional da tributação. Ademais, mesmo que simbolicamente, a tributação ou a intenção de tributar os mais ricos é merecedora de louvores. O que nos resta é aguardar a posição do STF sobre o assunto.

Gustavo Hasselmann

VIP Gustavo Hasselmann

Procurador do município de Salvador/BA. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Processo Civil e Direito Administrativo. Membro do IAB e do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.

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