RN 623 da ANS: nova regra obriga transparência dos planos
A RN 623 da ANS moderniza o atendimento dos planos de saúde, com prazos, transparência e regras claras para respostas, negativas e registros, alinhando-se à lei do SAC.
sexta-feira, 4 de julho de 2025
Atualizado às 15:51
Entrou em vigor em 01 de julho de 2025 a totalidade da RN 623/24 pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, que representa uma inflexão regulatória relevante no setor da saúde suplementar. Ao estabelecer regras claras para o relacionamento entre operadoras de planos de saúde e seus beneficiários, a norma consolida princípios de transparência, rastreabilidade e eficiência no atendimento, com reflexos significativos para o exercício da advocacia especializada em Direito da Saúde.
A RN 623 não regula diretamente a cobertura assistencial - campo ainda regido pela RN 465/21 (rol de procedimentos) e pela RN 566/22 (garantia de atendimento) -, mas trata do processo administrativo de resposta às demandas do consumidor, estabelecendo prazos objetivos, deveres documentais e mecanismos de responsabilização regulatória.
Protocolo único, rastreabilidade e padronização das demandas
A norma determina que toda e qualquer solicitação do beneficiário - seja assistencial (como pedidos de autorização para exames, internações ou terapias), seja administrativa (segunda via de boleto, informações contratuais, cancelamento etc.) - deve gerar número de protocolo padronizado, que permita o acompanhamento online e rastreável do trâmite da demanda, até sua finalização.
Esse ponto representa uma modernização estrutural da relação contratual, na medida em que impede o desaparecimento informal de registros e traz segurança jurídica à prova documental de abusos.
Prazos máximos para resposta e padronização do fluxo de atendimento
A RN 623 impõe prazos máximos obrigatórios para resposta das operadoras, nos seguintes termos:
- 3 dias úteis para demandas assistenciais;
- 7 dias úteis para manifestações administrativas e ouvidoria;
- 5 dias úteis para cancelamento de contrato solicitado pelo beneficiário;
- 2 dias úteis para esclarecimentos sobre reajustes de mensalidade;
- Atendimento imediato para casos de urgência e emergência.
O não cumprimento desses prazos, além de configurar infração administrativa, pode embasar ações judiciais com pedidos liminares, com base na violação do dever de informação e da boa-fé objetiva.
Justificativas obrigatórias e presunção de má-fé
Um dos dispositivos mais relevantes da RN 623 é a exigência de que toda negativa de cobertura seja justificada por escrito, automaticamente, com fundamentação legal e técnica, mesmo que o beneficiário não a solicite.
Esse ponto supera uma lacuna histórica do setor, em que muitas operadoras aguardavam o limite do prazo de atendimento para comunicar informalmente uma negativa, muitas vezes por meio de canais imprecisos e sem qualquer formalização.
Com a nova regra, o silêncio e a omissão passam a ter valor probatório em favor do beneficiário, o que tende a facilitar a concessão de medidas de urgência em juízo, além de reforçar o dever de motivação objetiva das negativas.
Integração com a lei 11.034/22 (lei do SAC)
A RN 623 também se destaca por integrar a saúde suplementar aos parâmetros gerais da lei do SAC, que desde 2022 já previa diretrizes para o atendimento ao consumidor em setores regulados.
Essa equiparação garante ao beneficiário do plano de saúde os mesmos direitos já reconhecidos em serviços bancários, telecomunicações e transporte aéreo: prazos definidos, acesso ao histórico de demandas, canais padronizados e obrigação de resposta formal.
Do ponto de vista regulatório, trata-se de um avanço no sentido da isonomia consumerista, corrigindo distorções históricas da saúde suplementar.
Gravações e guarda obrigatória por 5 anos
Ao atrair a lei do SAC, a norma também impõe a obrigação de armazenamento por cinco anos de todo atendimento gravado, assegurando ao consumidor o direito de acesso aos áudios, mediante solicitação. Essa regra, aliada ao protocolo único, fortalece a cadeia de custódia da prova em litígios contra operadoras.
Urgência e emergência: reforço à vedação de exigência de autorização prévia
Embora o mérito da cobertura assistencial continue regulado por normas anteriores, a RN 623 reforça que, nos casos de urgência e emergência, a operadora deve garantir o atendimento imediato, sem autorização prévia, conforme já definido no art. 35-C da lei 9.656/1998 e reiterado pela RN 259/11.
A inclusão dessa obrigação reforça o entendimento de que a inércia ou negativa da operadora nesses casos configura grave infração, com possibilidade de responsabilização cível e administrativa.
Responsabilidade regulatória e IGR - Índice Geral de Reclamações
Outro ponto de destaque da RN 623 é a introdução de um sistema regulatório de desempenho, baseado no IGR - Índice Geral de Reclamações. As operadoras serão avaliadas quanto à resolutividade e qualidade do atendimento prestado aos beneficiários.
Aquelas com bom desempenho poderão receber incentivos regulatórios, enquanto operadoras com alta incidência de reclamações poderão sofrer fiscalização reforçada e sanções agravadas.
Essa inovação aproxima o modelo regulatório da ANS ao que já é praticado por outras agências, como a ANATEL e o BACEN, com foco na governança da experiência do usuário.
Vigência e efeitos práticos
A RN 623 entrou em vigor integralmente em 1º de julho de 2025, com previsão de implantação progressiva das obrigações técnicas. A expectativa é que as operadoras adequem seus sistemas até lá, sob pena de sanções.
Do ponto de vista jurídico, a norma reforça o poder probatório do beneficiário em casos de negativa de cobertura, fortalece os elementos de prova documental e aumenta as chances de êxito em ações com pedido de liminar, especialmente quando a operadora descumpre os prazos ou não apresenta justificativas fundamentadas.
Conclusão
A RN 623/24 representa um avanço regulatório relevante no campo da saúde suplementar, ao consolidar um conjunto de obrigações formais que antes eram tratadas de forma fragmentada ou informal pelas operadoras.
A normatização do atendimento ao beneficiário, com imposição de prazos, deveres de motivação e rastreabilidade, eleva o padrão de proteção do consumidor e cria um novo ambiente jurídico para o contencioso envolvendo planos de saúde.
Para a advocacia especializada, trata-se de um instrumento estratégico valioso, tanto para a fundamentação de medidas urgenciais, quanto para a responsabilização administrativa de condutas abusivas.