Grupos irregulares: O uso indevido do art. 124, I, do CTN
O parecer normativo cosit 4/18 usa indevidamente o art. 124, I, do CTN como antídoto para reprimir patologias tributárias distintas.
sexta-feira, 4 de julho de 2025
Atualizado às 11:14
O art. 124, I, do CTN não é panaceia.
Quando se identifica a presença de um grupo de empresas que pratica inúmeros atos irregulares, pretensões são dirigidas para capturar o patrimônio do contribuinte devedor e dos respectivos responsáveis (tributários e/ou patrimoniais).
Tais ilicitudes envolvem: (i) a criação de empresas artificiais (simulação), (ii) o abuso da personalidade jurídica de diversas empresas (desconsideração da personalidade jurídica), e (iii) doações a terceiros, inclusive a parentes dos sócios (fraude contra credores ou à execução).
Acontece que cada um dos mencionados blocos fáticos de ilicitude atrai um determinado modelo normativo de repressão, e cada modelo normativo provoca distintas dimensões de responsabilização de terceiros, que muitas vezes não devem ser solidariamente responsabilizados pelo débito do contribuinte.
Ao editar o parecer normativo cosit 4/18, a RFB - Receita Federal do Brasil sustentou a possibilidade de empregar o art. 124, inciso I, do CTN para responsabilizar os chamados "grupos econômicos irregulares".
Porém, a RFB usa indevidamente o art. 124, I, do CTN como antídoto para reprimir patologias distintas.
A criação de inúmeras empresas fictícias desencadeia a aplicação do art. 149, inciso VII, do CTN, concebido para reprimir a simulação. Em tal hipótese, todas as empresas fictícias são responsabilizadas pelo débito, de modo que o "único organismo empresarial" subjacente a tal realidade deve arcar com todo o débito. Como não há solidariedade, não é possível aplicar o art. 124, I, do CTN.
Por sua vez, a dilapidação patrimonial atrai a incidência dos institutos da fraude contra credores e à execução, sendo que a responsabilização dos destinatários das transferências patrimoniais deve ser limitada ao valor dos bens indevidamente recebidos.
Nenhuma das hipóteses acima justifica a aplicação do art. 124, inciso I, do CTN, que prega a responsabilização solidária das pessoas que estejam no mesmo polo da relação obrigacional tributária, o que não ocorre nos blocos de ilicitude acima retratados.
Por isso, o art. 124, inciso I, do CTN não pode ser tratado como uma cláusula geral de responsabilidade, tampouco como um remédio universal para toda e qualquer patologia identificada pela fiscalização. Seu uso exige a demonstração inequívoca de interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária, nos termos estritos definidos pela própria lei.
A responsabilidade fiscal e patrimonial deve observar os contornos legais de cada instituto, aplicando-se os mecanismos próprios à repressão de cada conduta (simulação, fraude, abuso de personalidade jurídica), sem recorrer, de forma genérica e indevida, ao art. 124, inciso I, do CTN.


