TCM-SP valida exigência de experiência em serviço subcontratável
Licitação exige experiência em serviço subcontratável? Entenda quando a exigência é válida, o que diz o TCM-SP sobre subcontratação e como a decisão impacta gestores e empresas.
domingo, 6 de julho de 2025
Atualizado em 4 de julho de 2025 15:55
Em decisão recente (TC/000594/2023), o TCM-SP - Tribunal de Contas do Município de São Paulo enfrentou questão delicada na seara das licitações públicas: é lícito exigir experiência prévia na execução de serviços altamente especializados, ainda que tais serviços sejam comumente subcontratados no mercado? A resposta da Corte foi afirmativa, desde que devidamente justificada pela complexidade do objeto e pelos riscos específicos envolvidos na execução.
O caso envolveu representação contra o edital de concorrência 11/22 da SIURB - Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, que previa a contratação de empresa para execução de galeria por método não destrutivo (Tunnel Liner e CIPP - Cured In Place Pipe). A representante questionava, entre outros pontos, a exigência de atestado de experiência anterior em serviço de recuperação de galerias pelo método CIPP, sob o argumento de que se tratava de serviço altamente especializado, frequentemente subcontratado.
A questão é relevante pois, em regra, se um serviço específico pode ser facilmente subcontratado, não há razão para que conste como objeto específico de atestação técnica das empresas licitantes. Isso porque, a orientação normativa - tanto da lei 8.666/93, quanto da lei 14.133/21 - é de que os elementos de habilitação das empresas sejam restritos à parcela de maior relevância. Incluir um serviço normalmente subcontratado, poderia, em tese, simbolizar uma restrição de competitividade.
Ao analisar o caso, o relator conselheiro Eduardo Tuma acolheu a manifestação da auditoria técnica, que demonstrou haver, no mercado, diversas empresas aptas a executar o serviço, afastando assim a tese de que a exigência seria restritiva. O Tribunal também ressaltou a natureza específica do método CIPP - Cured In Place Pipe, uma tecnologia de reabilitação de tubulações que dispensa a escavação convencional, sendo aplicada por meio da introdução e cura de um tubo flexível impregnado com resina no interior da galeria existente.
Essa técnica exige não apenas equipamentos especializados, mas também expertise na aplicação em ambientes urbanos densos, com risco de interferência em redes subterrâneas e impacto em edificações adjacentes. Diante disso, justificou-se a exigência de experiência direta, como forma de garantir a segurança da execução e a efetividade da solução construtiva. O Tribunal destacou que, diante da localização sensível da obra - via de alto tráfego e adjacências com estruturas comprometidas -, a experiência prévia direta no método CIPP era razoável e proporcional. A exigência, ademais, foi mitigada pela possibilidade de consórcio.
Esse precedente reafirma entendimento de que a qualificação técnica não pode ser tratada como barreira automática à competição, mas também não pode ser negligenciada quando o objeto demanda alto grau de especialização. A jurisprudência, nesse ponto, alinha-se ao art. 30, II, da lei 8.666/1993 - vigente à época do edital -, que já permitia a exigência de comprovação de aptidão por meio de execução de obras ou serviços semelhantes em características e quantidades relevantes, e, por extensão, aos arts. 67 a 70 da lei 14.133/21, os quais modernizam e sistematizam os critérios de qualificação técnica, ampliando a ênfase em critérios objetivos e na compatibilidade entre o objeto da contratação e a experiência comprovada, reforçando a segurança na execução contratual.
Outro aspecto interessante do julgamento foi a aplicação dos arts. 20 e 21 da LINDB, quando o Tribunal, mesmo reconhecendo inconsistências entre o projeto executivo e o orçamento (especialmente nas dimensões das galerias), entendeu que a nulidade do certame seria medida desproporcional. Nesse contexto, o Tribunal aplicou os princípios previstos nos arts. 20 e 21 da LINDB, como o consequencialismo jurídico - que impõe a análise das consequências práticas das decisões administrativas - e o princípio da realidade administrativa, que exige considerar o contexto concreto e a viabilidade das soluções, evitando decisões meramente simbólicas ou desconectadas da gestão pública efetiva. Considerou-se, entre outros fatores, que o contrato já estava em execução, com aditamentos formalizados para adequar o escopo e os insumos, sem prejuízo efetivo ao erário.
Esse trecho da decisão revela uma mudança paradigmática: o moderno controle externo não mais se contenta com a aferição formal de ilegalidades abstratas, mas passa a incorporar uma análise concretista das consequências de cada medida, priorizando soluções eficazes e realistas para a continuidade do serviço público.
Em síntese, a decisão do TCM-SP serve como importante guia tanto para gestores quanto para licitantes. Aos primeiros, alerta para a necessidade de fundamentar adequadamente as exigências técnicas em razão da complexidade do objeto. Aos segundos, demonstra que a experiência prévia na execução do objeto licitado pode, sim, ser exigida de forma direta, ainda que o serviço costumeiramente seja objeto de subcontratação, desde que a exigência se paute em critérios objetivos e proporcionais.
O precedente também reforça a importância de uma análise integrada entre as peças editalícias, o projeto básico e o orçamento estimado, como forma de mitigar riscos de desequilíbrio econômico-financeiro e problemas técnicos na execução do contrato. Isso inclui a adoção de instrumentos como a matriz de riscos - que distribui responsabilidades entre contratante e contratada de acordo com a capacidade de cada parte de gerir determinado risco - e a previsão de cláusulas de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, nos termos da legislação vigente, sempre que fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis alterarem substancialmente as condições originalmente pactuadas.
Mais que um caso pontual, a decisão simboliza o avanço na maturidade institucional do controle externo municipal, que alia segurança jurídica, especialização técnica e razoabilidade administrativa.


