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Ética como necessidade: Do passado ao futuro

Discurso de paraninfo resgata a ética como valor essencial à atuação jurídica e reflete sobre a crise moral e institucional que persiste no Brasil contemporâneo.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Atualizado em 4 de julho de 2025 15:22

Depois de anos de pesquisa, mesmo assim ainda nos deparamos com escritos de meu pai, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, que não estão no site, ou na Obra em processo penal (São Paulo, Ed. Singular, 2019, 984 págs.). 

Desta vez, a surpresa nasce do encontro deste discurso de paraninfo, proferido em homenagem à turma do ano de 1997, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Longe de apenas rememorar os dizeres do professor àqueles estudantes das Arcadas, a mensagem curta e objetiva vem a calhar na atualidade, dados os múltiplos sentimentos antagônicos que nos tocam como brasileiros e profissionais do Direito.

Espera-se que o texto ilumine alguns sobre o presente, ou atormente de vez o leitor desperançado quanto ao futuro. Sem dúvida, não se precisa do cético para observar quão piores ficamos de lá para cá.

"Ética como necessidade"

Queridos alunos:

É costume - ao término de sua fala - o paraninfo cumprimentar lhes as famílias e lhes desejar muito bom êxito, no correr da vida profissional. Apresso-me a fazê-lo logo. Saúdo-as; e a todos os formandos quero ver bem-sucedidos.

Peço, entretanto, que atentem, sempre, para a maneira de ser e de proceder, como advogados, delegados de Polícia, promotores de Justiça, juízes de Direito, legisladores, ou como administradores públicos.

Nenhuma profissão se exerce com dignidade, no abandono do comportamento ético. Tal afirmação - pela evidência - mostrar-se-ia desútil não fora os tempos.

O Estado - dizia-se, secularmente - era uma empresa do povo. Hoje - percebe-se - tornou-se de alguns, assumindo afeiçoamento quase privado.

O pleno descompromisso com a verdade exibe-se qual destreza política, em só construi-la em vez de desvendá-la. A mentira converteu-se, assim, em elemento prevalente de estratégias eleitorais e de governos. E, o significado das palavras falseia-se. A mais atormentante agiotagem recebe a denominação de instrumento de política econômica. A alucinação tributária apresenta-se como meio razoável de atingir a Justiça social. O desamparo - ainda exemplificando - das cidades - vida urbana e paz pública - ostenta-se como dever descumprido, porém, de toda a comunhão social; e, tão-só, contingente responsabilidade dos governantes.

A legislação - descuidada, assistemática e contraditória - serve ao imediato, à situação emergente. Muita vez, despontando a toque de imprensa; como vem sucedendo no Direito e no processo penal. Atendem-se às aparências; mas, se acha perdendo o sentido comum de torto e de direito.

A Justiça falha, algumas vezes, seja em virtude da burocultura judiciária; seja pela resistência insuficiente ao cortesanismo. Na base da disfunção, acha-se o entorpecimento da igualdade.

Senhores formandos:  nestas derradeiras e breves palavras de professor, concito-os a questionar, durante a existência, sobre o valor, que os levará; ou que os conduziu a agir, nos diversos lanços da profissão. Animo-os a meditar na dimensão pessoal da conduta, a partir-lhe do motivo ético. Desnecessário lembrar-lhes de que nenhum juízo ético importa, se não serve para orientar a vida prática.

Aguardo, pois, que o bom êxito, o sucesso, antes desejado, concretize-se no arredamento da angústia moral e na construção de um Brasil melhor e mais justo.

São Paulo, 10 de dezembro de 1997"

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo

Advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Advoga no escritório Moraes Pitombo Advogados.

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