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Precedentes no processo do trabalho: A necessária cautela na sua estruturação

O artigo analisa a estruturação dos precedentes na Justiça do Trabalho, diante da crescente valorização desse instrumento pelo TST e levanta preocupações processuais iniciais.

terça-feira, 8 de julho de 2025

Atualizado às 07:43

Introdução

É cediço que as fontes formais do Direito Processual do Trabalho englobam, além da Constituição Federal de 1988 e da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, determinadas leis específicas (como a lei 5.584/70, a lei 6.830/80 e a lei 7.347/85, além do CPC, cuja aplicação é admitida de forma supletiva e subsidiária (art. 769 da CLT c/c art. 15 do CPC), desde que haja lacuna na legislação trabalhista e compatibilidade com seus princípios e valores.

Esses instrumentos são essenciais para assegurar a plasticidade e a adequação do Processo do Trabalho diante de omissões normativas e da dinamicidade das relações laborais.

Nesse contexto, a atuação dos tribunais deve buscar a uniformidade de interpretações. Os verbetes jurisprudenciais, incluindo súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes, nesse cenário, assumem papel essencial na tarefa de uniformizar a aplicação das normas de Direito Material e Processual do Trabalho.

Recentemente, tem-se observado uma mudança significativa: a uniformização por meio dos precedentes tem ganhado protagonismo no âmbito da Justiça do Trabalho.

Ao CPC de 2015, usualmente, se atribui a característica de introduzir no ordenamento brasileiro elementos do sistema de precedentes da Common Law. Veja-se, por exemplo, o artigo 926, do CPC/15 que impõe aos tribunais o dever de manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente, e o art. 927, por sua vez, que estabelece a obrigatoriedade de observância, pelos juízes e tribunais, de decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, enunciados de súmula vinculante e acórdãos proferidos em incidentes de resolução de demandas repetitivas, entre outros.

Importa destacar, contudo, que a preocupação com a uniformização da jurisprudência não consubstancia novidade no Direito Processual do Trabalho. A lei 9.756/1998 já havia alterado os arts. 896 e 897 da CLT para obrigar os Tribunais Regionais do Trabalho a promoverem a uniformização de sua jurisprudência, sendo que a súmula regional não poderia fundamentar a admissibilidade de recurso de revista se contrariasse a jurisprudência uniformizada do TST (art. 896, §3º da CLT, revogado pela lei 13.467/17).

Além disso, os arts. 896-B e 896-C da CLT, introduzidos pela lei 13.015/14, institucionalizaram o incidente de recursos de revista repetitivos no processo do trabalho, determinando a aplicação subsidiária das regras do CPC, mesmo quando ainda vigente o Código de 1973. Soma-se a isso a resolução 325, de 29 de junho de 2020, do CNJ1, que instituiu a Estratégia Nacional do Poder Judiciário, cujas diretrizes foram absorvidas pela Política de Consolidação do Sistema de Precedentes Obrigatórios da Justiça do Trabalho de 1º e 2º graus, instituída pela resolução CSJT 374/232. Como se vê, a sistemática da repetitividade já se fazia presente no processo trabalhista.

O que se observa mais recentemente, contudo, é uma mudança qualitativa na forma como esses instrumentos vêm sendo utilizados. A partir de 2024, sobretudo com a posse do ministro Aloysio Corrêa da Veiga na presidência do TST, ganha força uma estratégia jurisprudencial marcada por celeridade processual, julgamentos em bloco e centralização decisória - movimento que culmina, em 2025, com a fixação de múltiplas teses repetitivas em tempo recorde, muitas vezes em sessões virtuais e com reduzido espaço para contraditório institucional. Esse novo arranjo, seus fundamentos e seus impactos são objeto da análise que se segue.

I. A nova diretriz institucional do TST: a modernização da forma de julgar

O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, em seu discurso de posse, destacou que sua gestão teria por objetivo prestar um serviço mais eficiente ao jurisdicionado brasileiro: rápido, econômico e previsível, conferindo maior segurança jurídica às relações de trabalho3. Nesse contexto, a modernização da forma de julgar, por meio da adoção de uma cultura de precedentes, foi anunciada como eixo estruturante da atual política institucional do Tribunal.

O discurso de posse, portanto, sinalizou uma diretriz que se tem concretizado em uma série de medidas administrativas e decisões colegiadas. Apesar de fundamentadas no ideal de celeridade e uniformidade, essas práticas têm levantado preocupações legítimas quanto à profundidade do debate jurisdicional e à efetividade das garantias recursais, especialmente diante da crescente concentração de decisões em sessões virtuais e da limitação ao contraditório nas fases de formação e consolidação dos precedentes.

II. A resolução 224/24 e a reconfiguração do sistema recursal trabalhista: preocupações iniciais

Um dos instrumentos normativos que expressam a nova diretriz institucional do TST, centrada na valorização dos precedentes vinculantes e na racionalização do fluxo recursal, é a resolução 224/244. Essa resolução introduziu uma modificação significativa na sistemática de admissibilidade do recurso de revista, ao alterar a redação da IN 40/165, especificamente por meio da inclusão do art. 1º-A.

Pela regra geral, estabelecida no art. 896, § 1º, da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, o presidente ou o vice-presidente do TRT é quem realiza o juízo de admissibilidade do recurso de revista. Caso o recurso seja admitido, segue ao TST, e, caso seja denegado, a parte interessada pode interpor agravo de instrumento, conforme previsão expressa do art. 897, alínea "b", da CLT.

A resolução 224/24, no entanto, cria uma exceção a essa regra. Quando o TRT nega seguimento a recurso de revista com base na conformidade do acórdão recorrido com precedente do TST, oriundo de julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos, resolução de demandas repetitivas ou incidente de assunção de competência, a parte não deverá interpor agravo de instrumento ao TST, como previsto na regra geral do art. 897, alínea "b", da CLT. Em vez disso, a resolução estabelece o cabimento de agravo interno ao próprio TRT (art. 1º-A, caput). A resolução ainda admite a possibilidade de interposição simultânea de agravo de instrumento, quando o recurso de revista contenha capítulo autônomo não abrangido pela hipótese de conformidade com precedente vinculante (art. 1º-A, § 1º). Nesse caso, o agravo de instrumento só será processado após o julgamento do agravo interno (art. 1º-A, § 2º).

Essa nova estrutura normativa, todavia, suscita três preocupações.

A primeira diz respeito à legalidade da inovação, já que a resolução 224/24 cria uma exceção à regra recursal prevista em lei federal (CLT, art. 897, "b") por meio de ato administrativo.

A segunda questão refere-se ao uso do agravo interno, previsto no CPC, como substitutivo de um recurso trabalhista típico, o agravo de instrumento. Considerando que o CPC é aplicável apenas de forma subsidiária e supletiva ao processo do trabalho (art. 769, CLT), sua aplicação é vedada quando já houver previsão específica na CLT, o que é o caso.

Assim, ainda que inserida em um contexto de valorização dos precedentes e da celeridade processual, a resolução 224/24 reconfigura de modo relevante o sistema recursal trabalhista, deslocando o eixo de controle da admissibilidade para os TRTs e limitando o acesso ao TST, sem que, até o momento, haja base legal clara e inequívoca para tanto, ou seja, sem observância do princípio da legalidade estrita para edição de norma processual (CF, art. 22, I).

Por fim, um terceiro ponto sensível está no § 3º do art. 1º-A, da IN 40/16: se o agravo interno for desprovido, "nenhum recurso caberá dessa decisão regional", excluindo, portanto, a possibilidade de qualquer impugnação posterior ao TST, ainda que a parte discorde do enquadramento do acórdão recorrido como conforme à tese firmada em repetitivo (CLT, art. 896-C, §16).

III. A implementação da nova arquitetura recursal: desafios e novas preocupações

O novo agravo interno, previsto no art. 1º-A da IN 40/16, não encontra previsão expressa nos regimentos internos dos TRTs, no que se refere à competência para seu julgamento. Por essa razão, os TRTs vêm sendo instados a se adaptar à nova sistemática recursal.

No âmbito do TRT da 1ª Região, foi recentemente expedida a nota técnica 34/256, recomendando alterações regimentais com o objetivo de adequá-lo ao novo art. 1º-A da IN 40/16. Nessa nota, destaca-se que a iniciativa do TST ganhou força diante do expressivo volume de agravos de instrumento interpostos contra decisões denegatórias dos TRTs, com um índice de provimento extremamente reduzido, apenas 3,8% no ano de 2024.

A consolidação dessa nova lógica recursal também tem se dado por meio de atos administrativos internos que, embora desprovidos de força normativa formal, impõem orientações vinculantes à atuação dos tribunais regionais e de seus gabinetes de admissibilidade.

É o caso do ofício 2.876.991/GRP7, de março de 2025, assinado conjuntamente pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e pelo presidente do TST, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, e encaminhado aos presidentes dos TRTs. O documento reforça a orientação quanto ao descabimento de recurso extraordinário contra acórdãos proferidos pelos TRTs que negam provimento ao agravo interno, confirmando, assim, a decisão denegatória de admissibilidade do recurso de revista. A justificativa adotada é que o acórdão regional estaria em conformidade com precedentes obrigatórios e vinculantes do TST, o que, segundo o entendimento ali exposto, inviabilizaria a interposição de novo recurso.

O ofício dispõe que os TRTs não atuariam como última instância decisória nesse cenário, pois estariam apenas aplicando, "por delegação", os precedentes firmados pelos tribunais superiores. No entanto, essa interpretação é juridicamente controversa. Se o TRT, ao julgar o agravo interno, confirma a inadmissibilidade do recurso de revista e não há previsão de nova instância de impugnação, trata-se, na prática, de uma decisão definitiva no âmbito da jurisdição ordinária. Essa configuração preenche o requisito do esgotamento das instâncias para fins de interposição de recurso extraordinário ao STF, conforme jurisprudência consolidada naquela Corte (súmula 281 do STF). O pretexto de "delegação" não elimina o fato de que o TRT,  ao contrário, passa a ser a "última instância" a que se refere o art. 102, III, da Constituição Federal.

A dinâmica adotada em 2025 para a consolidação de precedentes vinculantes acentuou ainda mais as preocupações legítimas com esse novo modelo. Em um intervalo de poucos meses, o TST firmou múltiplas teses jurídicas sob a sistemática dos recursos de revista repetitivos8. Desde o início da nova presidência do TST até o fim de maio de 2025, cerca de 70 teses já haviam sido julgadas. Boa parte, julgadas em ambiente de plenário virtual. Embora o uso do meio virtual possa ser compatível com a celeridade processual, o volume e a velocidade das decisões levantam dúvidas legítimas sobre a profundidade do debate jurídico travado em tais sessões.

Nesse contexto, o ofício circular 232/25 do TST9 veio para reforçar a estruturação desse sistema, ao estabelecer orientações uniformes para a aplicação da IN 40/16. Entre os principais pontos, destaca-se a vedação expressa à fungibilidade entre o agravo interno (ao TRT) e o agravo de instrumento (ao TST) no âmbito dos recursos de revista. Ou seja, o advogado que errar na escolha do recurso, mesmo que por legítima dúvida hermenêutica, sofrerá os efeitos da preclusão, sem possibilidade de reapreciação da matéria por instância superior.

A principal preocupação que se impõe, no cenário atual, diz respeito à possível consolidação de um modelo recursal mais restritivo, no qual o espaço para o contraditório e a revisão das decisões pode se mostrar reduzido. A rapidez na formulação de teses e a redação, por vezes imprecisa pelo uso de conceitos indeterminados, dos enunciados repetitivos podem comprometer a clareza e a previsibilidade necessárias à sua adequada aplicação. Trata-se, portanto, de um sistema que demanda atenção redobrada quanto à sua estruturação e à preservação das garantias processuais, a fim de evitar que a busca por eficiência comprometa a segurança jurídica e imponha ao jurisdicionado e à advocacia um ônus desproporcional de precisão técnica, sob pena de preclusão.

Conclusão

A diretriz institucional recentemente adotada pelo TST enfatiza a elogiável valorização dos precedentes em busca de maior celeridade e uniformidade  nas decisões. No entanto, ainda que essa proposta dialogue com importantes objetivos do sistema de justiça, a forma como vem sendo implementada suscita algumas inquietações, especialmente quanto à compatibilidade das novas práticas com o ordenamento jurídico-processual vigente, com destaque para a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, com os recursos e meios a ela inerente (CF, art. 5º, LV). O desafio que se coloca, portanto, consiste em conciliar a eficiência desejada com a preservação da legitimidade das decisões e da segurança jurídica. Em suma, a pressa é inimiga da perfeição.

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1 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 325, de 29 de junho de 2020. Institui a Estratégia Nacional do Poder Judiciário. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 30 jun. 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original182343202006305efb832f79875.pdf. Acesso em: 5 jun. 2025.

2 BRASIL. Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Resolução CSJT nº 374, de 24 de novembro de 2023. Institui a Política de Consolidação do Sistema de Precedentes Obrigatórios na Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho: caderno administrativo [do] Conselho Superior da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 3860, p. 1-4, 30 nov. 2023. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/224874. Acesso em: 5 jun. 2025.

3 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Nota Técnica nº 34/2025. Recomendações para adequação do regimento interno à nova sistemática de admissibilidade de recurso de revista. Curitiba, PR, 2025. Disponível em: https://www.trt9.jus.br/portal/noticias.xhtml?id=8862147. Acesso em: 5 jun. 2025.

4 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024. Altera a Instrução Normativa nº 40, de 15 de março de 2016, que dispõe sobre o cabimento de agravo de instrumento em caso de admissibilidade parcial de recurso de revista no Tribunal Regional do Trabalho. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho: caderno judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, DF, n. 4109, p. 52-53, 27 nov. 2024. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/242717. Acesso em: 5 jun. 2025.

5 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Instrução Normativa nº 40, de 15 de março de 2016. Dispõe sobre o cabimento de agravo de instrumento em caso de admissibilidade parcial de recurso de revista no Tribunal Regional do Trabalho. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho: caderno judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, DF, n. 4141, p. 1-3, 14 jan. 2025. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/81842. Acesso em: 5 jun. 2025.

6 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Nota Técnica nº 34, de 21 de fevereiro de 2025. Aplicação dos precedentes obrigatórios dos tribunais superiores na admissibilidade do recurso de revista: agravo interno. Centro de Inteligência do TRT-RJ, 2025. Disponível em: https://www.trt1.jus.br/documents/d/cjus/nt_trt1_ci_34_2025. Acesso em: 5 jun. 2025.

7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal; Tribunal Superior do Trabalho. Ofício nº 2876991/GRP, de 2025. Encaminhado aos presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho. Brasília, 2025. Disponível em: https://www.trt5.jus.br/sites/default/files/sistema/noticias/midias/2025-04/oficiostf_2876991grp.pdf. Acesso em: 5 jun. 2025.

8 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Tabela de Recursos de Revista Repetitivos. Núcleo de Gerenciamento de Precedentes - NUGEP-SP, 2025. Disponível em: https://www.tst.jus.br/nugep-sp/tabela-de-recursos-de-revista-repetitivos. Acesso em: 5 jun. 2025.

9 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA). Ofício nº 232/2025: Diretrizes para aplicação da Instrução Normativa nº 40 do TST. Salvador, 2025. Disponível em: https://www.trt5.jus.br/sites/default/files/sistema/inline_files/2025-05/061_oficio_232-2025_diretrizes_para_aplicacao_da_instrucao_normativa_n.o_40_do_tst.pdf. Acesso em: 5 jun. 2025.

Victor Farjalla

Victor Farjalla

Mestre em Direito pela UNESA. Pós-graduado em Relações Sindicais e Negociação Coletiva UCM. Consultor Jurídico Trabalhista. Procurador do Estado do Rio de Janeiro aposentado.

Marina Novellino

Marina Novellino

Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF). Mestra em Direito do Trabalho e Previdenciário (UERJ). Advogada no Bosisio, Macedo Soares & Advogados.

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