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Compra de crédito judicial entre advogado e cliente

A cessão de créditos judiciais ao advogado que atuou na causa é vista como infração ética pela OAB. Entenda por que essa prática pode configurar mercantilização da advocacia e enriquecimento ilícito.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Atualizado às 12:59

O Direito Creditório é inerente ao ordenamento jurídico nacional, visto que, garante aquele que possui crédito judicial ou extrajudicial a buscar a sua satisfação ou, ao estar satisfeito, ceder o mesmo de forma onerosa ou gratuita.

De acordo com o art. 286 do CC, o credor poderá ceder o seu crédito, se não infringir a lei ou a própria natureza da obrigação. A cessão indicada abrange todos os acessórios, conforme art. 287 do mesmo diploma civilista. Ou seja, é inerente o direito do credor de ceder seu crédito para terceiro. Todavia, uma perguntar persiste: Esta cessão pode ser feita para o advogado que patrocinou sua causa? O advogado que patrocinou a causa pode comprar o crédito do seu cliente?

Vejamos, a luz do direito civilista nacional, não há restrição. Contudo, diante de decisões e consultas proferidas pelos Tribunais de Ética da OAB, o procedimento é perigoso para o advogado.

De acordo com a CONSULTA 49.0000.2017.0069.65-0/OEP perante a OAB/MT, formulada pelo vice-presidente do TST, ministro Emanoel Pereira, em 2017, a cessão de créditos do cliente para o seu advogado atinge o art. 5º do CED e o inciso XX do art. 34 da lei 8.906/1994. Isto é, desrespeita a vedação a mercantilização da advocacia e comete a infração disciplinar de locupletamento.

Vale aqui indicar a letra de lei utilizada como base para a vedação definida pela OAB/MT:

Art 5º do CED: O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.

Art. 34. Constitui infração disciplinar: (...) XX - locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou interposta pessoa;

Locupletamento é palavra derivativa de "locupletar", que significa enriquecer tanto lícita quanto ilicitamente. Dentro do cenário jurídico, o verbo assume outra conotação, sendo identificado como enriquecimento ilícito, conforme se verifica a definição do art. 884 do CC.

Ainda quanto a vedação da compra do crédito do cliente pelo seu advogado, vale destacar a CONSULTA PROCESSO 202107405 perante a OAB/GOIÁS, formulada pela advogada Graciele Parreira Costa Rezende em 2021. Nesta consulta, a causídica questionava a OAB sobre a possibilidade de compra de créditos previdenciários, com base nos arts. 20 e 21 da resolução 458/17 do CJF.

Em decisão, o órgão consultivo da OAB/Goiás também definiu como antiético tal conduta, baseando sua decisão nos arts. 5º do CED e inciso XX do art. 34 da lei 8.906/1994, repetindo o entendimento proferido pela OAB/MT.

Por fim, a OAB/SP se debruçou sobre o tema, diante de processo administrativo E-4.030/11. A discussão versava sobre a compra de precatórios pelo advogado que patrocinou a causa. O entendimento proferido, antecessor aos outros já indicados neste texto, foi da incidência do art. 5º do CED mantendo a vedação de tal conduta pelo profissional do direito.

Neste momento textual, insta informar que, como exceção, há a possibilidade de o causídico indicar empresas que atuam no comércio de créditos judiciais, desde que, não tenha nenhum vínculo com a pessoa jurídica escolhida pelo cliente. Neste sentido, o advogado poderá orientar seu cliente, porém, não poderá ele ser a fonte da alienação do crédito, seja direta ou indiretamente.

Embora o direito civil permita a cessão de créditos, a advocacia está submetida a regras éticas próprias. O recebimento de créditos do cliente pelo próprio advogado tem sido reiteradamente vedado pelos Tribunais de Ética da OAB, que consideram essa prática incompatível com os princípios da profissão. A mercantilização da advocacia e o risco de locupletamento à custa do cliente tornam essa conduta passível de sanção disciplinar.

Portanto, o advogado deve evitar qualquer negociação direta envolvendo a compra de direitos creditórios de seus clientes. Caso o cliente deseje vender seu crédito, é possível indicar empresas idôneas, desde que não haja qualquer vínculo pessoal ou comercial entre elas e o advogado. A ética profissional deve sempre prevalecer sobre interesses financeiros, preservando a confiança e a integridade da advocacia.

Vitor Hugo Lopes

VIP Vitor Hugo Lopes

Advogado. Empresário. Pós-Graduado em Direito Empresarial e Direito Imobiliário. MBA em Gestão Jurídica na área da saúde e hospitalar. Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

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