A fraude empresarial no mercado de franquias brasileiro
Negócios sem qualquer tipo de validação ou histórico de viabilidade chegam ao mercado de franquias e não se sustentam à luz de um estudo de viabilidade.
segunda-feira, 14 de julho de 2025
Atualizado às 13:12
A lei de franquias (lei 13.966/19) cuida de estabelecer premissas básicas em matéria de disciplina do sistema de franquia empresarial no país.
Por sua vez, há consenso na literatura especializada de que a relação de franquia repousa na figura do franqueador, detentor do "segredo do negócio", isto é, aquele que, tendo testado, com relativo êxito, um modelo de negócio, possui condições de replicá-lo no mercado, utilizando, para tanto, as engrenagens legais que asseguram a composição da relação através de um contrato de franquia.
Não menos certa é a compreensão dominante no sentido de que o contrato de franquia possui por objeto precípuo a transferência do know-how ao franqueado - aquele que, a fim de mitigar os riscos inerentes à cadeia empresarial, opta por renunciar a um nível maior de liberdade de gestão para associar-se negocialmente ao franqueador, com a expectativa legítima de acesso a um segredo de negócio que lhe permita empreender com maior nível de segurança e assessoria contínua.
Entretanto, a realidade atual do mercado de franquias no país se distancia, a largos passos, dos catalogados conceitos.
Franqueadores, formatadores, intermediadores e demais players do segmento, arraigados à compreensão doutrinária e jurisprudencial quanto à dinâmica da relação de franquia, e, sobretudo, confortados pela premissa de que um contrato de franquia não envolve a garantia de êxito ou sucesso da operação, passam a colocar no mercado operações sem qualquer lastro real e efetivo de sucesso ou viabilidade negocial.
Negócios sem qualquer tipo de validação ou histórico de viabilidade, embalados em roteiros de marketing de multinível e calcados em supostos crescimentos exponenciais chegam ao mercado de franquias diariamente, abalroando as prateleiras de oferta com opções de negócios que, na prática, não se sustentam à luz de um estudo de viabilidade.
Submetido ao crivo técnico, a maior parte das franquias formatadas no mercado se traduzem em modelos de negócio denominados natimortos, isto é, não correspondem à expectativa criada no franqueado de opção empresarial validada e com condições de, efetivamente, trazer retornos financeiros efetivos ao longo da relação contratual.
Nesse passo, o discurso de que a relação de franquia não possui como ingrediente a garantia de sucesso financeiro, chancelado em grande parte pela jurisprudência pátria, abre caminho para a exploração fraudulenta do mercado.
Players, abusando de seu poder econômico e posição dominante, inundam o setor com falsas projeções de sucesso, que envolvem irreais expectativas de investimento, retorno, faturamento e, mesmo, exequibilidade da operação apresentada ao candidato a franqueado.
Sem efetivo lastro para as mensagens publicitárias endereçadas ao público-alvo, as estratégias de marketing relativas a vendas de franquia são infladas por números que apenas maquiam a realidade submersa e que só passa a ser enxergada pelo franqueado quando dentro da relação de franquia.
A estrutura fraudulenta é, ainda, blindada por amarras contratuais que garantem a isenção de culpa do franqueador no cenário em que, muitas vezes, até as portas do Poder Judiciário são fechadas através de pensadas cláusulas arbitrais cuja exorbitância dos valores é previamente considerada por aquele que a impõe no contrato de franquia, ciente da impossibilidade de comprometimento financeiro do franqueado para arcar com os seus custos de instauração.
Além disso, cenários de multas abusivas - há muito reduzidas equitativamente pelo Poder Judiciário - são também comuns no segmento. A ciência quanto à exorbitância dos valores é uma máxima conhecida, portanto.
Não obstante, tais multas são utilizadas como moeda de troca em um mercado que, cada vez mais, se preocupa em obter o silêncio do franqueado e, não, em estabelecer uma relação de franquia efetivamente saudável através de contratos equilibrados.
Toda essa conjuntura leva à compreensão de que o mercado de franquia está, atualmente, sob forte base viciada, com contratos realizados sob o crivo de vício de consentimento, comumente compatível com o dolo previsto no art. 145 e seguintes do CC.
Informações incompletas e omissões relevantes traduzem, ainda, indicativos que podem traduzir cenário que extravasa a órbita cível, redundando, também, em figuras típicas de delitos criminais, a exemplo dos crimes de falso (art. 299, CP) e estelionato (art. 171, CP).
A construção de relações de franquias com o só propósito de arregimentação de taxas de franquia ou desova de produtos ou serviços pelo franqueador ou terceiros por este indicados, com comprovação inequívoca de que o modelo de negócio formatado não se sustenta à luz de evidências técnicas, acompanhada da demonstração real de que os informes publicitários traduzem veiculação sabidamente enganosa e sem base podem - e devem - resultar na compreensão de que o sistema de franquias tem sido utilizado como mecanismo para a perpetração de verdadeiras fraudes empresariais.
O temerário, neste contexto, é que as vítimas de tais fraudes são pessoas que, a par da fragilização econômica, técnica e jurídica, sequer alcançam condições, na maior parte dos casos, de questionar a onerosidade da relação contratual e, ainda, denunciar a própria natureza fraudulenta do contrato.
As relações de franquia, atualmente, envolvem, bem por isso, situações em que o franqueado, fragilizado pela dominância do franqueador, se vê onerado excessivamente ao longo da relação contratual, com a imposição de despesas sem base contratual, pressão psicológica e incentivo ao superendividamento, através de tomada de mútuos bancários para fazer frente a obrigações pecuniárias com o seu respectivo franqueador.
As limitadas bandeiras de ilícito civil e descumprimento contratual, muitas vezes endereçadas ao Poder Judiciário pelos franqueados, escondem um cenário de fraude empresarial institucionalizada, demandando dos órgãos competentes, inclusive autoridade policial e Ministério Público, efetiva atuação para evidenciar e tratar, com a devida seriedade, a utilização do mercado de franquias para a prática de condutas criminosas.
Portanto, o declínio, no país, de um sistema de franquia empresarial saudável demostra a urgente necessidade de promoção de alterações legislativas que possam, efetivamente, assegurar a defesa e proteção da parte vulnerável desta relação: o franqueado.
Ademais, a sobrevivência deste segmento depende, também, da efetiva e contínua atuação de órgãos como autoridade policial e Ministério Público, a fim de que se identifique e, observado o devido processo legal, se puna aqueles que, cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, valendo-se de seu poder econômico e posição dominante, reduzem à insolvência, diariamente, coletividade relevante de pessoas.


