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A advocacia, 180 anos depois

Após a independência do país, os brasileiros aboliram uma corriqueira prática de cruzar o oceano Atlântico para freqüentar cursos jurídicos no velho continente, numa manifestação de soberania.

sábado, 11 de agosto de 2007

Atualizado em 10 de agosto de 2007 11:39


A advocacia, 180 anos depois

Luiz Flávio Borges D'urso*

Após a independência do país, os brasileiros aboliram uma corriqueira prática de cruzar o oceano Atlântico para freqüentar cursos jurídicos no velho continente, numa manifestação de soberania.

Em 1827, por decisão do imperador dom Pedro 1º, estava sacramentada a criação dos primeiros cursos de ciências jurídicas em terras brasileiras. Estavam vencidas as limitações vivenciadas pelo Brasil colonial.

São Paulo, ainda uma pequena e provinciana vila, distante dos centros de cultura nacionais -Rio de Janeiro e Outro Preto-, recebeu a pioneira academia de direito de São Paulo, no largo São Francisco, cuja primeira turma tinha apenas 33 estudantes.

Olinda (PE), na mesma data -o 11 de agosto-, recebeu igual curso.

Nestes quase dois séculos, a advocacia contribuiu para a consolidação da cultura nacional e a formação da identidade dos brasileiros.

As arcadas da Faculdade de Direito do largo São Francisco, seio da advocacia, também serviram de nascedouro a importantes movimentos em defesa da democracia, da cidadania e do Estado democrático de Direito.

Elas foram foco de resistência da Revolução Constitucionalista de 1932 e, há 30 anos, palco da leitura da "Carta aos Brasileiros" pelo professor e jurista Goffredo da Silva Telles Júnior.

O documento se tornou um marco no processo de abertura política do país. Um de seus trechos afirmava: "Para nós, a ditadura se chama ditadura, e a democracia se chama democracia. Os governantes que dão nome de democracia à ditadura nunca nos enganaram e não nos enganarão".

Embora os 180 anos de instalação dos cursos jurídicos no Brasil sejam motivo de comemorações, também devem ser de reflexão sobre os destinos do ensino jurídico. A Faculdade de Direito do largo São Francisco, incorporada à USP, continua sendo um centro de excelência no ensino do direito, mas está longe da realidade de muitos cursos jurídicos do país.

A proliferação de faculdades de direito tem se mostrado danosa à qualidade do ensino. Dados oficiais apontam que o país tem mais de 1.077 cursos, com 1,5 milhão de estudantes matriculados e 240 mil novas vagas/ano.

A Constituição (clique aqui) é bastante clara em seu artigo 206, VII, ao afirmar que o ensino no Brasil deve ser ministrado com garantia de padrão de qualidade.

A OAB certamente tem obrigações com esse princípio constitucional e, portanto, com a qualidade do ensino jurídico. Por isso, constata e critica o fato de que muitos cursos jurídicos não atendem aos mínimos requisitos educacionais e pedagógicos, como manter corpo docente qualificado, currículos atualizados com as demandas do mercado, processo seletivo que realmente teste competências, bibliotecas atualizadas e infra-estrutura condizente com a formação que se quer dar ao futuro profissional.

O esforço pela recomposição dos níveis de qualidade do ensino jurídico começa pela vedação à abertura de novos cursos que não disponham de condições mínimas para funcionar.

A OAB se manifesta de forma opinativa sobre a criação de novos cursos, o que não vem surtindo o efeito saneador esperado, uma vez que, recentemente, dos 20 cursos autorizados pelo MEC, apenas um recebeu parecer favorável da OAB.

Essa atitude de condescendência do Ministério da Educação resulta em prejuízo para os bacharéis, que, vítimas da formação deficiente, jamais poderão seguir uma carreira jurídica, ou seja, ser aprovados no exame de ordem ou nos concursos para a magistratura, o Ministério Público ou delegado de polícia.

O exame de ordem consegue espelhar de forma cruel as mazelas dos cursos jurídicos no Brasil, aprovando uma média de apenas 20% dos inscritos, como aconteceu no último exame unificado, aplicado em 17 Estados do país. E por isso vem recebendo críticas continuadas e sendo alvo de projetos de lei que propõem sua extinção, o que seria um retrocesso.

O exame busca apurar se o bacharel possui conhecimentos básicos para atuar como advogado, constituindo também uma forma de proteger a própria sociedade, já que o profissional malformado colocará em risco a liberdade, o patrimônio, a saúde e a segurança dos seus clientes.

A advocacia, 180 anos depois, continua fiel às suas grandes bandeiras de defesa da cidadania e do Estado democrático de Direito. Mas, nas próximas décadas, certamente deve continuar se empenhando pela requalificação do ensino jurídico no país, resgatando um compromisso que permeou 180 anos de gloriosa história e que, se concretizado, beneficiará igualmente os estudantes, o jurisdicionado, os operadores do direito e a própria Justiça.

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*Advogado criminalista, mestre e doutor em direito penal pela USP, é presidente da OAB/SP







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