Precatórios e ética na advocacia: Quando o que é legal não basta
Decisão do TST invalida cessão de precatórios de trabalhador a seu advogado e reforça que a ética deve prevalecer sobre a legalidade formal na advocacia.
quinta-feira, 17 de julho de 2025
Atualizado às 15:23
A recente decisão da 6ª turma do TST, que considerou inválida a cessão de precatórios feita por um trabalhador ao seu próprio advogado, reacendeu um debate fundamental: os limites éticos da atuação profissional em processos judiciais, mesmo quando amparada por previsão legal.
No caso concreto, um agente dos Correios, vencedor de uma ação trabalhista contra a ECT, cedeu ao seu advogado o direito de receber os valores devidos por meio de precatórios. Embora o art. 286 do CC permita a cessão de créditos, inclusive de natureza alimentar, o TST reafirmou o entendimento de que, quando a cessão é feita ao próprio advogado da causa, viola o princípio da moralidade e caracteriza infração disciplinar, segundo o Estatuto da OAB.
Trata-se de uma decisão que merece atenção não apenas dos operadores do Direito, mas também de financiadores, gestores jurídicos e empreendedores que acompanham com interesse crescente o mercado de ativos judiciais. Afinal, o que está em jogo aqui não é apenas a legalidade formal de um contrato, mas a confiança na integridade do sistema de justiça.
Ética não é acessório. É estrutura.
Negócios jurídicos podem ser tecnicamente viáveis, mas não resistem quando violam o dever de lealdade, geram conflitos de interesse ou comprometem o equilíbrio da relação entre advogado e cliente. No caso dos precatórios - verbas de natureza alimentar que, muitas vezes, representam o sustento do trabalhador, a cautela precisa ser redobrada.
Quando o advogado se torna parte interessada no resultado financeiro da causa na qual o próprio cliente é autor - e passa a disputar com ele o tempo ou valor de uma execução - o risco de desvio de finalidade é evidente. E as consequências extrapolam o processo: comprometem diretamente a reputação da advocacia como função essencial à justiça.
O que isso sinaliza para o futuro?
Vivemos um momento de expansão do mercado de ativos judiciais, e a profissionalização da monetização de créditos - inclusive precatórios - é bem-vinda. No entanto, essa evolução demanda balizas éticas claras. Instrumentos como a cessão de crédito não devem ser criminalizados, mas conduzidos com responsabilidade, transparência e, acima de tudo, respeito à função social da advocacia.
A decisão do TST não é conservadora. É um lembrete de que o "pode" jurídico nunca deve atropelar o "deve" ético. Se quisermos construir um sistema mais eficiente, confiável e legitimado, será necessário alinhar inovação com integridade - e esse compromisso começa pelo exemplo que damos dentro da própria profissão.


