TCU e a resolução consensual: Como a inovação na Administração Pública combate a epidemia de litígios no Brasil
Com 83 milhões de processos no Brasil, o TCU aposta na SecexConsenso como alternativa para reduzir litígios e promover soluções consensuais na administração pública.
segunda-feira, 21 de julho de 2025
Atualizado em 18 de julho de 2025 14:26
Durante o VII Congresso Internacional CBMA de Arbitragem, em agosto de 2024, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF e do CNJ, alertou para a "epidemia de litigiosidade" que assola o Brasil. Barroso destacou que o país possui cerca de 83 milhões de processos para 160 milhões de adultos, uma estatística que, se simplificada, sugere que "um em cada dois brasileiros estão em juízo agora", extrapolando a média mundial.
Dados do CNJ confirmam a gravidade do cenário, revelando um aumento de 9,4% no número de processos em 2023 em comparação com o ano anterior. Esse crescimento não apenas sobrecarrega a máquina pública, mas também eleva os custos da justiça, tanto em termos de pessoal quanto de infraestrutura.
Em busca de soluções para mitigar os impactos desse cenário, o TCU publicou, em 2022, a IN 91/22, que instituiu a SecexConsenso - Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos. O objetivo da SecexConsenso é "contribuir para a efetividade das políticas públicas e a segurança jurídica de soluções tempestivas construídas de modo colaborativo e célere com a sociedade e os entes públicos".
Desde o início de 2023, a SecexConsenso atua em cinco eixos principais: construção colaborativa de soluções consensuais na administração pública; diálogo com as instituições na prevenção de conflitos; compartilhamento de informações entre entidades públicas durante a fase de negociação de acordos de leniência; elaboração e execução de estratégias para a participação cidadã no dia a dia do TCU; articulação de ações do controle externo com os Tribunais de Contas do Brasil; e compartilhamento de boas práticas de políticas públicas descentralizadas.
Para que um caso seja encaminhado à SecexConsenso, é necessário formular uma SSC - Solicitação de Solução Consensual, que só pode ser realizada por autoridades específicas, como o Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados, entre outros. Essas solicitações devem detalhar o objeto da controvérsia, apontando os riscos envolvidos, benefícios, situação do caso e outras informações pertinentes. Após a aprovação da SSC, a solução deve ser apresentada em até 90 dias, prazo que pode ser prorrogado por igual período.
É importante ressaltar que a SecexConsenso não exclui a atuação do Tribunal em outros procedimentos ou instrumentos de fiscalização. Pelo contrário, a unidade apenas institucionaliza um processo que já era realizado informalmente.
Com pouco mais de dois anos de funcionamento, a SecexConsenso já admitiu 25 casos e homologou 14 acordos pelo Plenário, sendo a ANTT o órgão que mais solicitou acordos - com 6 homologados. Um exemplo notável é a demanda relacionada à Usina Viana Povoação e Linhares, que gerou uma economia de R$ 224,5 milhões para os consumidores após intensas rodadas de negociação.
Apesar dos avanços, a normativa do Tribunal de Contas não foi unanimemente bem recebida. Em 2024, o Partido Novo ajuizou a ADPF 1183 - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, questionando a constitucionalidade da referida IN. As principais alegações incluem violação da legalidade administrativa, separação de poderes e moralidade administrativa. No entanto, a PGR - Procuradoria-Geral da República e a AGU - Advocacia-Geral da União já se manifestaram pelo não provimento da ADPF, defendendo a legitimidade da atuação preventiva do TCU.
A criação da SecexConsenso é um marco importante para a tendência autocompositiva no Brasil, embora não seja uma medida inédita na administração pública. Em 2007, a AGU já havia criado a CCAF - Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, com o objetivo de prevenir e reduzir litígios judiciais envolvendo a União e suas entidades. Mais recentemente, em setembro de 2024, a AGU e o TCU firmaram um acordo de cooperação técnico-científica para capacitação em soluções consensuais de controvérsia, reforçando a busca por alternativas à cultura de litigância no Brasil.
A SecexConsenso representa um avanço significativo para a intensificação das soluções consensuais, reforçando uma tendência de mudança de paradigma na administração pública brasileira. No entanto, é apenas o começo. A verdadeira mudança virá quando todas as autoridades competentes abraçarem essa iniciativa e, sobretudo, trabalharem juntas para promover uma cultura de resolução consensual de conflitos. É imperativo que continuemos debatendo este tema e buscando alternativas para garantir uma justiça menos litigiosa e mais eficiente.
Afinal, conforme conceito fundamental da célebre obra "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, "a melhor maneira de resolver um conflito é evitar que ele aconteça." No Brasil, muitas vezes - ou quase sempre - busca-se o confronto.
Andrews França
Sócio dos grupos de Direito Público e Tribunais Superiores do escritório Trench Rossi Watanabe.
Alec Gama
Associado do escritório Trench Rossi Watanabe na área de contencioso de direito público e regulatório.
Isadora Ribeiro
Associada do escritório Trench Rossi Watanabe na área de contencioso de direito público e regulatório.
Juliana Machado
Associada do escritório Trench Rossi Watanabe na área de contencioso de direito público e regulatório.






