Análise da ADIN 7.839: O caso do "decreto do IOF"
Avalia a ADIn 7.839, que questiona o decreto legislativo 179/225. O DL sustava o aumento de alíquotas do IOF e criava novas regras para o mesmo imposto.
terça-feira, 22 de julho de 2025
Atualizado às 15:32
1. Introdução
O objeto desta análise é a ADI 7.839, tendo por norma jurídica questionada o decreto legislativo 179/25. Tal decreto legislativo susta os decretos 12.466, de 22 de maio de 2025, 12.467, de 23 de maio de 2025, e 12.499, de 11 de junho de 2025, por meio dos quais o Presidente da República promovia a elevação do IOF - Imposto sobre Operações Financeiras.
Na data de ontem, mais uma decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes alterou os efeitos da liminar que havia suspendido o decreto legislativo. A nova decisão foi proferida ad refendum do Plenário. Como esclarecia o ministro Celso de Melo1, "o referendo pelo Plenário do STF qualifica-se como verdadeira condição resolutiva, jamais suspensiva, da eficácia do provimento cautelar concedido, monocraticamente, em caráter excepcional, no âmbito de processo de controle normativo abstrato." Ou seja, a decisão 16/6/2025 está valendo, até que o Plenário do STF a suspenda, a revogue ou a substitua por outra.
O que interessa: nesta data, incide novamente o aumento do IOF.
2. Uma análise
2.1. Impropriedade do manejo da ADI
O decreto legislativo previsto no art. 49, V, da Constituição Federal de 1988 - que permite ao Congresso Nacional sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa - é, do ponto de vista jurídico, um ato de natureza política com efeitos jurídicos, mas não é um ato normativo em sentido próprio (isto é, não cria normas jurídicas gerais e abstratas como leis ou regulamentos). Não se desconhece a jurisprudência do STF que foi alargando o controle dos decretos legislativos por meio de ADIns, mas, ainda assim, o caso atual não se amoldaria às exceções.
Mesmo que tenha efeitos externos ao Congresso Nacional - o que, aliás, somente o diferencia das "resoluções" (as quais são os atos internos) - seu real efeito é unitário, concreto, sem generalidade, sem abstração. Vale dizer: critério de cabimento de uma ADIn não é o fato de o decreto legislativo ou qualquer outra norma jurídica ter o efeito externo ao parlamento. É necessário saber se de fato é um ato normativo dotado de generalidade e abstração.
Sendo, como de fato é, um ato concreto e sem abstração, descaberia o controle pela via eleita:
[...] 3. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade. Precedentes: ADI 2.551 MC-QO, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 2/4/2003; ADI 2.422 AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 10/5/2012. 4. ADI julgada extinta sem resolução do mérito. (ADI 4170, relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 6/11/2019 PUBLIC 7/11/2019)
2.2. Ato político-do-legislativo: limite de controle respeitado
Vejamos a dicção do art. 49, V CF:
Art. 49, V, CF/88: É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
[...]
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa;
Nota-se que se trata de um ato político-do-legislativo, ato de fiscalização do Congresso Nacional sobre o Poder Executivo. Embora formalmente seja editado na forma de decreto legislativo, o ato não tem conteúdo normativo primário. Seu objetivo é sustar efeitos de um ato do Executivo que extrapolou sua competência.
Ainda que na legislação - lei parlamentar - de regência do IOF haja limites mínimos e máximos das alíquotas, ainda assim pode ocorrer o controle intermediário, quando o decreto gerar alguma majoração que o parlamento entender exorbitar o necessário. Repita-se: mesmo dentro dos espectros mínimos e máximos.
2.3. Ato unitário de efeito negativo
O decreto legislativo tem efeito jurídico negativo: susta os efeitos do ato normativo do Executivo, que foi considerado exorbitante. Não substitui o ato sustado por uma nova norma. Somente o susta, com base no controle político feito pelo Legislativo.
O parlamento não atua como "Tribunal", mas exerce seu "controle político". Diferente do controle de constitucionalidade exercido pelo Judiciário, esse controle pelo decreto legislativo é exercido politicamente pelo Congresso como função típica da fiscalização dos atos do Executivo.
O decreto legislativo que susta atos normativos do Poder Executivo exorbitantes do poder regulamentar possui natureza política, decorrente da função de controle do Legislativo sobre o Executivo. Não se trata de um ato normativo primário, mas de ato com eficácia suspensiva, que somente retira a eficácia do ato exorbitante, sem o substituir.
A sustação de atos do Executivo pelo Congresso Nacional é expressão do sistema de freios e contrapesos, inserindo-se na função fiscalizadora do Legislativo. O decreto legislativo respectivo não inova na ordem jurídica, somente retira efeitos de um ato que violou os limites do poder regulamentar.
Não se trata de um ato normativo típico. É um controle político, preventivo ou corretivo, cuja sanção é a sustação dos efeitos do ato exorbitante.
2.4. O caso da ADI 748 citado na inicial da ADIn
O caso citado na inicial como jurisprudência de apoio ao cabimento da Ação Direta - a exordial refere à ADIn 748 - tem uma peculiaridade. Data aquela ADIn de 1992. Anterior, portanto, à regulamentação da ADPF, por exemplo. Por isso havia esse alargamento (irregular) da ADIn.
Basicamente, todos os casos de discussão de decretos legislativos pela via de ADIn, parece haver uma referência direta ou sugerida ao caso da ADI 748. Repita-se: anterior à regulamentação das ADPFs (lei 9882/1999). A própria ADI 5744, também citada na inicial, remete textualmente à ADIn 748 como fundamentação jurídica.
Vale ainda fazer outra distinção relevante: aquele caso implicava em efeito retroativo do decreto legislativo, e, por isso, haveria a confusão de um "efeito normativo in concreto". Neste atual caso, a sustação não modifica nenhuma relação jurídica estabelecida com base na norma objeto da sustação, que nunca operou efeito.
2.4.1. Não estamos diante de casos excepcionais.
Como referido, atos de efeito concreto não devem ser submetidos ao controle abstrato de constitucionalidade. Podem ocorrer - como em muitas leis de orçamento, por exemplo - atos normativos concretos com algum efeito excepcional dotado de generalidade. Seria o caso também dos "decretos legislativos", com efeito normativo, de alguma forma, como os Decretos Legislativos para fixação de remuneração:
SUBSÍDIOS - GOVERNADOR - VICE-GOVERNADOR - SECRETÁRIO DE GOVERNO - VINCULAÇÃO - DECRETO LEGISLATIVO. Surge conflitante com a Constituição Federal, decreto legislativo que vincula o subsídio a ser satisfeito, considerados os cargos de governador, de vice-governador e de secretário de estado ao que percebido por deputados. Precedentes: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 1.714/AM, relator ministro Néri da Silveira, e ações diretas de inconstitucionalidade 2.738/PB, relator ministro Maurício Corrêa, e 4.154/MT, relator ministro Ricardo Lewandowski, com acórdãos publicados no Diário da Justiça de 23 de abril de 1999, 12 de dezembro de 2003 e 18 de junho de 2010, respectivamente.
(ADI 3480, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 26/10/2018 PUBLIC 29/10/2018)
Ocorre que não é o caso dos autos. É preciso conduzir o sistema de controle de constitucionalidade com boa técnica. O decreto legislativo 179/25 não é caso de ato normativo passível de submissão a uma ADIn. É caso de ato político. De efeito concreto. Caso alguém exerça o controle jurisdicional, que o faça pelos meios cabíveis.
2.5. Uso adequado do decreto legislativo, em matéria tributária. Ausência de usurpação de competência privativa do Executivo. Matéria Tributária. Isenção. Reduções de Alíquotas. Posição do STF.
Por fim, e levando a uma ilação, caso se confunda o decreto legislativo com ato normativo clássico, para cabimento da ADIn, é preciso verificar que se está diante de matéria tributária. Um caso de redução (total ou parcial) de alíquota ou até mesmo de hipóteses de incidência. O decreto legislativo, então, teria efeito jurídico semelhante à isenção, total ou parcial; ou a qualquer outra norma tributária de redução de exações.
Ora, é posição desta Suprema Corte que, em matéria tributária, não ocorre competência privativa do Poder Executivo, ex vi, Tema 682 cuja tese fixada foi: Inexiste, na Constituição Federal de 1988, reserva de iniciativa para leis de natureza tributária, inclusive para as que concedam renúncia fiscal. Ou, como resta ementado:
Tributário. Processo legislativo. Iniciativa de lei. 2. Reserva de iniciativa em matéria tributária. Inexistência. 3. Lei municipal que revoga tributo. Iniciativa parlamentar. Constitucionalidade. 4. Iniciativa geral. Inexiste, no atual texto constitucional, previsão de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo em matéria tributária. 5. Repercussão geral reconhecida. 6. Recurso provido. Reafirmação de jurisprudência.
(ARE 743480 RG, relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-228 DIVULG 19/11/2013 PUBLIC 20/11/2013)
Não há que se falar em nenhuma violação de "discrição" do executivo. Categoricamente, nenhuma. Já que o tipo de controle das alíquotas não está reservado à legislação executiva. O art. 153 da CF, ainda que faculte a fixação de alíquotas excepcionalmente por via administrativa, não afasta a possibilidade de atuação do legislativo. Por isso, se o decreto legislativo for tido como ato normativo, poderia, quando muito, ser confundido com uma "isenção" ou "redução de tributos" pelo parlamento. E isto não seria sequer inconstitucional, pois não é privativo do Presidente da República legislar em matéria tributária.
E mais: o "decreto" para efeito da tributação do IOF não é essencialmente "regulamentar". É criador direto de regras, por exceção constitucional, quanto a alíquotas majoradas:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[...]
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
[...]
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.
Repetindo afirmação anterior: ainda que o art. 153, § 1º faculte ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos como o IOF, isso não afasta a possibilidade de controle mesmo nos aumentos de alíquotas havidos dentro daqueles espectros mínimos e máximos.
E como deveria ser feito o controle legislativo? Ora, por um mínimo de paridade de formas. Como o Parlamento não edita decreto para poder revogar o decreto do Presidente da República, no que seria impossível exigir uma "paridade de forma" absoluta, o meio adequado seria, de fato, o decreto legislativo. O mais próximo do "decreto" executivo.
Note-se que o decreto presidencial não se submete à apreciação do processo legislativo regular, impedindo emendas parlamentares, ou mesmo substitutivos. Por isso mesmo, não seria possível exigir uma "lei parlamentar" para impactar a norma do decreto presidencial. Ao editar um decreto para aumento de alíquotas, o Poder Executivo o faz para fugir do tempo do processo legislativo. O faz para legislar rapidamente. A ratio do art. 153, § 1º da Constituição não é exonerar do controle parlamentar! Nem mitigar tal controle. A razão de ser do art. 153, § 1º é o elemento temporal: dar agilidade à legislação.
Logo, o meio correto de controle seria, exatamente, o decreto legislativo, que igualmente traz esta contemporaneidade e agilidade ao controle das alíquotas.
O decreto do Poder Executivo com base no art. 153, § 1º não é meramente "regulamentar". Por isso, não está o decreto legislativo limitado como estaria nos casos de decretos regulamentares, senão o sentido político-legislativo.
Por todas essas peculiaridades, ao editar o decreto legislativo, o campo de investigação de "exorbitância do executivo" pelo Parlamento é muito maior do que os limites escrutinados pela decisão proferida na ADIn. A tese da ADIn 7.839, e agora da decisão de ajuste , seria equivalente a negar a jurisprudência do STF - por vias transversas - da ausência de iniciativa privativa em matéria tributária para o Poder Executivo.
3. Conclusões
Postas essas razões, cabe concluir:
a) O decreto legislativo está despido de generalidade e abstração, é ato político de efeito concreto, não passível de controle via ADI;
b) E, caso o decreto legislativo seja entendido como norma geral e abstrata, para efeito de cabimento da ADI, ter-se-ia legislado em matéria tributária, campo sem qualquer reserva de competência e iniciativa para o Poder Executivo, e mediante paridade de formas adequada para efeito de controle de um decreto executivo pelo parlamento.
c) Postas essas razões, nenhuma inconstitucionalidade há a ser reconhecida.
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1 Vide, por exemplo, MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 31.158 PERNAMBUCO.


