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Medidas protetivas como justificativa para ausência da vítima em audiência

Recusa da suposta vítima de participar de audiência sob alegação de medidas protetivas não pode justificar protelação processual nem violar o direito ao contraditório.

sábado, 26 de julho de 2025

Atualizado em 25 de julho de 2025 11:18

1. Introdução

A lei Maria da Penha foi criada com o louvável propósito de proteger mulheres em situação de violência doméstica e familiar, conferindo ao juiz o poder de conceder medidas protetivas urgentes. No entanto, a aplicação dessas medidas não pode ocorrer de forma absoluta e desconectada de outros direitos fundamentais. Recentemente, tornou-se comum a utilização das medidas protetivas como justificativa para que a suposta vítima se recuse a participar de audiências, especialmente nas varas de família. Esse comportamento, que pode ser compreensível em alguns contextos, exige análise cuidadosa para que não se transforme em um mecanismo de obstrução do devido processo legal.

2. Medidas protetivas e seus limites jurídicos

As medidas protetivas previstas no art. 22 da lei Maria da Penha são instrumentos de tutela emergencial, podendo incluir proibição de contato, aproximação, suspensão de posse de arma de fogo e afastamento do lar, dentre outras restrições. Embora revestidas de urgência e boa-fé, essas medidas devem se harmonizar com o ordenamento jurídico como um todo.

A lei Maria da Penha não pode ser interpretada isoladamente, como se fosse um sistema autônomo. Ela dialoga com o restante do direito - com o contraditório, a ampla defesa, a duração razoável do processo, a segurança jurídica e, sobretudo, com o direito à jurisdição.

3. O direito à audiência como elemento essencial do processo justo.

O comparecimento das partes à audiência é essencial para a construção da verdade processual, especialmente nos processos de família, em que o relato pessoal e a oralidade contribuem decisivamente para a formação do convencimento judicial.

A ausência da parte interessada, sob o argumento genérico de temor ou desconforto, deve ser recebida com cautela pelo magistrado que preside o processo. A generalização dessa prática compromete o andamento processual e, pior, pode representar uma distorção da finalidade das medidas protetivas - que não são instrumento de vantagem processual, mas de proteção contra risco atual e concreto.

Além disso, em tempos de virtualização processual, a alegação de medo de encontrar o suposto agressor perde força. A maioria das audiências ocorre em ambiente virtual, e, mesmo que realizada presencialmente, o fórum é um ambiente público, seguro, monitorado e sob autoridade judicial.

4. O risco da instrumentalização das medidas protetivas

É imprescindível reconhecer que há mulheres que, de fato, experimentaram episódios de violência traumática e que têm dificuldades legítimas de comparecer a atos processuais, o que eu poderia concorrer para episódios de revitimização. No entanto, também é necessário reconhecer o risco da instrumentalização das medidas protetivas por supostas vítimas que se valem delas para influenciar o processo de família, retardar decisões que lhe favoreçam, mantendo o status jurídico provisório indefinidamente.

Essa conduta compromete não só os princípios da lealdade processual e da boa-fé, como também prejudica o próprio sistema de proteção às mulheres, que passa a ser visto com desconfiança por sua potencial deturpação.

O juiz deve, portanto, examinar cuidadosamente os fundamentos invocados para a ausência. O simples temor ou o desejo de evitar contato com o ex-companheiro não podem justificar, de forma absoluta, a ausência em audiência. O magistrado tem o dever de ponderar o valor do depoimento, a relevância da presença e a real existência de risco, evitando decisões automáticas que fragilizem o processo.

5. Conclusão

A proteção da mulher em situação de violência é dever do Estado. Contudo, esse dever não pode ser interpretado como carta branca para a dispensa de atos processuais relevantes sob justificativas genéricas. O direito à audiência, à produção de provas e à duração razoável do processo são igualmente garantias constitucionais que não podem ser suprimidas em nome de um temor não comprovado.

Cabe ao juiz exercer seu papel de filtro, analisando a plausibilidade da justificativa e coibindo o uso oportunista das medidas protetivas como mecanismo de obstrução. Em um sistema de justiça equilibrado, o enfrentamento à violência doméstica deve conviver com o respeito ao devido processo legal e à boa-fé de todos os envolvidos.

Júlio Cesar Konkowski da Silva

VIP Júlio Cesar Konkowski da Silva

Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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