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Remessas ao exterior e IR-Fonte em contratos de cost sharing

O reembolso proporcional de despesas comuns, sem caráter oneroso, não configura fato gerador do IRRF.

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Atualizado às 10:16

A centralização de funções administrativas em estruturas internacionais de grupos empresariais tem levado à adoção de contratos de compartilhamento de custos e despesas, os chamados cost sharing agreements. Por meio desses contratos, uma das entidades do grupo assume, em seu nome, custos comuns a diversas empresas coligadas ou controladas, arcando com tais despesas e, posteriormente, sendo reembolsada de forma proporcional pelos demais participantes.

No Brasil, é recorrente a tentativa de requalificação dessas operações como prestação de serviços, especialmente quando envolvem remessas ao exterior. Em tais hipóteses, sustenta-se a incidência do IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte, com fundamento na suposta remuneração por serviços técnicos.

Esse entendimento desconsidera a natureza jurídica do cost sharing, bem como a ausência dos elementos que configuram prestação de serviços.

Inexistência de fato gerador do IRRF

Nos termos do art. 43 do CTN, a incidência do imposto sobre a renda depende da aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. Por sua vez, o art. 594 do CC exige a onerosidade como elemento essencial do contrato de prestação de serviços.

Nos contratos de cost sharing, não há contraprestação, lucro ou qualquer acréscimo patrimonial. O reembolso limita-se à recomposição dos valores efetivamente incorridos pela entidade centralizadora em nome das demais. Trata-se, portanto, de uma operação de soma zero, típica de despesas suportadas por conta e ordem de terceiros, com posterior restituição proporcional. Essa dinâmica impede o reconhecimento de receita tributável e, por consequência, afasta a incidência do IRRF.

Reconhecimento da natureza jurídica do reembolso pela Receita Federal

A própria Receita Federal já sinalizou, em soluções de consulta (como as 378/17 e 94/19), que remessas ao exterior a título de reembolso de despesas não constituem fato gerador do IRRF, desde que observados certos requisitos:

  • ausência de margem de lucro ou sobrepreço;
  • existência de contrato formal prévio;
  • critérios objetivos e proporcionais de rateio;
  • vinculação a atividades-meio (e não fim);
  • escrituração contábil destacada.

Atendidos esses critérios, o reembolso assume natureza de restituição e não pode ser confundido com pagamento por serviço.

Considerações finais

A tentativa de submeter remessas internacionais decorrentes de contratos de cost sharing à incidência do IRRF representa distorção da materialidade tributável. Afinal, na ausência de lucro, contraprestação ou resultado empresarial, o reembolso de custos administrativos não configura o fato gerador do imposto.

Diante disso, autuações fiscais que desconsideram a natureza jurídica dos contratos de compartilhamento de custos, ou que requalificam reembolsos como prestação de serviços, violam a regra da legalidade e comprometem a segurança jurídica das operações internacionais dos grupos empresariais.

Aurélio Longo Guerzoni

VIP Aurélio Longo Guerzoni

Sócio do Guerzoni Advogados, com atuação em direito tributário desde 2008. É especialista (2013) e mestre (2020) em direito tributário pela FGV/SP.

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