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PL 2159/21 - A polêmica lei de licenciamento ambiental

Após 21 anos de tramitação, nova lei de licenciamento ambiental é aprovada com o desafio de conciliar a proteção ao meio ambiente, o desenvolvimento social e econômico no Brasil.

terça-feira, 22 de julho de 2025

Atualizado às 12:37

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), o meio ambiente brasileiro passou a contar com mecanismos de proteção estatal, sinalizando claramente a importância do binômio "fomento à produção agropecuária x proteção ambiental" como diretrizes para seu equilíbrio.

A CRFB/88 estabelece, em seu art. 23, incisos VI e VII, a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios na proteção do meio ambiente, no combate à poluição em qualquer de suas formas e na preservação das florestas, da fauna e da flora.

Se, por um lado, a proteção ao meio ambiente foi destacada, por outro, o texto constitucional incluiu o incentivo à produção agropecuária e a organização do abastecimento alimentar (CRFB/88, Art. 23, Incisos VIII), configurando uma aparente contradição que exige atenção e regulamentação clara por parte do legislativo, a fim de evitar a prevalência de um sobre o outro. Em outras palavras, trata-se da busca pelo desenvolvimento sustentável.

A CNUMAD - "II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento", também conhecida como "ECO-92", "Cúpula da Terra" ou "Rio 92", reuniu 178 chefes de governo dos países membros da ONU no Rio de Janeiro, em junho de 1992, e estabeleceu vinte e sete princípios que orientam o Desenvolvimento Sustentável, os quais se destacam:

[...] "Princípio 2 : Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e os princípios da lei internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas ambientais e de desenvolvimento, e a responsabilidade de velar para que as atividades realizadas sob sua jurisdição ou sob seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de zonas que estejam fora dos limites da jurisdição nacional. [...]

[...] "Princípio 3 : O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda eqüitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras" [...]

e

[...] "Princípio 4 : A fim de alcançar o estágio do desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada." [...]

Com a "Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento", percebe-se que o desenvolvimento sustentável possui três dimensões indissociáveis: a ambiental, a social e a econômica. A relação entre essas dimensões deve ser pautada pelo equilíbrio, de modo que a legislação não cause prejuízos às demais áreas.

Destaca-se, ainda, a visão inovadora e futurista da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), promulgada quatro anos antes da CNUMAD, que, em seus artigos, estabelece uma articulação clara entre o meio ambiente, o desenvolvimento social e o econômico, oferecendo diretrizes para que a legislação infraconstitucional possa proteger o meio ambiente, ao mesmo tempo em que assegura o desenvolvimento social e o econômico.

Alinhado a estes objetivos, após vinte e um anos de tramitação1, o Congresso Nacional Brasileiro, em 16 de julho de 2025, aprovou, em última votação, o PL 2159/21, que "Dispõe sobre o licenciamento ambiental; regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal; altera as leis 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e 9.985, de 18 de julho de 2000; revoga dispositivo da lei 7.661, de 16 de maio de 1988; e dá outras providências.", sendo encaminhado posteriormente à sanção presidencial.

Data vênia a todos aqueles que consideram a aprovação deste projeto como um retrocesso, sob a alcunha de "PL da Devastação", o PL do Licenciamento Ambiental introduz mecanismos significativos para a modernização do licenciamento ambiental no Brasil, sem que isso implique em um favorecimento do desenvolvimento econômico em detrimento da proteção ambiental e do desenvolvimento social.

No modelo adotado pelo Brasil até então, o CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente - um órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente - foi o responsável por deliberar sobre normas e padrões para o meio ambiente atualmente em vigor, no entanto, suas deliberações se tornam frágeis sem uma lei geral de licenciamento ambiental que lhe dê suporte. Essa é precisamente a primeira função do projeto de lei aprovado: conferir maior segurança jurídica por meio de uma legislação nacional que estabeleça diretrizes gerais a serem observadas por todos os entes federativos.

A proposta introduz novos instrumentos de licenciamento ambiental, com o objetivo de agilizar os processos e torná-los mais eficientes. Além das já tradicionais LP - Licenças Prévia, de LI - Instalação e de LO - Operação, previstas no decreto 99.274, de 6 de junho de 1990, Art. 24, a nova lei introduz quatro novas modalidades:

  • LAU - Licença Ambiental Única: Trata-se de uma "licença que, em uma única etapa, atesta a viabilidade da instalação, da ampliação e da operação de atividade ou de empreendimento, aprova as ações de controle e monitoramento ambiental e estabelece condicionantes ambientais para a sua instalação e operação e, quando necessário, para a sua desativação;" PL 2159/21, Art. 3º, XXVIII;
  • LAC - Licença por Adesão e Compromisso: esta modalidade de licenciamento "atesta a viabilidade da instalação, da ampliação e da operação de atividade ou de empreendimento que observe as condições previstas nesta lei, mediante declaração de adesão e compromisso do empreendedor com os requisitos preestabelecidos pela autoridade licenciadora" PL 2159/2021, Art. 3º, XXVII;
  • LOC - Licença de Operação Corretiva: Assemelha-se a um TAC - Termo de Ajuste de Conduta, esta mecanismo representa uma tentativa de integrar à legalidade, empreendimentos que hoje operam irregularmente, desde que se que adequem às normas ambientais, uma vez que "regulariza atividade ou empreendimento que esteja operando sem licença ambiental, por meio da fixação de condicionantes que viabilizam sua continuidade em conformidade com as normas ambientais" PL 2159/21, Art. 3º,.XXXII;
  • LAE - Licença Ambiental Especial: trata-se de "ato administrativo expedido pela autoridade licenciadora que estabelece condicionantes a ser observadas e cumpridas pelo empreendedor para localização, instalação e operação de atividade ou de empreendimento estratégico, ainda que utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente;" PL 2159/21, art. 3º, XXVI.

Portanto, os novos modelos de licenciamento tornam mais simples a obtenção de nova licenças, a renovação ou a regularização, especialmente para empreendimentos com menor potencial poluidor da atividade ou do empreendimento.

Um dos pontos mais polêmicos do projeto - e que deverá ser objeto de regulamentação pelos órgãos licenciadores - refere-se aos casos de dispensa de licenciamento, previstos nos arts. 8º e 9º do PL 2159/21. Entre as hipóteses elencadas estão obras e intervenções emergenciais em resposta a colapsos de infraestrutura, ações urgentes para prevenir danos ambientais iminentes ou mitigar situações que representem risco à vida, atividades relacionadas à distribuição de energia elétrica, bem como manutenção ou melhorias em instalações preexistentes situadas em faixa de domínio ou servidão. Além disso, o projeto prevê a dispensa de licenciamento para determinadas atividades agropecuárias, desde que observados critérios técnicos específicos.

Não se trata de um projeto que dá um salvo-conduto para desmatar. O §3° do art. 9 estabelece que:

[...] § 3º A não sujeição ao licenciamento ambiental de que trata este artigo não exime o empreendedor da obtenção, quando exigível, de licença ambiental, de autorização ou de instrumento congênere, para a supressão de vegetação nativa, para o uso de recursos hídricos ou para outras formas de utilização de recursos ambientais previstas em legislação específica. [...].

Por fim, o art. 10 do PL 2.159/21 assegura a adoção de procedimentos simplificados e a prioridade na análise do licenciamento de projetos de saneamento básico, em conformidade com a lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007. O referido artigo também prevê a dispensa de licenciamento até o alcance das metas de universalização, conforme disposto em seu §1º.

Diante de todo o exposto, Data Vênia a todos aqueles que consideram a aprovação deste projeto como um retrocesso, entendemos que a sua aprovação representa avanços significativos: a nova lei representa um importante passo para modernizar e tornar mais eficiente o licenciamento ambiental, em harmonia com o desenvolvimento sustentável.

A aplicação prática desta lei dependerá de regulamentações estaduais e municipais, além da capacitação dos órgãos ambientais no licenciamento e na atuação firme na fiscalização.

O equilíbrio entre a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento social e econômico é um desafio constitucionalmente previsto no Brasil. Se aplicada com responsabilidade, a nova lei pode se tornar um instrumento valioso para a construção de um modelo de desenvolvimento que caminhe lado a lado com a conservação ambiental.

_______

1 Projeto PL 3729/04 foi proposto inicialmente em 18 de junho de 2004 e aprovado como PL 2159/21 em 16 de julho de 2025 (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=257161)

Marcelo Galdieri

VIP Marcelo Galdieri

Advogado e Engenheiro Civil. Diretor de Regularização Fundiária na prefeitura de Diadema/SP. Especialista em Regulação do Saneamento, foi Analista de Regulação na SABESP.

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