Foro arbitral aleatório e prática abusiva do franqueador à luz da lei 14.879/24
Possibilidade de reconhecimento da patologia da cláusula compromissória em contratos de franquia, conforme § 3.º do art. 63 do CPC.
terça-feira, 22 de julho de 2025
Atualizado às 15:39
A lei 14.879/24, promoveu alteração no art. 63 do CPC. De acordo com o novel art. 63, § 1.º, "a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor".
Por sua vez, o art. 63, § 5.º aduz, ainda, que "o ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício".
A aplicação da lei, por sua vez, já é corrente no Poder Judiciário, como ressaltam os seguintes precedentes que, inclusive, destacam a viabilidade do declínio de ofício pelo juízo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. CABIMENTO. TAXATIVIDADE MITIGADA. ART. 63 DO CPC. LEI 14 .879/24. APLICABILIDADE. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. ESCOLHA ABUSIVA . DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. 1. A discussão sobre a competência para o processamento e julgamento da ação possui aptidão para causar prejuízo manifesto às partes e ao trâmite processual, razão pela qual admite-se a interposição do agravo de instrumento sob a ótica da tese de taxatividade mitigada (Tema 988 do STJ). 2 . A recente alteração legislativa do CPC (lei 14.879/24) se aplica desde logo aos processos pendentes, na forma prevista nos artigos 14 e 1.046 do CPC, e por se tratar de deliberação sobre situação não consumada (definição do juízo competente), observada a Teoria dos Atos Processuais Isolados . 3. Nos termos do art. 63, §§ 3º e 5º, do CPC, com redação dada pela lei 14 .879/24, não se admite a eleição indiscriminada de foro, desvinculada dos domicílios das partes ou do local da obrigação. Na hipótese, no contrato firmado foi eleito o foro de Brasília, que não corresponde ao domicílio do exequente, tampouco do executado. 4. Agravo de instrumento conhecido e não provido .(TJ-DF 07012733020248079000 1906861, Relator.: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Data de Julgamento: 14/8/2024, 6ª turma Cível, Data de Publicação: 28/8/2024)
Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO MONITÓRIA. CDC. INAPLICABILIDADE . COMPETÊNCIA TERRITORIAL RELATIVA. ESCOLHA ALEATÓRIA DO FORO. DECLINAÇÃO DE OFÍCIO. CABIMENTO. LEI 14.879/24. CPC/15, ART. 63, § 5º . COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. 1. A ação monitória na qual se originou o conflito de competência trata de negócio jurídico realizado entre empresas, inexistindo relação de consumo, sendo, portanto, inaplicável a tese firmada por este eg. TJ/DFT no IRDR 0702383-40 .2020.8.07.0000 - Tema 17, qual seja: ?Nas ações propostas contra o consumidor é cabível a declinação de competência de ofício? . 2. O foro competente para a Ação Monitória é, em regra, o do domicílio do réu (CPC/15, art. 46 c/c CC, art. 327). E, sendo a ré pessoa jurídica, é competente o domicílio onde está sediada (CPC/15, art . 53, III, ?a?). 3. No caso concreto, a Autora está sediada em Manaus/AM e a Ré possui sede em Taguatinga/DF. No entanto, a Ação Monitória foi ajuizada na Circunscrição Judiciária de Brasília . 4. Instada a manifestar o motivo da distribuição do feito em localidade diversa do domicílio de ambas as partes, a Autora afirmou a existência de equívoco e requereu a redistribuição do processo ao juízo competente. 5. Nesse contexto, ainda que se trate de competência territorial que, em regra, não pode ser declinada de ofício ( CPC/15, art . 64 e Súmula 33 do STJ), no caso concreto, mostra-se cabível a declinação da competência, de ofício, diante da constatação da escolha aleatória do foro, nos termos do art. 63, § 5º, do CPC/15, com a redação dada pela recente lei 14.879, de 4 de junho de 2024. 6 . Conflito negativo conhecido para declarar a competência do d. Juízo da 2ª vara Cível de Taguatinga, o Suscitante. (TJ/DF 07156045120248070000 1912985, relator: Robson Teixeira de Freitas, Data de Julgamento: 26/8/2024, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 12/9/2024)
Nas relações de franquia, é certo que franqueadores, em evidente uso de sua posição dominante, tem optado por impor, nas relações jurídicas com seus franqueados, disciplinadas através e contratos de adesão - natureza esta já reconhecida, há longa data, pelo STJ, a sujeição dos conflitos inerentes ao instrumento ao foro arbitral.
As câmaras arbitrais eleitas, a seu turno, não guardam qualquer pertinência com o local da obrigação. Pelo contrário, distanciam-se de tal forma do domicílio ou residência de ambas as partes que dificultam, sobremaneira, o exercício do direito de ação pelo franqueado. Não é demais dizer, ainda, que os custos do procedimento arbitral também são postos como obstáculo quase instransponível ao acesso à Justiça pela parte vulnerável - o franqueado.
A jurisprudência do STJ tem registrado diversos precedentes que reconhecem o caráter patológico da cláusula arbitral em contratos de franquia, permitindo o processo e julgamento do feito na Justiça Estatal, não obstante a autonomia da cláusula compromissória estabelecida (art. 8.º da lei de arbitragem).
De acordo com a Lei de Arbitragem, nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula (art. 4.º, § 2.º).
A seu turno, os precedentes judiciais caminham para o reconhecimento reiterado de que a falta do dever de informação quanto aos reais custos e procedimento da justiça arbitral possui o condão de gerar a invalidade ou ineficácia da cláusula contratual que o impõe.
Entretanto, surge relevante a questão quanto à possibilidade de reconhecer a patologia do compromisso arbitral que, em tese, atende aos requisitos legais estipulados pela legislação, quando presente visível abuso de direito na sua imposição, com desrespeito à pertinência com o domicílio ou residência das partes ou com o local da obrigação.
Neste sentido, compreende-se mais consentânea com a perspectiva legal e com o microssistema de proteção ao franqueado, posição que defende a possibilidade de reconhecimento da patologia da cláusula compromissória na hipótese descrita no novel § 3.º do art. 63 do CPC.
A só enunciação de que câmaras Arbitrais com corpo de árbitros especializados na relação de franchising estariam presentes apenas em determinados estados da Federação, assim, não socorre a pretensão de determinado setor da doutrina, sobretudo voltados à defesa de franqueadores, no sentido de pretender dar notas de regularidade à imposição de foro arbitral aleatório nas relações de franquia.
A nosso ver, esta construção argumentativa apenas reforça deliberado preconceito com órgãos arbitrais instituídos pelo país e reforça que o direcionamento de litígios para determinada câmara arbitral, pelo franqueador, pode ter como lastro o conhecimento prévio e privilegiado quanto à direção de entendimento de seu corpo de árbitros, de sorte a mitigar, consideravelmente, as suas chances de derrota no foro imposto.
A instituição de foro arbitral fora do raio de domicílio ou residência do franqueado, ou que guarde mínima pertinência com o local de adimplemento das obrigações contratuais caracteriza sintoma, portanto, da irregularidade na eleição do juízo arbitral competente para solver controvérsias decorrentes da relação de franquia.
A priorização de foro arbitral que conforte o franqueador, neste sentido, deve ser reconhecida como inválida, permitindo o declínio de competência na forma preceituada pelo art. 63, § 5.º, do CPC, por patente abusividade. A prática abusiva, a propósito, é tipificada por lei e, portanto, não demanda provocação ou prova por parte do aderente, visto que evidente o prejuízo significativo e imposição unilateral a este.
Dessa forma, nas relações de franquia fundadas em contrato de adesão, as novas regras de foro introduzidas pela lei 14.879/24 possuem implicações práticas significativas, permitindo, assim, a declaração de nulidade de cláusula de foro arbitral que não guarde pertinência com o domicílio ou residência das partes ou com o local da obrigação. Evita-se, nesse aspecto, a imposição de foros arbitrais aleatórios com o escopo de prejudicar o franqueado, geralmente em situações de maior vulnerabilidade.
A aplicabilidade da lei 14.879/24 às relações de franquia, por outro lado, visa equilibrar as relações contratuais, sobretudo pela dinâmica de imposição contratual que não permite ao franqueado poder de negociação quanto às cláusulas apresentadas.
A legislação, ao permitir que a cláusula de foro seja questionada judicialmente se for considerada excessivamente onerosa ou desproporcional, protege o franqueado e permite a ampliação razoável do conceito de compromisso arbitral patológico, na esteira da pacífica jurisprudência do STJ.
A aplicabilidade da mudança no âmbito da definição de foro arbitral nas relações de franquia, também, condiciona os limites de atuação do franqueador no endereçamento das disposições contratuais.
É necessário, portanto, que, doravante, revisem suas cláusulas de eleição de foro para garantir que estejam em conformidade com a nova legislação, evitando litígios e assegurando que as condições contratuais sejam justas e equilibradas.
Aqueles que não se adequarem ao cenário posto, por sua vez, e envidarem esforços para tornar a imposição do foro arbitral uma barreira de acesso à justiça estarão à margem da legalidade, ampliando o horizonte de conflitos judiciais.
Além disso, a possibilidade de o juiz declinar de ofício a competência em casos de foro aleatório reforça a proteção ao franqueado, assegurando que as disputas sejam resolvidas em um foro que não imponha desvantagens excessivas.
Vale lembrar, neste contexto, que o STJ, ao se debruçar sobre a nova legislação, já entendeu por superada o enunciado de súmula 33 da Corte, que dispõe que a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.
Ainda conforme precedente da relatoria da min. Nancy Andrighi, "a redução da abusividade pelos litigantes, associada à defesa da boa-fé objetiva e à proteção do interesse público, constou expressamente entre os motivos para a elaboração da proposta legislativa - que, com alterações apenas de forma, culminou no texto sancionado".
É certo, portanto, que a boa-fé objetiva deve ser homenageada, também, na eleição de foro arbitral nas relações de franquia. Diferentemente, porém, das consequências advindas na esfera de mero declínio de foro territorial, a hipótese será de reconhecimento de compromisso arbitral patológico, habilitando o Poder Judiciário a solver a controvérsia instaurada.


