Pousio acima de 5 anos não afasta a área rural consolidada
A regeneração natural por período superior a cinco anos não descaracteriza área consolidada. Análise da função temporal do pousio no Código Florestal.
quarta-feira, 23 de julho de 2025
Atualizado às 11:07
A questão da manutenção da caracterização de área rural consolidada em face da regeneração natural superveniente constitui controvérsia interpretativa relevante no atual cenário do Direito Ambiental brasileiro. Frequentes equívocos hermenêuticos têm sido observados na aplicação do regime de pousio, especialmente quando determinada área que em 22/7/2008 encontrava-se em uso agrossilvipastoril consolidado posteriormente teve suas atividades interrompidas por período superior ao limite quinquenal estabelecido no art. 3º, inciso XXIV, do Código Florestal.
O problema manifesta-se de forma paradigmática quando proprietários rurais, após décadas de atividade agropecuária regular, optam por interromper temporariamente suas atividades produtivas, permitindo a regeneração natural da vegetação. A questão jurídica central que se apresenta é se tal circunstância, quando excede o prazo máximo de cinco anos previsto na definição legal de pousio, acarretaria a perda da caracterização de área consolidada e, consequentemente, a impossibilidade de retomada das atividades produtivas sem prévia autorização de supressão vegetal. A resposta é categoricamente negativa.
Esta problemática revela incompreensão fundamental sobre a natureza jurídica do instituto das áreas consolidadas e a função específica do regime de pousio na sistemática do Código Florestal. Os equívocos interpretativos decorrem da confusão entre o critério temporal utilizado para caracterização histórica da consolidação e os efeitos jurídicos permanentes desta caracterização uma vez configurada.
A função delimitadora do critério temporal no regime de pousio
O instituto do pousio, conforme definido pelo art. 3º, inciso XXIV, da lei 12.651/12, caracteriza-se como "prática de interrupção temporária de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais, por no máximo cinco anos, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo". Esta definição normativa possui função específica e limitada na sistemática das áreas rurais consolidadas, cuja compreensão inadequada tem gerado interpretações equivocadas que comprometem a segurança jurídica dos proprietários rurais.
A questão central reside na determinação temporal da aplicação do regime de pousio e suas consequências para a manutenção da caracterização de área consolidada. O Código Florestal, ao estabelecer o conceito de área rural consolidada no art. 3º, inciso IV, como "área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22/7/2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio", estabeleceu critério temporal específico que visa unicamente identificar qual uso existente naquela data histórica deveria ser considerado consolidado.
A expressão "admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio" possui função exclusivamente retrospectiva e temporal, destinada a permitir que propriedades que se encontravam em pousio no marco temporal de 22/7/2008 pudessem comprovar a consolidação de suas áreas. O legislador reconheceu que a prática tradicional do pousio integra o manejo agrossilvipastoril e não pode ser interpretada como abandono da atividade produtiva para fins de caracterização da ocupação antrópica preexistente.
Consequentemente, o limite máximo de cinco anos estabelecido na definição legal de pousio encontra-se intrinsecamente vinculado ao marco temporal, criando janela retrospectiva que alcança ocupações iniciadas a partir de 22/7/2003. Esta interpretação sistemática decorre da necessidade de delimitar temporalmente quais áreas em pousio no marco temporal poderiam ser consideradas como continuidade de atividade agrossilvipastoril anterior, e não que a suspensão das atividades acima de cinco anos, após o marco, enseja a perda da consolidação.
A irretroatividade da perda da consolidação
Uma vez estabelecido que uma área possui ocupação antrópica preexistente a 22/7/2008 - seja por edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, incluindo aquelas em regime de pousio -, esta caracterização jurídica de consolidação não se perde pela posterior regeneração natural da vegetação, ainda que esta perdure por período superior a cinco anos.
O Código Florestal não estabeleceu hipóteses de perda da caracterização de área consolidada em função da regeneração superveniente. O art. 3º, inciso IV, ao definir os elementos constitutivos da consolidação, não previu hipóteses de desconstituição desta caracterização. Esta ausência não constitui lacuna legislativa, mas opção política deliberada do legislador em conferir estabilidade jurídica às ocupações anteriores ao marco temporal.
A distinção conceitual entre o regime de pousio para fins de caracterização histórica e a eventual regeneração posterior da área consolidada reveste-se de importância prática fundamental. O regime jurídico diferenciado das áreas consolidadas fundamenta-se no reconhecimento de direito adquirido ao uso produtivo sob parâmetros ambientais específicos, não na manutenção perpétua de determinada atividade, contrariando até mesmo as lógicas de uso sustentável.
A instrução normativa 04/23 da SEMA-MT corrobora este entendimento ao estabelecer no art. 42, § 8º, que "a área definida como consolidada, nos termos do que estabelece o Código Florestal, não perde essa condição, salvo se voluntariamente requerida pelo proprietário/possuidor sua recategorização". O § 9º complementa determinando que "eventual regeneração da área consolidada sujeita o proprietário/possuidor a obtenção de autorização de supressão de vegetação, conforme parâmetros contidos na legislação vigente, e cumprimento da reposição florestal obrigatória".
Continuidade versus regeneração
A tentativa de condicionar a manutenção da caracterização de área consolidada à observância do limite quinquenal de pousio, após 22/7/2008, é uma situação complexa. Esta interpretação equivocada geraria situação em que a manutenção da caracterização dependeria da contínua do uso do solo, enquanto práticas de conservação ou regeneração natural acarretariam perda de direitos. Estudos comprovam que pousio de 3 a 7 anos - podendo ser acima do limite do código - podem recuperar até 75% da porosidade do solo, contribuindo para uma maior eficácia. (MIRANDA, João Paulo Lima de et al. Influência do Pousio na Recuperação de Propriedades Físicas de um CAMBISSOLO em Ambiente Agrícola Serrano - Bom Jardim (RJ). In: MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO E DA ÁGUA NO CONTEXTO DAS MUDANÇAS AMBIENTAIS, 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2008. p. 1-4.)
Este resultado contrariaria frontalmente os objetivos ambientais perseguidos pelo próprio Código Florestal, que busca conciliar produção agropecuária com conservação dos recursos naturais. Proprietários rurais que desenvolveram suas atividades sob regime normativo anterior ficariam perpetuamente sujeitos à perda de direitos em função de processos naturais sobre os quais não exercem controle direto.
A administração não pode criar armadilha jurídica onde o cumprimento de objetivos ambientais implique automaticamente na perda de direitos legalmente reconhecidos. Esta interpretação viola os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica, fundamentais ao estado de direito.
As consequências práticas da regeneração em área consolidada
A regeneração avançada superveniente em área consolidada não desconstitui a consolidação, mas apenas condiciona nova intervenção à obtenção de autorização de supressão vegetal e cumprimento das obrigações de reposição florestal, conforme estabelecido pelos órgãos ambientais competentes. Esta disciplina normativa evita que práticas de conservação ou regeneração natural acarretem perda de direitos legalmente reconhecidos.
O § 4º do art. 42 da instrução normativa 04/23 da SEMA-MT especifica que "a área com exercício da atividade agrossilvipastoril implantada até 22/7/2003, que se encontra em regime de pousio no marco temporal do Código Florestal, será considerada como consolidada", reforçando o caráter retrospectivo do critério temporal.
A lógica normativa subjacente a esta disciplina reconhece que o marco temporal de 22/7/2008 estabeleceu divisão jurídica definitiva entre regimes de responsabilização ambiental. Para ocupações anteriores a esta data, o Estado brasileiro optou por regime de transição que privilegia a regularização sobre a punição, criando instituto jurídico estável que não pode ser desconstituído por meras alterações posteriores na cobertura vegetal.
Distinção entre ilegalidade formal e material na supressão vegetal
A aplicação de embargos ambientais em áreas consolidadas regeneradas envolve questão fundamental sobre a natureza do ilícito ambiental. A supressão vegetal em área tecnicamente conversível, por não perder sua caracterização, mesmo sem autorização prévia, constitui ilegalidade meramente formal, caracterizada pela inobservância de procedimento administrativo sem violação ao bem jurídico substancialmente protegido.
Esta modalidade de ilegalidade é passível de regularização mediante cumprimento superveniente dos requisitos técnicos e legais, como eventual cumprimento de reposição florestal, não gerando dano irreversível ao bem jurídico tutelado. A punição adequada limita-se à aplicação de sanção pecuniária proporcional à gravidade da infração, sem necessidade de medidas de natureza restitutória que seriam posteriormente desconstituídas pelo próprio sistema normativo. Demais disso, seria contrassenso exigir regeneração de uma área em que o ordenamento autoriza a supressão.
Diversamente, a supressão vegetal em área de maior proteção - APP ou reserva legal - configura ilegalidade material insanável, caracterizada pela violação direta e irreversível do bem jurídico protegido. Nesta hipótese, e somente nesta, justificam-se plenamente tanto a exigência de regeneração natural quanto a manutenção de embargo como formas tecnicamente adequadas de cessação do ilícito e reconstituição do bem jurídico lesado.
Conclusão
A sistematização correta do regime de áreas consolidadas estabelece que o critério temporal de cinco anos para caracterização do pousio aplica-se exclusivamente à delimitação retrospectiva e prospectiva de quais áreas devem ser consideradas consolidadas no marco de 22/7/2008. Assim, é possível que em 22/7/2008 alguma área esteja sem atividade, em pousio, "com cinco anos para mais, ou para menos". Uma vez configurada esta consolidação histórica através da comprovação da ocupação antrópica preexistente, a área mantém tal caracterização independentemente de alterações posteriores em sua cobertura vegetal.
A regeneração natural superveniente em área consolidada, ainda que perdure por período superior a cinco anos, não descaracteriza a consolidação. Esta regeneração apenas condiciona eventual nova intervenção à obtenção de autorização de supressão vegetal e cumprimento das obrigações de reposição florestal, preservando os direitos adquiridos pelo proprietário rural e evitando a criação de paradoxos jurídicos incompatíveis com os objetivos da própria legislação ambiental.
A manutenção desta interpretação sistemática é fundamental para garantir a segurança jurídica dos proprietários rurais e a efetividade do próprio Código Florestal como instrumento de conciliação entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, evitando a perpetuação de litígios e a criação de situações juridicamente insustentáveis que comprometem tanto a proteção ambiental quanto a atividade produtiva rural.


