O estresse e o alto volume de litígios no Brasil
O Brasil é um dos países com maior número de processos judiciais no mundo. O alto volume de litígios impacta diretamente a saúde mental dos profissionais que atuam no sistema de Justiça.
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Atualizado às 15:05
O Brasil é um dos países com maior número de processos judiciais no mundo. O alto volume de litígios impacta diretamente a saúde mental dos profissionais que atuam no sistema de Justiça. Neste artigo apresento uma reflexão sobre os efeitos psicossociais dessa sobrecarga, evidenciando o estresse crônico como uma consequência frequente, além de sugerir caminhos para prevenção e cuidado com o bem-estar desses profissionais.
A Justiça brasileira acumula mais de 80 milhões de processos ativos, segundo dados do CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Esse cenário de hiperjudicialização pressiona o sistema e, sobretudo, os profissionais do Direito: advogados, juízes, promotores, defensores públicos e servidores. A cultura litigante não apenas gera lentidão processual, mas compromete a qualidade de vida e a saúde mental dos operadores do sistema de Justiça.
Estresse como consequência da cultura litigante
O estresse no meio jurídico é multifatorial, mas se agrava diante da urgência, da competitividade, do excesso de responsabilidade e da imprevisibilidade do cotidiano forense. Quando associado ao número excessivo de processos e prazos exíguos, o trabalho tende a se tornar cronicamente estressante. Em minha pesquisa de mestrado "Fontes e Reações de Estresse em Advogados" esses dados foram identificados na prática, com a resposta de 702 advogados em todo Brasil, identificamos sintomas como insônia, irritabilidade, ansiedade, fadiga mental e até quadros de burnout, agravados pelas exigências profissionais diárias e o mindset dos profissionais. E este quadro exige que os órgãos de classe estejam constante estado de alerta, para os sintomas que tais profissionais vêm enfrentando.
A cultura da produtividade - muitas vezes atrelada à ideia de que "quanto mais processos, maior o sucesso" - também contribui para a naturalização do adoecimento. Soma-se a isso a expectativa de perfeição, o medo de falhar e o contato frequente com conflitos emocionais profundos, como ocorre na vara de família, criminal ou trabalhista.
Impactos para além do indivíduo
Mas é importante destacar que assim como na educação, no Direito, o estresse contínuo afeta não apenas os profissionais, mas o contexto de trabalho. Em relação ao Direito, a qualidade das decisões, o relacionamento com as partes e o próprio funcionamento da Justiça. Há aumento de afastamentos por questões de saúde mental, perda de processos por questões de atenção e memória, falta de engajamento e uma sensação coletiva de exaustão. O sistema jurídico, portanto, torna-se mais vulnerável e menos humano.
Caminhos possíveis
Enfrentar o estresse no universo jurídico exige ações em múltiplos níveis. No plano institucional, é urgente discutir a desjudicialização de conflitos, investir em métodos alternativos de resolução (como mediação, conciliação e advocacia colaborativa) e implementar políticas de saúde mental para servidores e profissionais do Direito. No plano individual, o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, práticas de autocuidado e espaços de escuta psicológica tornam-se fundamentais.
Assim concluo que, enquanto o Brasil mantiver um sistema fortemente litigante e um modelo de atuação que exige alto desempenho sob intensa pressão, o estresse seguirá como um problema estrutural. A saúde mental dos profissionais do Direito precisa ser pauta central em reformas, debates e formações. Afinal, justiça só se faz com pessoas - e pessoas saudáveis.


