Princípio da adstrição, ativismo judicial e boa-fé processual: Limites éticos e jurídicos na Justiça do Trabalho
Ativismo judicial na Justiça do Trabalho exige respeito à boa-fé, ao princípio da adstrição e à responsabilidade da advocacia para garantir segurança jurídica.
sexta-feira, 25 de julho de 2025
Atualizado em 24 de julho de 2025 12:16
1. Introdução
O processo do trabalho, com sua matriz constitucional e principiológica própria, visa a concretização da justiça social por meio da efetividade dos direitos trabalhistas. Contudo, essa missão não pode afastar-se dos princípios estruturantes do processo justo, entre eles o princípio da adstrição, o contraditório, a ampla defesa e a boa-fé processual. Neste cenário, o ativismo judicial, ainda que bem-intencionado, pode provocar distorções, comprometendo a segurança jurídica e a imparcialidade jurisdicional.
2. O princípio da adstrição e o ativismo judicial: Onde está o limite?
O princípio da adstrição, previsto nos artigos art. 492 do CPC, estabelece que "É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado", ou seja, o julgador está vinculado aos pedidos e causas de pedir deduzidos pelas partes. A atuação do magistrado fora desses limites configura julgamento ultra petita (além do pedido) ou extra petita (fora do pedido), ambos vedados pelo ordenamento.
Na Justiça do Trabalho, em nome da efetividade, observa-se crescente ativismo judicial, com decisões que ampliam o alcance do pedido sob o argumento da proteção do hipossuficiente. No entanto, a função social do processo não pode justificar o rompimento das balizas da imparcialidade judicial. O juiz não pode agir como substituto da parte, tampouco inferir pedidos implícitos sem o devido contraditório.
Exemplo prático (hipotético): imagine-se que o reclamante, ao ajuizar sua demanda, postule expressamente a responsabilidade subsidiária de uma empresa tomadora, nos moldes da súmula 331 do TST. No entanto, o juízo, ao interpretar os fatos e aplicar o princípio "dá-me os fatos e te darei o direito", conclui pela responsabilização solidária da empresa, ainda que essa modalidade mais gravosa não tenha sido pleiteada na inicial. Além disso, não há nos autos qualquer indício de que a parte ré tenha tido oportunidade de se manifestar especificamente sobre essa possibilidade.
Nessa hipótese, ainda que o julgador busque a melhor prestação jurisdicional, a sentença incorre em violação aos arts. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal, pois impõe condenação fora dos limites da lide, sem observância do contraditório e da ampla defesa.
Portanto, o limite do ativismo judicial está na reserva de iniciativa das partes. Ultrapassá-lo compromete a isonomia processual e desvirtua o papel jurisdicional.
3. Julgamento ultra/extra petita e a boa-fé processual do reclamante
A boa-fé processual, hoje positivada nos arts. 5º e 6º do CPC, exige das partes cooperação, lealdade e transparência. No processo do trabalho, embora se reconheça a desigualdade material entre empregado e empregador, é necessário avaliar a conduta do Reclamante de forma concreta, especialmente quando se verificam pedidos genéricos ou incompatíveis com a realidade do vínculo laboral.
Ao juiz compete indeferir pretensões infundadas ou manifestamente improcedentes, mas não pode suprir a má formulação do pedido com decisões ampliativas, sob pena de vulnerar os direitos da parte contrária e incorrer em julgamento ultra ou extra petita.
A boa-fé do reclamante não deve ser presumida de forma absoluta. Ela deve ser examinada em conjunto com os elementos dos autos e a coerência dos pedidos formulados. Reconhecer boa-fé onde há evidente má formulação, ausência de prova mínima ou descompasso com a verdade dos fatos pode configurar incentivo a condutas temerárias.
4. Interpretações amplas: Ativismo, contraditório e ampla defesa
A Constituição Federal assegura o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV) como direitos fundamentais. Tais garantias impõem limites objetivos à atuação jurisdicional. Interpretações extensivas de pedidos ou provas, sem prévia oportunidade de manifestação da parte contrária, configuram cerceamento de defesa.
O ativismo judicial, quando descolado do pedido formulado, fere a previsibilidade do processo e viola o devido processo legal substancial, convertendo o juiz em parte ativa do litígio.
Cabe ao julgador zelar pela justiça da decisão, sem desrespeitar os marcos processuais fixados pelas partes. A segurança jurídica exige que o réu saiba com precisão do que se defende, sob pena de nulidade da decisão por surpresa e violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
5. Advocacia trabalhista, ética e realidade postulatória
Na Justiça do Trabalho, onde a atuação do advogado é dispensada para a propositura da ação (jus postulandi), o papel da advocacia profissionalizada é ainda mais relevante. O advogado trabalhista deve, com ética, diligência e responsabilidade, formular pedidos juridicamente viáveis, baseados em provas e documentos mínimos, evitando a banalização do direito de ação.
A propositura de reclamatórias genéricas, sem substrato fático ou jurídico, pode configurar litigância de má-fé (art. 793-B da CLT), e expor o cliente a consequências negativas. A função social da advocacia impõe o dever de orientar tecnicamente o trabalhador, evitando a judicialização excessiva e infundada.
Assim, o advogado não é mero reprodutor da narrativa do cliente, mas sim operador técnico que deve avaliar a procedência da demanda sob os parâmetros legais e jurisprudenciais. O profissionalismo e a ética se revelam fundamentais para garantir a credibilidade da atuação jurídica e a eficiência da jurisdição trabalhista.
6. Conclusão
O processo do trabalho deve harmonizar a proteção do hipossuficiente com o respeito aos limites legais e processuais. O ativismo judicial, quando conduzido sem contenção, ameaça a imparcialidade e segurança jurídica, especialmente quando desrespeita o princípio da adstrição e viola o contraditório.
O advogado trabalhista, por sua vez, deve zelar pela qualidade das demandas ajuizadas, preservando a boa-fé processual e atuando com responsabilidade técnica. A ética, o profissionalismo e o respeito aos limites legais são os pilares de um processo justo e equilibrado.
Marjorie Nepomuceno Bellezi
Advogada da área Trabalhista, com pós-graduação em Direito do Trabalho.


