Modelos contemporâneos de migração e os caminhos da reforma global
Europa, EUA e Ásia adotam modelos migratórios distintos: Equilíbrio legal, tensão judicial e foco econômico. A pesquisa revela os desafios globais e propõe inovação com justiça e tecnologia.
terça-feira, 29 de julho de 2025
Atualizado às 08:59
Introdução
A migração é um fenômeno inerente à trajetória humana, atravessando séculos e modelando sociedades por meio de deslocamentos motivados por fatores econômicos, políticos, climáticos e culturais. Se, no passado, a mobilidade territorial era vista como condição natural de sobrevivência e expansão, na contemporaneidade, ela se tornou objeto de regulamentação estatal, cercada por barreiras normativas e discursos securitários que, em muitos casos, inviabilizam o direito à circulação e comprometem a dignidade dos migrantes.
O presente estudo busca examinar as políticas migratórias sob um prisma jurídico e interdisciplinar, investigando como os sistemas normativos dos Estados Unidos, da União Europeia e de países do continente asiático estruturam seus mecanismos de recepção, controle e integração de migrantes. A pesquisa propõe não apenas uma análise comparativa entre regimes jurídicos distintos, mas também uma reflexão sobre a viabilidade de uma justiça migratória global, capaz de equilibrar soberania estatal, segurança jurídica e direitos fundamentais.
Objetivos da pesquisa
Este estudo tem por finalidade:
a) Analisar criticamente os regimes jurídicos migratórios vigentes, identificando padrões e desafios na governança da mobilidade humana;
b) Avaliar os efeitos das políticas de imigração na proteção dos direitos fundamentais, considerando seu impacto econômico, social e securitário;
c) Investigar se há pontos de convergência entre os sistemas analisados, permitindo a construção de parâmetros para um modelo mais eficiente e equitativo de justiça migratória;
d) Propor um novo olhar sobre a interseção entre cognição e direito, avaliando como os processos migratórios impactam a tomada de decisão dos indivíduos e sua autonomia jurídica.
Hipóteses
A pesquisa parte das seguintes premissas:
- A migração, longe de ser uma ameaça à estabilidade dos Estados, é um fator de desenvolvimento humano e socioeconômico, sendo necessária uma revisão estrutural dos modelos de controle fronteiriço;
- O excesso de políticas securitárias e a criminalização da mobilidade contribuem para o aumento da migração irregular, distanciando-se do propósito de ordenamento e proteção estatal;
- A diversidade de sistemas jurídicos permite uma análise comparativa rica, possibilitando o desenvolvimento de um modelo mais justo e eficiente na administração dos fluxos migratórios globais.
Justificativa teórica e prática
O direito migratório é, historicamente, um campo de estudo permeado por visões estadocêntricas, que privilegiam a soberania nacional em detrimento da proteção dos indivíduos. Todavia, o avanço das normativas internacionais e o aumento dos deslocamentos forçados exigem novas abordagens jurídicas, capazes de conciliar os interesses dos Estados com os princípios fundamentais do direito internacional.
Este estudo se justifica pela necessidade de repensar o conceito de justiça migratória, explorando alternativas para a construção de um modelo mais equitativo e eficaz de governança da mobilidade humana. Ao adotar um viés comparado e interdisciplinar, a pesquisa aproxima o direito da realidade social, propondo um olhar inovador sobre os desafios e possibilidades do direito migratório no século XXI.
Metodologia
Para alcançar os objetivos propostos, foi utilizada uma abordagem comparada, interdisciplinar e crítica, fundamentada em:
- Análise documental e legislativa, examinando tratados, normas e jurisprudências dos sistemas estudados;
- Estudos de caso, investigando políticas de imigração e seus impactos em populações migrantes, até mesmo como advogado atuante;
- Abordagem histórica, contextualizando a evolução dos regimes jurídicos de mobilidade;
- Perspectiva sociojurídica, correlacionando políticas migratórias aos seus reflexos na economia, segurança e direitos fundamentais.
Delimitação temática e terminológica
A pesquisa não pretende esgotar a complexidade do direito migratório, mas sim identificar aspectos estruturais comuns entre diferentes sistemas jurídicos, propondo alternativas para a promoção de uma justiça migratória global.
Capítulo 2 - A migração humana ao longo da história
A migração humana é um dos fenômenos mais antigos e fundamentais da civilização. Desde os deslocamentos iniciais de grupos nômades até os sofisticados regimes jurídicos que governam a mobilidade internacional contemporânea, o movimento de pessoas entre territórios tem sido motor de transformações sociais, políticas e econômicas. Entretanto, ao longo da história, a migração deixou de ser apenas uma necessidade intrínseca à sobrevivência e passou a ser controlada, regulamentada e politicamente instrumentalizada, conforme os Estados-nação consolidaram suas soberanias e estabeleceram fronteiras.
A evolução dos sistemas normativos migratórios reflete não apenas as mudanças na organização das sociedades, mas também os paradoxos entre liberdade de circulação e soberania estatal, gerando tensões que, até hoje, impactam o ordenamento jurídico internacional. Este capítulo explora a trajetória histórica da migração, destacando como os regimes políticos, econômicos e jurídicos moldaram a governança da mobilidade e influenciaram as normativas que definem os direitos de migrantes no século XXI.
2.1. Os primeiros deslocamentos humanos: Migração na pré-história e na formação das civilizações
A migração é um fenômeno que transcende a mera deslocação territorial e assume papel central na constituição das estruturas sociais e jurídicas ao longo da história. Desde os primeiros movimentos dos grupos humanos na pré-história até a formação das civilizações, a mobilidade sempre esteve intrinsecamente relacionada à subsistência, à adaptação ambiental e ao desenvolvimento de sistemas normativos de controle territorial. Entretanto, a evolução desse processo revela um aspecto fundamental do ordenamento jurídico: a transição da migração espontânea para a migração regulada, uma mudança que marca a ascensão dos primeiros mecanismos de governança da circulação humana.
Nos períodos pré-históricos, a mobilidade era ditada essencialmente por fatores naturais. Os primeiros agrupamentos humanos adotavam um comportamento nômade, deslocando-se constantemente em busca de recursos e proteção contra adversidades climáticas. A ausência de estruturas políticas organizadas tornava esse padrão de migração livre e desprovido de barreiras institucionais. No entanto, à medida que as sociedades começaram a se fixar, impulsionadas pela Revolução Agrícola, surgem os primeiros indícios de controle territorial, pautados na posse da terra e na necessidade de delimitação de espaços produtivos.
A transição do nomadismo para a sedentarização representou um marco jurídico e social de extrema relevância. Ao estabelecer limites físicos e sociais, os grupos humanos passaram a diferenciar aqueles que pertenciam à comunidade daqueles que vinham de fora. Essa distinção, inicialmente baseada na associação ao espaço produtivo, gradualmente evoluiu para os primeiros registros de identidade territorial e propriedade coletiva. O conceito de pertencimento se fortaleceu, resultando em práticas normativas rudimentares que definiam quem poderia usufruir dos benefícios de determinado território.
Com a consolidação das primeiras cidades organizadas, os deslocamentos populacionais passaram a ser regulados por estruturas políticas mais definidas. Governantes impunham normas para a entrada e permanência de indivíduos, criando mecanismos de proteção e de exclusão jurídica. No Egito Antigo, por exemplo, há registros que evidenciam o controle de fluxos migratórios vinculados à prestação de serviços ou ao comércio, demonstrando a existência de formas iniciais de regulamentação da mobilidade. Essa abordagem precursora serviu de base para futuras normativas sobre ingresso e permanência em territórios organizados.
A migração na formação das civilizações também esteve profundamente associada às dinâmicas de expansão territorial e guerra. Conquistas militares frequentemente resultavam na redistribuição forçada de populações, com exércitos deslocando grupos inteiros para regiões estratégicas. O Império Romano exemplifica esse modelo ao utilizar a concessão de cidadania como ferramenta de controle jurídico sobre indivíduos estrangeiros. A cidadania romana, além de um mecanismo de inclusão, estabelecia limites para a circulação e integrava migrantes ao sistema normativo do império, configurando uma forma pioneira de governança da mobilidade.
A regulamentação da migração na antiguidade reflete um processo de construção social e jurídica que ainda ecoa nos modelos normativos contemporâneos. Os primeiros registros de controle territorial evidenciam a transição de um padrão de mobilidade livre para sistemas cada vez mais estruturados, nos quais a migração se tornou objeto de regulamentação estatal. Esses precedentes históricos pavimentaram o caminho para os modernos sistemas de imigração, baseados na interseção entre soberania, pertencimento e segurança jurídica.
A evolução da mobilidade humana demonstra que a migração nunca foi um evento meramente geográfico, mas sim um fenômeno que sempre exigiu regulamentação e adaptação aos interesses dos governos e das comunidades. Esse histórico nos permite compreender que, mesmo nas civilizações mais antigas, já existia uma preocupação jurídica com o controle territorial e a administração da circulação de indivíduos. O estudo desses primórdios fornece elementos essenciais para a reflexão sobre os desafios normativos da mobilidade no século XXI, evidenciando que as tensões entre soberania e direitos migratórios não são recentes, mas sim um legado do próprio desenvolvimento jurídico das sociedades humanas.
2.2. Expansão imperial, colonização e o controle da mobilidade
A expansão imperial e a colonização transformaram a migração em um instrumento de dominação territorial e econômica, alterando drasticamente a forma como os deslocamentos populacionais eram administrados. No contexto dos impérios da Antiguidade, como Egito, Pérsia, China e Roma, a circulação de pessoas não era vista como um direito inerente, mas sim como um privilégio concedido conforme a posição política e social do indivíduo. Governantes utilizavam estratégias jurídicas para condicionar a mobilidade, vinculando-a à cidadania, ao pertencimento cultural e à utilidade econômica.
No Egito Antigo, a mobilidade era rigidamente controlada pela administração faraônica. Trabalhadores, artesãos e comerciantes tinham seus deslocamentos regulamentados com base em interesses estratégicos do império, garantindo a exploração eficiente dos recursos. A regulamentação da circulação populacional não se limitava ao Egito, impérios da Mesopotâmia e da Ásia Central também adotavam sistemas que vinculavam a migração ao poder estatal. O Império Persa, por exemplo, estruturou uma rede administrativa que facilitava o deslocamento de governantes e militares enquanto mantinha restrições severas sobre povos conquistados, garantindo que os deslocamentos servissem a interesses políticos.
O Império Romano refinou essas práticas ao consolidar um modelo jurídico que vinculava a mobilidade à cidadania. Indivíduos com cidadania romana podiam transitar livremente entre os territórios controlados pelo império, enquanto estrangeiros eram submetidos a regras específicas. Essa distinção marcou um precedente normativo para futuras legislações migratórias, que passaram a condicionar o direito de circulação à filiação política e ao reconhecimento estatal. Roma também utilizava a migração como ferramenta de assimilação, redistribuindo povos conquistados para neutralizar resistências e garantir a administração eficiente de províncias.
Com a expansão colonial europeia nos séculos XV e XVIII, a mobilidade passou a ser utilizada como mecanismo de segregação e exploração. As monarquias estruturaram sistemas de imigração que favoreciam determinados grupos e restringiam severamente o deslocamento de populações indígenas e africanas. A concessão de terras e privilégios normativos para colonizadores contrastava com a imposição de barreiras para povos nativos, criando um modelo jurídico de exclusão.
A escravidão transatlântica representou a expressão máxima desse controle migratório. Milhões de africanos foram forçados a se deslocar para as colônias europeias, submetidos a um sistema normativo que negava qualquer direito à mobilidade voluntária. As legislações coloniais estabeleceram normas que legitimavam a condição de servidão, consolidando um modelo jurídico que negava a dignidade e a liberdade de circulação a uma parcela significativa da população.
Além da escravidão, os impérios coloniais implementaram políticas de migração incentivada para fortalecer suas possessões ultramarinas. Portugal e Espanha promoviam deslocamentos organizados de colonizadores, garantindo benefícios jurídicos e econômicos àqueles que se estabelecessem em novas terras. A circulação populacional era estruturada conforme os interesses da metrópole, criando um sistema que consolidava desigualdades normativas.
No contexto britânico, surgiram as primeiras leis de imigração que diferenciavam cidadãos britânicos de outros migrantes, impondo requisitos específicos para entrada e residência. Essas legislações anteciparam os modelos modernos de visto e autorização de permanência, evidenciando que o controle da mobilidade sempre esteve vinculado aos interesses políticos e econômicos dos Estados.
A estrutura normativa colonial influenciou diretamente o desenvolvimento das políticas migratórias contemporâneas, consolidando padrões de exclusão que persistem nos sistemas jurídicos atuais. O conceito de soberania migratória, utilizado para justificar barreiras à entrada de estrangeiros, remonta às legislações que diferenciavam colonizadores e colonizados, refletindo uma continuidade histórica na forma como os Estados regulam a circulação de pessoas.
2.3. O surgimento dos estados-nação e a regulação jurídica da mobilidade
O surgimento dos Estados-nação e a consequente regulação jurídica da mobilidade representam uma das transformações mais significativas na governança dos deslocamentos populacionais. O estabelecimento de fronteiras claramente delimitadas e a consolidação do princípio da soberania estatal modificaram radicalmente os padrões de circulação humana, introduzindo normas específicas para a admissão, permanência e integração de estrangeiros. O direito à mobilidade, antes condicionado por fatores políticos e econômicos vinculados a impérios e territórios coloniais, passa a ser regido por legislações nacionais e tratados internacionais, estruturando um modelo jurídico que persiste até os dias atuais.
A transição para os Estados-nação consolidou-se a partir do século XVII, especialmente após o Tratado de Vestfália em 1648, que estabeleceu o princípio da autonomia territorial e da não intervenção nos assuntos internos de cada Estado. Esse marco político teve impactos diretos na migração, pois os governantes passaram a definir políticas nacionais de mobilidade com base em interesses soberanos. A migração, que anteriormente era regulada por convenções informais entre impérios ou sistemas coloniais, tornou-se uma questão estritamente interna dos Estados, levando à criação de normativas que passaram a restringir ou incentivar fluxos migratórios conforme as demandas de cada administração.
O século XIX testemunhou um aumento expressivo na regulamentação da mobilidade devido ao avanço da Revolução Industrial e às transformações urbanas decorrentes do crescimento econômico. Os países industrializados começaram a implementar políticas de imigração seletiva, incentivando a entrada de trabalhadores estrangeiros para suprir a demanda por mão de obra fabril, ao mesmo tempo em que reforçavam barreiras legais para limitar a chegada de migrantes considerados indesejáveis. Essa seletividade caracterizou grande parte das legislações migratórias subsequentes, estruturando mecanismos de controle de entrada e permanência que hoje fazem parte dos modernos regimes de imigração.
Nos Estados Unidos, a lei de exclusão chinesa de 1882 exemplifica essa transição para um sistema migratório regulamentado por critérios nacionalistas e econômicos. A lei proibia a imigração de trabalhadores chineses, justificando a medida como proteção ao mercado de trabalho doméstico. Embora fundamentada em argumentos econômicos, essa legislação representava uma barreira racial e política, antecipando práticas restritivas que se tornariam comuns em diversas partes do mundo. Na Europa, processos semelhantes ocorreram, com países impondo registros de residência e cidadania para controlar fluxos populacionais e distinguir cidadãos nacionais de estrangeiros.
A necessidade de documentação formal para circulação entre territórios nacionais tornou-se um aspecto essencial da regulação migratória. Até o século XIX, a mobilidade transfronteiriça ocorria de forma relativamente livre em muitas regiões, mas com a criação dos passaportes e autorizações de residência, os Estados estabeleceram barreiras burocráticas que condicionavam o direito de deslocamento à conformidade com requisitos administrativos. Esse processo teve impactos profundos na forma como os migrantes eram identificados e classificados, criando categorias jurídicas específicas para residentes, cidadãos naturalizados e estrangeiros temporários.
Com a Primeira Guerra Mundial, as políticas migratórias passaram a refletir não apenas interesses econômicos, mas também preocupações com segurança nacional e estabilidade política. A migração começou a ser vista como um fator sensível, sujeito à regulamentação cada vez mais restritiva. Diversos países implementaram controles fronteiriços mais rígidos e introduziram normas para limitar a entrada de estrangeiros considerados uma ameaça à ordem pública. Esse modelo de governança migratória foi reforçado no período entre guerras e influenciaria a formulação das legislações sobre refugiados e deslocamentos forçados que surgiriam no século XX.
A institucionalização do direito migratório no século XX se deu por meio de tratados internacionais que buscavam equilibrar o princípio da soberania com a proteção de indivíduos que necessitavam de acolhimento. A Convenção de Genebra de 1951 estabeleceu diretrizes fundamentais para o tratamento de refugiados, garantindo direitos específicos para aqueles que buscavam proteção fora de seus países de origem. Contudo, a aplicação dessas normas permaneceu fragmentada, dependendo da adesão voluntária dos Estados e da interpretação política de cada governo.
A relação entre soberania nacional e direitos humanos continua a ser um dos temas centrais no direito migratório contemporâneo. A transição dos sistemas imperiais e coloniais para os regimes estatais transformou completamente a maneira como a mobilidade é administrada, consolidando um modelo jurídico no qual os Estados possuem autoridade exclusiva sobre seus territórios e sobre os critérios de entrada e permanência de estrangeiros.
2.4. Século XX: Guerras, refugiados e a fragmentação das políticas migratórias
A migração no século XX foi fortemente influenciada por conflitos armados, transformações geopolíticas e crises humanitárias. As Guerras Mundiais e os regimes totalitários provocaram deslocamentos populacionais em massa, exigindo que os Estados reformulassem suas abordagens normativas sobre mobilidade e proteção internacional. Esse período evidenciou a necessidade de estruturação jurídica para garantir a segurança de indivíduos em situação de deslocamento forçado, ao mesmo tempo em que consolidou um modelo fragmentado de regulação migratória, no qual a soberania estatal se sobrepunha à universalização da proteção humanitária.
Os impactos da Primeira Guerra Mundial na mobilidade foram imediatos e multifacetados. Estados europeus, temendo infiltrações hostis e espionagem, implementaram restrições severas à entrada de estrangeiros, introduzindo controles que alteraram significativamente a circulação internacional. Além das medidas securitárias, a guerra resultou na migração forçada de milhões de pessoas, principalmente oriundas de regiões devastadas pelos combates. Contudo, como ainda não existiam normas internacionais padronizadas para proteção de refugiados, esses deslocamentos foram administrados de maneira arbitrária por cada país, sem mecanismos de coordenação jurídica eficazes.
O cenário se agravou com a Segunda Guerra Mundial, que provocou uma das maiores crises migratórias da história. A perseguição sistemática a determinados grupos, aliada à destruição de territórios, forçou o deslocamento de milhões de indivíduos. Diante dessa emergência humanitária, consolidou-se o entendimento de que era necessária uma estrutura normativa específica para regulamentar a proteção de refugiados. A resposta a essa demanda veio com a Convenção de Genebra de 1951, que estabeleceu parâmetros jurídicos para a concessão de asilo e proteção internacional. Esse tratado definiu juridicamente o status de refugiado e impôs obrigações aos Estados signatários, garantindo que indivíduos perseguidos por motivos políticos, religiosos ou raciais tivessem direito a abrigo e segurança.
Apesar de seu avanço normativo, a implementação da Convenção ocorreu de maneira desigual. Muitos países passaram a interpretar suas disposições conforme seus interesses políticos, aplicando os princípios do tratado de forma seletiva. A soberania estatal continuou a ser um fator determinante na aceitação de refugiados, evidenciando a fragmentação das políticas migratórias e a ausência de um mecanismo global harmonizado para administração dos deslocamentos forçados.
A Guerra Fria introduziu novos desafios à governança migratória, pois os Estados passaram a instrumentalizar a mobilidade como ferramenta de propaganda política. Os Estados Unidos e países aliados incentivaram a aceitação de refugiados oriundos de regimes comunistas, enquanto restringiam a imigração de trabalhadores vindos de regiões alinhadas ao bloco soviético. A União Soviética, por sua vez, impôs severas barreiras à saída de cidadãos, condicionando a migração à lealdade política. Esse contexto intensificou a utilização das políticas migratórias como instrumento de influência geopolítica, consolidando modelos de concessão de asilo vinculados a alianças ideológicas.
Na Europa, o período pós-guerra exigiu reformulações na governança migratória. A reconstrução das economias devastadas pelos conflitos demandava mão de obra estrangeira, levando diversos países a flexibilizar suas normas migratórias para atender às necessidades industriais. Ao mesmo tempo, o estabelecimento da Comunidade Econômica Europeia inaugurou o princípio da livre circulação para cidadãos dos países membros, promovendo um dos primeiros processos de harmonização das políticas migratórias em nível regional.
A segunda metade do século XX presenciou um aumento expressivo dos deslocamentos forçados provocados por conflitos regionais e instabilidade política. Guerras civis na África, no Oriente Médio e nos Bálcãs multiplicaram as crises humanitárias, expondo as limitações das normativas internacionais. Embora houvesse avanços na formulação de tratados sobre refugiados, a aplicação desses dispositivos continuou fragmentada, pois muitos países passaram a adotar medidas restritivas para evitar o aumento da imigração.
A regulação jurídica da mobilidade no século XX demonstrou que, apesar do progresso normativo na proteção internacional de migrantes forçados, a soberania estatal permaneceu como fator determinante na formulação das políticas migratórias. A fragmentação das abordagens nacionais dificultou a criação de um modelo universal de acolhimento, tornando a governança da migração uma questão cada vez mais complexa e sujeita a interesses políticos e econômicos.
2.5. Migração no século XXI: Segurança, economia e direitos humanos
No século XXI, a migração revela uma complexidade inédita, em que as dimensões de segurança, economia e direitos humanos se entrelaçam de maneira profunda. Em termos de segurança, a dinâmica atual exige mais do que o tradicional controle físico das fronteiras. A adoção de tecnologias avançadas - como inteligência artificial e análise de big data - permite a criação de sistemas de monitoramento capazes de identificar padrões e antecipar riscos de forma precisa. Esses mecanismos possibilitam distinguir entre fluxos migratórios naturais e potenciais ameaças, contribuindo para a operacionalização de uma vigilância inteligente que respeite as liberdades civis. A cooperação entre Estados também se mostra vital, uma vez que a partilha de informações e a articulação de redes de alerta precoce reforçam a segurança global sem comprometer a privacidade ou a dignidade dos indivíduos em movimento.
No âmbito econômico, os migrantes se posicionam como agentes atuantes no dinamismo dos mercados globais. A contribuição desses indivíduos vai além da simples oferta de mão de obra, pois envolve o potencial de inovação, o estímulo ao empreendedorismo e o enriquecimento dos setores produtivos com novas perspectivas e competências. Ademais, o fluxo de remessas - os recursos enviados para os países de origem - desempenha um papel significativo no fortalecimento de economias regionais, promovendo o desenvolvimento em áreas que, de outra forma, enfrentariam maiores desafios estruturais. Entretanto, para que esse potencial seja maximizado, é imprescindível que as políticas de integração se concentrem na reconversão e validação das competências adquiridas no exterior, de modo a harmonizar a oferta e a demanda no mercado de trabalho e a reduzir possíveis tensões sobre os serviços públicos.
Simultaneamente, a dimensão dos direitos humanos constitui o pilar ético indispensável na abordagem dos fenômenos migratórios. A garantia de que cada indivíduo em movimento seja tratado com equidade e respeito requer a consolidação de um arcabouço jurídico robusto, que assegure o acesso irrestrito a serviços essenciais como saúde, educação e moradia. A proteção dos direitos fundamentais exige a implementação de medidas que combatam não apenas a discriminação e a xenofobia, mas também práticas excludentes que possam emergir em contextos de emergência ou instabilidade. Organismos internacionais, tratados multilaterais e a atuação de organizações da sociedade civil colaboram para estabelecer normas comuns que visem proteger a integridade e a dignidade dos migrantes, transformando a migração em uma oportunidade de reafirmação dos valores democráticos e humanitários.
A interseção entre esses três eixos - segurança, economia e direitos humanos - demanda a construção de estratégias políticas que transcendam abordagens unilaterais. A eficácia de um sistema migratório moderno reside na capacidade de harmonizar a vigilância e a prevenção de riscos com as oportunidades de desenvolvimento econômico e a promoção de um tratamento humanizado. Em contextos marcados por desafios globais, como pandemias, alterações climáticas e crises geopolíticas, integrar tecnologias de monitoramento, políticas inclusivas de capacitação e marcos normativos que protejam os direitos dos migrantes não é apenas uma alternativa, mas uma necessidade imperativa para transformar desafios em caminhos para sociedades mais resilientes e integradas.
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