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Estudo de impacto ambiental: Lei de licenciamento ambiental e prognósticos

Observa-se um esforço em não descuidar da proteção ambiental, compatibilizando-a com uma atuação administrativa informada, célere e transparente.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Atualizado às 12:25

1. Fases do Direito Ambiental

Amitav Ghosh, escritor indiano, define os eventos climáticos que estamos vivenciando como "insólitos" e defende que, muito embora tenham origem "não humana", como as chuvas e enchentes, são resultado de "obras de nossas próprias mãos, voltando para nos assombrar, sob formas e aspectos impensáveis".

A ponderação, longe de constituir mero dado fatalístico, encerra discussão a respeito das práticas ambientais e econômicas adotadas ao longo de décadas e se a proteção conferida ao meio ambiente é suficiente para que os "eventos climáticos insólitos" sejam diminuídos ou tenham, ao menos, mitigados seus efeitos.

No cenário brasileiro, a proteção ao meio ambiente conta com uma série de períodos legislativos distintos. Antônio Herman Benjamin destaca 3 fases diferentes na evolução legislativa ambiental brasileira: fase da exploração desregrada ou laissez-faire ambiental; fase fragmentária; e fase holística.

A primeira fase, identificada como "fase da exploração desregrada" ou "laissez-faire ambiental" se inicia com a chegada dos portugueses (1500) e se estende até a segunda metade do século XX, momento em que a regulamentação sobre o uso de recursos naturais era basicamente nula, visando quase que tão somente aspectos econômicos da conservação ambiental.

Dando continuidade às demais fases, Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer explicam tratarem-se das fases "fragmentária" e "holística". A fase fragmentária vai da década de 1960 até a edição da lei que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, lei 6.938/91; enquanto que a fase holística corresponde ao momento em que o meio ambiente passa a ser visto "de forma integral, com autonomia valorativa, ou seja, como bem jurídico autônomo".

A despeito de se diferenciar da fase fragmentária, uma vez que, na fase holística, vê-se o meio ambiente de forma "integral", não se pode dizer que, quanto ao licenciamento ambiental, não se está em momento fragmentário. Atualmente, há uma série de normas infraconstitucionais que regem o procedimento, tornando-o moroso e burocrático.

Com vistas a simplificar esse procedimento, foi aprovado pelo Congresso Nacional, recentemente, o projeto de lei que institui a lei geral de licenciamento ambiental, que, dentre as inúmeras mudanças, transforma também o EIA - Estudo de Impacto Ambiental, passando a dispensá-lo para uma série de atividades.

2. Estudo de impacto ambiental: Histórico e prognóstico

A avaliação dos impactos ambientais de determinada instalação veio prevista no ordenamento jurídico brasileiro a partir da lei 6.803/80, que trata acerca das diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição e, em seu art. 8º prevê que a implantação de indústrias que tenham instalação próxima às fontes de matérias-primas situadas fora dos limites fixados para as zonas de uso industrial devem obedecer a critérios estabelecidos pelos governos estaduais. Já nesse diploma normativo observa-se a divisão de competências em matéria ambiental, posteriormente reiterada, à luz da LC 140.

No ano seguinte à promulgação da supramencionada lei 6.803/80, a lei 6.938/81 - PNMA - Política Nacional do Meio Ambiente - trouxe, de forma mais ampla, o instituto da avaliação dos impactos ambientais, prevendo o estudo de impacto ambiental como instrumento da avaliação de impactos ambientais.

Particularmente quanto ao EIA, a resolução Conama 01/86 instaurou a sua regulamentação, dispondo a respeito das atividades que dependeriam de prévio estudo ambiental e suas diretrizes.

Em suas disposições gerais, a nova lei do licenciamento ambiental ainda prevê a avaliação de impactos ambientais, segundo procedimentos técnicos que busquem a sustentabilidade ambiental, como uma das diretrizes para o procedimento (art. 2º, II) e, de forma relevante, qualifica o que é o impacto ambiental, diferenciando-o entre impacto ambiental direto e impacto ambiental indireto.

De forma simplificada, o impacto ambiental direto é definido pelo projeto como qualquer alteração adversa ou benéfica no meio ambiente causada por empreendimento ou por atividade em sua área de influência, e considera, para tanto, os meios físico, biótico e socioeconômico. Por sua vez, os impactos indiretos são aqueles de segunda ordem, isto é, decorrentes dos impactos diretos.

É importante que se proceda a tal diferenciação, considerando-se que os impactos de um empreendimento vão além do meio ambiente biológico, mas atingem toda a localidade, seu meio social e econômico e o sistema de povos vulneráveis.

No caso concreto, já houve hipóteses em que o licenciamento ambiental impôs barreiras a empreendimentos, justamente pela falta de estudos consistentes sobre os aspectos sociais e econômicos.

A título de exemplificação, o projeto da construção da Usina de Tapajós foi arquivado devido a uma série de falhas no estudo de impacto ambiental, que, segundo análise feita por 9 especialistas, a pedido do Greenpeace, não avaliaria os verdadeiros impactos da obra.

À época, foi precisamente com base no fato de que o impacto ambiental compreende qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas (art. 1º, resolução Conama 01/86) que foi feito pedido de complementação da avaliação de impactos ambientais, especificamente quanto ao diagnóstico e medidas mitigadoras e compensatórias.

Apenas para mais bem compreender a extensão do estudo de impacto ambiental, o pedido de complementação da avaliação, no caso de Tapajós, determinou que fossem juntadas informações acerca da redução das áreas preservadas em unidades de conservação e solicitou-se apresentar proposta de acomodação dos trabalhadores diretos que não ficariam alojados nos canteiros; de famílias envolvidas com cultura de vazante e que teriam suas áreas de cultivo perdido; e, ainda, o grau de dependência das famílias dessas culturas e a estimativa do quanto geraria a cultura de vazante, na região.

No estudo, reconheceu-se, ainda, o fato de que a geração de energia e a necessidade de reconhecimento dos direitos das populações indígenas e tradicionais seria uma das principais fontes de conflitos na região.

Com efeito, apesar de assertivo quanto à qualificação dos "impactos" de atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento, o projeto falha ao conceituar o EIA como estudo ambiental de atividade ou empreendimento apenas efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente. 

Como se vê, uma vez que os impactos podem ser sentidos em diversas esferas do meio ambiente, também o estudo deve se ater a tais alterações e buscar medidas compensatórias e mitigatórias.

A nova lei prevê que o EIA, posteriormente acompanhado de um RIMA - Relatório de Impacto Ambiental deve conter, dentre outras coisas, uma análise dos impactos ambientais da atividade, discriminando-os em negativos e positivos, de curto, médio e longo prazos, temporários e permanentes, considerados seu grau de reversibilidade e suas propriedades cumulativas e sinérgicas, bem como a distribuição dos ônus e benefícios sociais e a existência ou o planejamento de outras atividades ou empreendimentos de mesma natureza nas áreas de influência direta e indireta, repetindo a dicção da resolução Conama 01/86. 

Inobstante essa importância previsão, o diploma deixa a cargo dos entes federativos competentes a fixação de critérios pré-estabelecidos para uma avaliação qualitativa e quantitativa da capacidade de causarem impacto ambiental negativo, o que pode ocasionar decisões conflitantes e divergentes acerca de empreendimentos semelhantes, mas que se localiza em áreas diferentes, indo de encontro à segurança jurídica pretendida pelos setores econômicos.

Aos entes federativos também restou a competência para a definição das tipologias de atividades ou de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental. Aqui, um outro apontamento faz-se necessário: as resoluções Conama atualmente vigentes sobre a matéria (237 e 01/86) não apenas qualificam as hipóteses de licenciamento, como também as circunstâncias geradoras da necessidade de EIA, o que também deveria ser repetido, a par da segurança jurídica.

O EIA deverá ser apresentado a depender das considerações emitidas pela autoridade licenciadora no termo de referência, que é um documento segundo o qual se estabelece o escopo dos estudos a serem realizados para avaliação dos impactos e, quando couber, dos riscos ambientais decorrentes da atividade ou empreendimento. 

Uma vez mais traz-se à luz a possibilidade de avaliações diferentes, a depender de cada ente federativo, mesmo para empreendimentos e atividades de mesma natureza.

A mesma insegurança faz-se presente no art. 8º, II, segundo o qual não estão sujeitos a licenciamento ambiental as atividades consideradas de porte insignificante pela autoridade licenciadora. Ora, se cada autoridade deverá definir, de acordo com seus próprios requisitos e parâmetros, o alcance dos impactos causados ao meio ambiente, para fins de licenciamento ambiental, por certo espera-se uma série de decisões conflitantes, pouco uniformizadas e tratando desigualmente situações semelhantes.

Os critérios trazidos pela nova lei destacam que os tipos de estudo ou de relatório ambiental, bem como as hipóteses de sua exigência, devem ser compatibilizados com o potencial de impacto da atividade ou do empreendimento, com o impacto esperado em função do ambiente no qual pretende inseri-lo e com o nível de detalhamento necessário à tomada de decisão, em cada etapa do procedimento de licenciamento. Não há, contudo, balizas objetivas acerca desses critérios, que podem diferir no país, dando ensejo a decisões conflitantes.

Cabe o registro de que, a despeito de dever conter, no EIA, os impactos positivos e negativos, nas etapas precedentes não se deixa às claras se trata-se dos impactos tão somente negativos ou de quaisquer impactos, em quaisquer searas. Subentende-se, no entanto, cuidar apenas do impacto negativo, uma vez que o parágrafo subsequente traz à balha, novamente, a hipótese de não ser exigido EIA/RIMA quando a autoridade licenciadora considerar que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente.

O termo de referência, todavia, deve ser elaborado considerando o nexo de causalidade entre os potenciais impactos da atividade ou do empreendimento e os elementos e atributos dos meios físico, biótico e socioeconômico suscetíveis de interação com a respectiva atividade ou empreendimento. As autoridades devem, preferencialmente, elaborar termos padrão por tipologia das atividades ou dos empreendimentos, para os quais podem efetuar consulta pública.

Caso as informações sobre a caracterização da área de estudo não sejam compostas de dados válidos recentes, ou sejam esses insuficientes, pode, ainda, a autoridade licenciadora exigir o levantamento de dados primários, mediante justificativa técnica.

A exigência de justificativa técnica, a seu turno, é um importante aparte realizado pela nova lei, uma vez que muitos procedimentos ficam obstados sem justificativas ou são prolongados por determinações que não têm baliza técnica ou fundamento.

O conteúdo do EIA também foi modificado. Em certos aspectos, ampliou-se o seu escopo, como por exemplo ao determinar que deve conter a concepção e características principais da atividade ou do empreendimento e identificação dos processos e dos serviços e produtos que o compõem, bem como identificação e análise das principais alternativas tecnológicas e locacionais, confrontando-as entre si e com a hipótese de não implantação da atividade ou do empreendimento.

Permanecem as exigências de que o empreendedor defina as medidas para prevenir, mitigar ou compensar os impactos ambientais negativos da atividade ou do empreendimento - incluídos os decorrentes de sua desativação - e das medidas de recuperação necessária; e elabore programas de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, com indicação dos fatores e parâmetros a serem considerados.

Do novo diploma foram retiradas, contudo, importantes previsões, como o diagnóstico ambiental da área de influência do projeto; completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação da área, notadamente com relação ao meio socioeconômico - destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. 

Repisa-se a importância de os estudos avaliarem toda sorte de impactos, positivos e negativos, sobre todo o meio ambiente, incluídas as populações e povos vulneráveis.

Na contramão, somente se prevê a manifestação das autoridades competentes sobre o EIA/RIMA e demais estudos, planos, programas e projetos ambientais relacionados à licença quando houver (i) terras indígenas com demarcação homologada; (ii) área que tenha sido objeto de portaria de interdição, em razão da localização de indígenas isolados ou áreas tituladas a remanescentes das comunidades quilombolas; quando existir intervenção em (i) bens culturais; (ii) bens tombados; (iii) bens registrados; ou (iv) bens valorados (lei 11.483/07); ou quando na área da atividade ou do empreendimento houver unidades de conservação ou suas zonas de amortecimento.

A manifestação das autoridades, no entanto, não será vinculante, apesar de necessitar ser valorada e considerada pela autoridade licenciadora.

Nesse ponto, importante a reflexão de Antonio Herman Benjamin, segundo o qual apesar de as conclusões dos estudos não serem vinculantes, são necessárias para a tomada de decisão pela Administração Pública, que deverá fundamentar eventuais permissivos. Leia-se, bem a propósito:

As conclusões do EIA-RIMA não retiram da Administração Pública a discricionariedade acerca do licenciamento ambiental. Não há vinculação do órgão licenciador ao conteúdo às conclusões. No entanto, na hipótese de as conclusões trazidas pelo estudo demonstrarem grave impacto ecológico, recairá sobre a Administração Pública o dever de fundamentar e justificar a decisão, inclusive no sentido de responder (penal, administrativa e civilmente) por danos ecológicos futuros. De acordo com Leme Machado, o EIA-RIMA tem por objetivo orientar a decisão da Administração Pública, o que, segundo o autor, não afasta o dever de fundamentação da sua decisão, bem como que "o órgão público e, por via de regresso, os servidores públicos, responderão objetivamente pelos danos que a decisão administrativa vier a causar, mesmo que baseada no EPIA (a equipe multidisciplinar, como já se apontou, responderá sob a modalidade subjetiva ou culposa)".

Para tanto, visando manter a proteção ambiental, a autoridade licenciadora deve definir o conteúdo mínimo dos estudos ambientais e dos documentos requeridos, no âmbito do licenciamento de atividade ou de empreendimento que não esteja sujeito ao EIA. Podem ainda ser estendidas as exigências de estudos e medidas de gerenciamento de risco à atividade ou ao empreendimento.

Esse trecho reitera previsões anteriores e não descuida da proteção ao meio ambiente equilibrado, demonstrando importante reflexão sobre o desenvolvimento sustentável, uma importante baliza do Direito Ambiental na época em que nos encontramos.

Buscando uma uniformidade das decisões e a previsibilidade dos atos da Administração Pública, propõe-se também que, no caso de atividades ou de empreendimentos localizados na mesma área de estudo, a autoridade licenciadora pode aceitar o estudo ambiental para o conjunto e dispensar a elaboração de estudos específicos para cada atividade ou empreendimento, sem prejuízo das medidas participativas.

Na mesma vereda de raciocínio que enseja a uniformidade, celeridade e previsibilidade, é previsto que, no caso de implantação, na área de estudo, de outro licenciado, pode ser aproveitado o diagnóstico constante do estudo ambiental anterior, desde que adequado à realidade da nova atividade ou empreendimento, independentemente de sua titularidade.

Para tanto, a autoridade licenciadora deverá manter base de dados, disponibilizada na internet e integrada no Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente. Devem ser estabelecidos prazos de validade dos dados disponibilizados nesse sentido, sendo renováveis por meio de decisão motivada.

A lei prevê, ainda, no delicado equilíbrio entre celeridade e proteção, que o requerimento da licença ambiental não deve ser emitido quando, no prazo de 15 dias, a autoridade licenciadora identificar que o EIA ou outro estudo não apresenta itens listados no termo de referência, o que acarreta a necessidade de reapresentação do estudo e o reinício do procedimento e da contagem do prazo.

As exigências de complementação, no entanto, devem ser comunicadas, pela autoridade licenciadora, de uma única vez ao empreendedor, ressalvadas as hipóteses de exigências decorrentes de fatos novos.

À derradeira, há importante previsão que catalisa as preocupações com o desenvolvimento sustentável e constitui verdadeiro acerto do projeto: as autoridades licenciadoras elaborarão relatórios que contenham a avaliação dos impactos prevenidos, minimizados e compensados, das boas práticas observadas e dos benefícios ambientais decorrentes dos processos de licenciamento ambiental, com base no desempenho ambiental de atividades e dos empreendimentos licenciados.

Observa-se um esforço em não descuidar da proteção ambiental, compatibilizando-a com uma atuação administrativa informada, célere e transparente.

3. Conclusão

Ao fim e ao cabo, está-se diante de importante iniciativa legislativa para evolução da proteção ao meio ambiente e da liberdade econômica. O desenvolvimento sustentável, contudo, não deve ser informado apenas pela celeridade e economia, mas também pela atenção vigilante ao meio ambiente.

Nesse sentido, importantes as modificações trazidas pelo projeto de lei, mas ainda repetidoras de erros do passado, o que deverá futuramente ser objeto de discussão, seja tendo em vista a proteção do meio ambiente, seja buscando-se maior segurança jurídica ao empreendedor.

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Curso de direito ambiental / Ingo Wolfgang Sarlet, Tiago Fensterseifer. - 5. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2025. 

BENJAMIN, Antonio Herman Introdução ao direito ambiental brasileiro. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: 0 Ed. RT, n. 14, p. 51, abr.-jun. 1999.

STJ, REsp 769.753/ SC, 2ª T., Min. Herman Benjamin, j. 08.09.2009.

https://oeco.org.br/noticias/estudo-de-impacto-ambiental-de-sao-luiz-de-tapajos-nao-mede-impacto/

Nathália Amorim Pinheiro

VIP Nathália Amorim Pinheiro

Advogada especialista em Direito Empresarial pelo IBMEC (Brasília), atuante em direito empresarial, internacional e ambiental. Membro do Instituo Brasileiro de Direito Internacional Privado (IBDIPR) e

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